quinta-feira, 26 de março de 2009

Genes Fósseis e o Dictyostelium discoideum


Caros amigos, entendo que ao longo da evolução das espécies, vários caracteres se desenvolveram e outros deixaram de existir, tais como diferentes órgãos, membros, tipos de proteínas e coisas afins, tornando as espécies melhor adaptadas para o seu meio. Tudo isso é possível ver nos registros fósseis encontrados pelos Paleontologistas. Todos esses caracteres são produtos de genes presentes no núcleo das células dos organismos vivos. Moléculas fósseis se originam de genes que surgiram nos primórdios da origem da vida. Mas o próprio gene também pode ser uma molécula fóssil. Acredito que podemos considerar moléculas fósseis, não só aquelas encontradas preservadas nas rochas mas também genes não funcionais encontrados em organismos atuais cuja função é conhecida apenas em outra espécie, como é o caso dos genes do dente da galinha, que não são funcionais nas aves mas são funcionais nos mamíferos. Então poderíamos pensar também em genes fósseis funcionais. Ou seja, aqueles genes que foram conservados desde a origem dos primeiros seres vivos e permaneceram funcionais na maioria dos seres até hoje, como é o caso do gene do colágeno que confere firmeza à pele dos mamíferos. Vou tentar elaborar melhor esse pensamento apresentando o Dictyostelium discoideum no contexto da origem evolutiva dos metazoários (organismos pluricelulares).

O Dictyostelium sp. pertence ao reino Protista e ao Filo Unikonta, do qual fazem parte as amebas. Entretanto, é chamado de myxamoebae ou ameba social devido a sua capacidade de formar agregados celulares semelhantes a organismos multicelulares, inclusive apresentando tecido diferenciado com divisão de trabalho. As outras espécies de amebas permanecem solitárias durante todo o seu ciclo de vida. Trata-se de um organismo extraordinário, primitivo e misterioso, que conserva no seu comportamento, os mecanismos que, provavelmente, levaram à evolução dos metazoários.

Nos primórdios da evolução, há aproximadamente cinco bilhões de anos, a vida na Terra era exclusivamente unicelular e todos os seres estavam perfeitamente adaptados às condições ambientais existentes. Não havia pensamento, desejo ou intenção. Apenas tentativa e erro na longa evolução molecular impulsionada por forças eletromagnéticas das moléculas presentes no “caldo primordial” que resultariam na primeira célula viva, com metabolismo próprio, capaz de se auto-manter e replicar-se de forma autônoma. Foram aproximadamente três bilhões e meio de anos de vida unicelular até o aparecimento dos metazoários.

Vários eventos foram fundamentais para o aparecimento dos metazoários, incluindo: 1) O surgimento da Matriz Extra Celular (MEC) e; 2) o aparecimento das Moléculas de Adesão (MA). 1) A MEC é uma complexa rede de macromoléculas que preenche os espaços extracelulares dos tecidos dos vertebrados e invertebrados permitindo que as células fiquem aderidas ali. Fazem parte dessa rede algumas moléculas fibrosas como os colágenos, entre muitas outras. Isto mesmo! o colágeno da pele do homem é derivado de um gene muito antigo e conservado durante a evolução, que sofreu pouca modificação ao longo das eras geológicas e está presente nos mamíferos, répteis (incluindo dinossauros) e muitos invertebrados, desde vermes e crustáceos até as esponjas marinhas. Daí entende-se que este gene surgiu e se diversificou a partir de um ancestral comum das esponjas e de outros animais, como foi proposto por Morris em 1992. Por estes motivos, o gene do colágeno poderia ser considerado uma molécula fóssil funcional.
2) As Moléculas de Adesão são receptores presentes na membrana das células e permitem a adesão entre as células e entre as células e o colágeno, levando à formação dos tecidos dos metazoários. Existem vários tipos de MA. Entre eles as Integrinas. As integrinas podem se ligar aos colágenos e formar camadas de tecido sobre uma rede de fibras. Os genes das integrinas foram altamente conservados durante a evolução e estão presentes atualmente em uma ampla variedade de espécies, incluindo mamíferos, aves, anfíbios, insetos, fungos e esponjas (Marcantonio & Hynes, 1988). Portanto, o genes dos colágenos e das integrinas são como fósseis moleculares funcionais. Bom! e o Dictyostelium discoideum com essa história toda? Isso fica para a próxima postagem. Grande abraço e até lá.

quinta-feira, 19 de março de 2009

O dente da galinha


Atualmente tenho estado muito influenciado pelos pensamentos de Darwin. Não por acaso comemoramos este ano o seu bicentenário (1809-1882/2009) e os 150 anos de “Origem das Espécies”. Apesar de Darwin não ter construído no Rio de Janeiro os pontos mais quentes da sua teoria, é admirável o seu encanto pela exuberância das nossas matas e o seu discreto repúdio com a condição política do Estado Brasileiro até 1832, em plena escravocracia. Me pergunto se no domínio dos escravocratas, o Capitão Fitz Roy, comandante do HMS Beagle, navio hidrográfico da marinha real britânica no qual Darwin fez a sua viagem, precisou da sanção do império brasileiro para sua passagem de exploração (provavelmente mapeamento, entre outros) pela costa do Brasil. O que também chama a atenção na releitura do seu diário é a ausência de notações sobre índios no Rio de Janeiro. É surpreendente que já em 1832 todos houvessem sido exterminados.

Políticas a parte, acredito que Darwin ficaria bem feliz com as novas descobertas científicas que tem sustentado cada vez mais a sua teoria. No caso específico do nosso tema, “o dente da galinha”, o campo é fértil. Vejamos um membro da extinta família Pelagornithidae, pertencente à Ordem dos Pelecaniformes, cujo membro foi descoberto no Peru, mais exatamente no deserto da região Ica. Trata-se de uma ave marinha fóssil, extinta a 10 milhões de anos. Nela é possível ver nitidamente os dentes, ou melhor, um crânio de 40cm cujo bico tem projeções ósseas semelhante a dentes (veja a figura ao lado). Vamos nos situar melhor! Muitos de nós acreditam que as aves evoluíram de ancestrais dinossauros, particularmente do grupo dos Terópodes. Os Terópodes pertencem a Superordem Dinosauria que também agrega outros grupos de dinossauros como os Saurópodes, Anquilossauros, Estegossauros, Ceratopsídeos, Ornitópodes e Paquicefalossauros. De todos esses grupos, apenas os Terópodes e os Paquicefalossauros são bípedes, como as aves. Entretanto, só os Terópodes possuem fúrcula, um tipo de osso leve, cheio de ar, que as aves também possuem, alem de serem os únicos tipos de dinossauros que cuidam dos seus filhotes e os ensinam a caçar. Cabe lembrar que evidências fósseis mostraram que uma espécie de Terópode, o Velociraptor mongoliensis possuía penas. No mais, todos os dinossauros botavam ovos. Pois bem, essas maravilhosas descobertas aproximaram ainda mais as aves dos répteis colocando-as como seus verdadeiros descendentes. É importante dizer que os primeiros fósseis de dinossauros conhecidos datam de 235 milhões de anos e pertencem ao gênero Eoraptor. Segundo os paleontólogos, o Eoraptor se parece com o antepassado comum de todos os dinossauros, sugerindo que os primeiros dinossauros foram predadores pequenos, provavelmente bípedes. Assim, podemos suspeitar que os dinossauros e as aves, no mínimo, tiveram um ancestral comum a partir do Eoraptores, e o que é melhor, eles tinham dentes. Segundo a literatura especializada, os dentes das aves desapareceram há 70-80 milhões de anos. Poderíamos fazer uma pergunta nesse ponto: Se novas espécies derivam de outras, será que teríamos um registro molecular, semelhante aos registros fósseis, que comprovariam tais evidências? Sim! Foi demonstrado que genes responsáveis pela formação de dentes em répteis e mamíferos também estão presentes nas aves (veja o link).

Na epiderme de embriões de aves aparece, durante o desenvolvimento da epitélio mandibular, um espessamento tecidual semelhante ao que ocorre em camundongos durante a formação da lâmina dental (Chen, Y. E colaboradores, 2000). Entretanto, esta estrutura regride e a invaginação (dobra do tecido) associada com a formação dos dentes não ocorre. Por outro lado, se for feito um enxerto com tecido embrionário de camundongo (ectomesênquima oral) no mesmo epitélio mandibular de aves descrito anteriormente, o tecido adquire a capacidade de produzir dentes (Kollar & Fisher, 1980). Isto sugere que existe um programa genético dormente que confere à epiderme mandibular das aves a capacidade latente de desenvolver dentes, mas que foi reprimido durante o processo evolutivo. Em 2006, Harris e colaboradores mostraram que os mesmos genes responsáveis pelo desenvolvimento dos dentes em vertebrados (shh, fgf8, bmp4 e ptix2) estão presentes em embriões de galinha. Ele acredita, conforme trabalhos realizados com embriões selvagens de galinha e em embriões mutantes (ta2), que o desaparecimento dos dentes nas aves foi devido à perda da justaposição direta entre os dois tecidos formadores de dentes na cavidade oral da aves, ou seja, o ectoderma e o mesênquima oral dos embriões. Estes deveriam estar alinhados durante o desenvolvimento embrionário, permitindo que os genes sinalizadores fgf8, bmp4, e shh, ativassem o mesênquima da cavidade oral e o capacitasse novamente a formar dentes, como ocorre nos répteis. Mas isso não é mais possível devido ao desalinhamento tecidual observado.

Colocando claramente. A presença de genes de dentes na aves, e sua reativação em laboratório, é forte evidência, junto com achados fósseis e demais descobertas, de que as aves (galinhas) já tiveram dentes e os perderam ao longo do seu processo evolutivo. Assim, tirando as explicações morfológicas e moleculares que eventualmente tornam o texto difícil de ser entendido, não faria sentido a presença de genes de dentes nas aves se estes não tivessem sido utilizados em algum momento durante a transição evolutiva dos répteis para as aves. Isto não é fantástico?
Abraços e até a próxima.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Para que?


Tem uma coisa interessante quando se dá aula. A pergunta “porque?”. O “porque” constrange e parece coisa de outro domínio. Tipo religião ou física quântica. Têm um pé na metafísica das possibilidades inimagináveis definitivamente outras dimensões. Literalmente transcende! Quando me perguntam “porque” eu quase consigo ver um olhar carente de quem foi pouco amamentado. Definitivamente o “porque” não é a minha praia. Em biologia gostamos mais de “como” e “para que”. O “como” tem sempre relação com o mecanismo do sistema, suas propriedades e dinâmica, etc. O “para que”... bom, o “para que” é sempre para estar mais vivo e melhor. Mais adaptado! Para que morremos? Em última instância trófica, para que as mangas dos cemitérios sejam maiores e mais gostosas. Para que? Para que as larvas de Ceratitis capitata, uma espécie de mosca de fruta proteliana (o mesmo que parasito de fase juvenil), que vivem no interior da fruta, fiquem maiores e mais gostosas. Para que? Bom, para que a vespa Diachasmimorpha longicaudata, ou coisa parecida, possa atacar as larvas no interior da fruta e colocar nelas seus ovos. Para que? Para que a larva da vespa se alimente da pupa da mosca que se alimentou da popa da fruta que cresceu grande e gostosa no cemitério. Para que? Para que a larva da vespa se transforme em vespa adulta maior e mais gostosa. Para que? Sei lá! Pra começar tudo de novo. Para que? Sei lá! Eles estão usando isso até no controle de pragas de moscas da fruta!!! Para que? Dizem que lá na Tailândia eles gostam de vespa torradinha.
Tem uma coisa interessante que acontece quando eu estou dando aula. Os alunos gostam sempre do “para que”. Sei lá não é resposta!

segunda-feira, 9 de março de 2009

Evolução


Caros amigos,
Impressiona-me a resistência que certas pessoas têm a respeito da teoria da evolução. Eventualmente, as motivações para a negação da teoria se limitam ao raciocínio puro e simples sobre a beleza de certos aspectos da natureza. Por exemplo: é comum a argumentação de que a perfeição do vôo de uma ave de rapina, ou mesmo a estética simétrica de certos mosaicos encontrados nas asas de algumas espécies de borboletas ou em carapaças de diatomáceas, etc., possam ser obra do acaso. Ora, por favor, tais argumentações são demasiadamente fracas até mesmo para justificar a vontade criadora de um deus. No momento em que o mundo comemora os 150 anos da publicação de “A origem das espécies”, surpreende que jornalistas e intelectuais utilizem “legitimamente” a mídia impressa para falar de temas para os quais não estão preparados por estarem desatualizados. Por outro lado, mais surpreendente é a ausência de consultores científicos nessas mídias para orientar aqueles que querem emitir opiniões favoráveis ou contrárias sobre temas científicos sem que para isso incorram no erro de veicular informação errônea sobre as ciências biológicas. Se por um lado a democracia nos permite falar as bobagens que queremos, por outro lado a mídia tem que ter responsabilidade com aquilo que publica sob o risco de prestar desserviço cultural e científico. Foi o caso da publicação do jornal O Globo feita em 20/02/2009, onde o Sr. Luiz Paulo Horta, jornalista e imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) , escreveu sobre a teoria da evolução sob o título “Nas águas de Darwin”. Nele, o Sr. Horta se refere a Darwin com "vovô" e discorre toda a sua ignorância a respeito do tema. O início do texto é até elegante, mas depois impressiona a sua coragem de falar sem conhecimento de causa, apenas baseado na sua fé e em programas da BBC sobre os quais a natureza é apresentada como algo perfeito e equilibrado. Meus caros, o equilíbrio dos sistemas biológicos é tão fino quanto o de um “bêbado equilibrista”. Por isso mesmo são tão instáveis e sujeitos a transformações radicais ao menor ruído. O mito do equilíbrio perfeito há muito já caiu. Do ponto de vista da adaptação biológica, somos tão evoluídos quanto as baratas ou qualquer outro animal existente no planeta. Formas de vida que não estão adaptadas para os ambientes que ocupam ou estão extintas ou em vias de extinção. Vou tentar ser mais claro sobre isso em algum momento próximo.
Grande abraço.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Apresentação


Saudações a todos. Como primeira postagem, pensei em fazer uma introdução que não fosse formal e pesada, já fazendo. A intenção é estabelecer uma linguagem de amplo alcance com base em conceituações objetivas e diretas, semelhante a textos de divulgação científica. Entretanto, a princípio, não pretendo reproduzir reportagens ou artigos de outros autores. Quando muito, estabelecer um pensamento crítico sobre eles. Alguns temas de interesse científico serão analisados sob a ótica da biologia sistêmica, que é uma das bases da minha formação. Provavelmente, muitos não sabem, mas a Biologia apresenta respostas para questões fundamentais sobre a natureza que muitas vezes são discutidas apenas no âmbito da Física ou da Matemática. Algumas delas são: a geometria dos fractais, os sistemas complexos, o caos, a relatividade, entre outros. Muitas "verdades" da Física entram em confronto direto com o pensamento biológico, sendo impossível a sua coexistência, como é o caso da questão relacionada à viagem no tempo, tão propagada pela física e francamente contrária à possibilidade biológica. Obviamente me abstive de citar temas clássicos tais como a evolução das espécies, a ecologia, a biologia do desenvolvimento, a biologia molecular, a genética e a imunologia, pois estes serão recorrentes aqui. Tentaremos pensar sobre questões imprescindíveis como a origem da vida desde a primeira célula até a emergência da espécie humana, passando pelos fascinantes dinossauros; a evolução molecular desde a formação dos átomos nas estrelas; a neurobiologia e o processo de aprender a aprender; a diferença entre plasticidade e adaptação e, finalmente, a questão da saúde e da doença. Também abordaremos o desenvolvimento das cidades, da ciência e da tecnologia, como processos tão naturais quanto nascer e morrer. Em fim, já estou cansado, mas como não teremos data para terminar...
Grande abraço para todos e até lá.
 
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