segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Análise de Risco Ambiental (1/1) - Riscos e Perigos.

Prezado (a) amigo (a), esse texto está em processo de reedição aqui no blog. Trata-se de material didático sobre Análise de Risco Ambiental (ARA) produzido para o curso de Gestão Ambiental (EAD) da Universidade Veiga de Almeida em vigor desde 2016. Se quiser utilizar o meu trabalho como referência para o seu trabalho, siga o modelo abaixo. Em breve todo o conteúdo estará publicado aqui sob a forma de capítulos. Se este conteúdo fizer sentido para você, inscreva-se no blog e comente. 

ROMANHA, Waldemiro de SouzaRiscos e Perigos. In: ROMANHA, Waldemiro de Souza. Análise de Risco AmbientalRio de Janeiro: UVA, 2016. Disponível em:



Quando este texto estiver completo, você deverá ser capaz de diferenciar conceitos como riscoperigo no  contexto da Análise de Risco Ambiental.


Introdução: Evolução humana como consequência de acidentes naturais


espécie humana evoluiu de ancestrais bípedespor volta de 7 milhões de anos atrás, capazes de caminhar sobre duas pernas, de forma ereta, alternando entre o solo e as árvores. É consenso entre os biólogos que os ancestrais humanos nunca andaram sobre os nós dos dedos (nodopedalia), um modo de locomoção evolutivamente recente, como observado em chipanzés (fig. 1).


Fig. 1 - Nodopedalia

Portanto, apesar de possuirmos um ancestral comum, a nodopedalia surgiu há milhares de anos após divergência evolutiva de um ramo de primatas sem relação com a linhagem humana. Assim, humanos não evoluíram de chipanzés, mas de ancestrais bípedes e eretos (fig. 2).



cladograma da figura (fig. 2) representa  um consenso entre biólogos, paleontólogos, arqueólogos, geneticistas, entre outros, sobre a evolução humana a partir do gênero Ardipithecus (White et al., 1995), considerado o ancestral direto dos Australopithecus até Homo sapiens

Fig. 2 - Relações evolutivas entre hominídeos
As forças evolutivas em curso (seleção natural, seleção sexual, embaralhamento gênicomutações aleatórias e etc.) garantiram que o gênero Homo atravessasse as eras geológicas com variabilidade genética suficiente para impulsionar a evolução das diversas espécies de hominínios. Alterações na crosta terrestre, ocasionadas por acidentes naturais tais como deslocamento de placas tectônicasterremotosatividades vulcânicas promotoras de aquecimento global ou períodos glaciais e interglaciais nos últimos 10 milhões de anos, foram determinantes para a diversificação das subtribos humanas, sem as quais o Homo sapiens não existiria hoje.

Tais alteração são datadas e ocorreram durante o Eoceno (há 56,5 milhões) até o Holoceno (há dez mil anos) quando o Homo sapiens alcançou suas as características fenotípicas finais (até o momento). Portanto, o surgimento da espécie humana foi uma consequência de acidentes naturais, geradores de impactos ambientais, ao longo das eras geológicas.

Os ancestrais humanos resistiram e sobreviveram a perigos e riscos extinção, graças à sua diversidade genética que sempre forneceu, de forma antecipada, uma variabilidade enorme de padrões adaptativos, dentro de uma mesma população, facilitando a ocorrência de seleção natural para a configuração ambiental do momento, determinada pelos acidentes naturais de nível global. 

Esta introdução teve por objetivo apresentar os principais termos utilizados para o entendimento da Análise de Risco Ambiental, que é tema deste material.

Palavras chaves: acidente, risco, perigo.


Risco: Prezado leitor, concluirei esse capítulo em breve. Retorne aqui para acompanhar. Enquanto isso, considere verificar os outros textos sobre temas diversos já publicados. Grande abraço.


sábado, 6 de janeiro de 2024

Capítulo 1/1: As Origens do Cuidar na Pré-História.

 http://microsintonias.blogspot.com 


Prezado (a) amigo (a), se quiser utilizar o meu trabalho como referência para o seu trabalho, siga o modelo abaixo. Se este conteúdo fizer sentido para você, inscreva-se no blog e comente.


ROMANHA, Waldemiro de Souza. As origens do cuidar na pré-história. In: ROMANHA, Waldemiro de Souza. Políticas Públicas de Saúde. Rio de Janeiro: UVA, 2021. p. 09 – 27. E-book: ISBN 978-65-5700-108-0. Disponível em: https://www.blogger.com/blog/post/edit/preview/8502128735235054609/4890156231092699587


As Origens do Cuidar na Pré-História

Introdução

Em outubro de 2020, encontrei em minha rede social uma postagem muito interessante sobre o início do processo civilizatório. De um modo geral, os marcos civilizatórios estão relacionados à transição do homem primitivo caçador/coletor para um modelo produtor/ agricultor, onde a fixação no campo é um determinante obrigatório. Deste novo modelo, surgem padrões emergentes de convívio comunitário, socialmente estratificados e delimitados por fronteiras, configurando ecossistemas culturalmente efervescentes e favoráveis ao surgimento da linguagem escrita, da matemática, das artes e das ciências. Não exatamente nesta ordem e muito menos de forma linear. Normalmente os avanços sociais ocorrem simultaneamente, e via de regra estão relacionados a processos associativos interdependentes.

Figura 1. Esqueleto do neolítico Chinês.

Contudo, a postagem chamava a atenção para um achado fóssil de um homem primitivo, provavelmente do período neolítico (10.000 a.C. e 4.000 a.C.), com uma calcificação óssea na perna derivada de uma fratura. Pelas características anatômicas e histológicas parecia que aquele indivíduo havia recebido um atendimento terapêutico eficaz e se recuperado de uma fratura. É provável que situações como esta tenham ocorrido inúmeras vezes ao longo do desenvolvimento das sociedades primitivas. E era exatamente sobre o ato de cuidar o foco da postagem. A figura (1) mostra a expressão de compaixão e cuidado em esqueleto do neolítico Chinês.

Ou seja, os maiores saltos civilizatórios não se deram a partir dos modelos de produção e exploração da terra e do trabalho, mas pelas boas práticas de cuidado com o outro, de acolhimento e preocupação com o bem-estar de cada membro da comunidade que tem direito à saúde e segurança. Portanto, a mensagem compartilhada falava de direitos humanos.

Este livro transita pelos principais fatos históricos que levaram aos avanços da saúde no Brasil, e chama a atenção para os riscos de retrocesso de todas as conquistas adquiridas após a promulgação da nova Constituição Federal de 1988, principalmente no que se refere aos direitos de todo cidadão a uma vida saudável com com casa, previdência, atenção básica, educação, segurança, salário digno e lazer. Enfim, a tudo aquilo que é determinante para uma vida com saúde.

As origens do cuidado na Pré-história

A saúde e a doença fazem parte de um mesmo processo capaz de manter a vida em um estado viável de equilíbrio fisiológico. O sucesso das espécies depende de mecanismos co-evolutivos suficientemente sofisticados para garantir que humanos e micróbios coabitem no mesmo nicho sem prejuízo para ambos. A aquisição de um sistema imunológico capaz de gerar proteção e tolerância a vírus, bactérias, vermes e fungos, fazendo com que a doença seja percebida como exceção e não como regra, é o segredo deste sucesso. Entretanto, em um passado longínquo, quando a regra era a doença, nossos ancestrais habitavam as savanas africanas e os áridos desertos da Península Arábica há aproximadamente 70 mil anos.

A próxima imagem (fig. 2) mostra um sítio arqueológico em um deserto árabe com pegadas humanas de 120 mil anos.

Figura 2. Sítio arqueológico em um deserto árabe com pegadas humanas de 120 mil anos.

A eterna diáspora das populações nômades que vagavam pelas vastas extensões continentais era acompanhada por todo tipo de perigo e risco a depender das condições que, na sua maioria, eram quase sempre desfavoráveis. Entre os diversos perigos os mais comuns eram:


Predadores ávidos por carne humana (fig. 3).

Figura 3. Fóssil de Smilodon sp. (tigre dente de sabre) extinto há 11 mil anos.

Doenças infecciosas causadas por agentes patológicos desconhecidos (fig. 4).

Figura 4.

Combates traumáticos e mortais entre grupos humanos culturalmente distintos que competiam por território e caça (fig. 5).

Figura 5. Confronto entre Cro-Magnon e Neandertal (40.000 a 10.000 anos atrás).

Portanto, a morte e a doença sempre estiveram presentes e ocupavam um espaço de preocupação nas populações nômades que viviam sobre intensa pressão ambiental. Tais pressões levaram o homem primitivo a perceber pontos anatômicos determinantes para a manutenção da vida durante períodos de paz ou para o favorecimento da morte em tempos de guerra.

Sabe-se que durante quase toda a evolução humana os nossos ancestrais atribuíram grande importância aos traumatismos cranianos pelo seu caráter dramático e sua letalidade. As evidências estão nos achados fósseis de crânios com lesões severas derivadas de confrontos interpessoais. Os primeiros registros de comportamentos terapêuticos voltados para este tipo de lesão datam do Neolítico há aproximadamente 10.000 anos, quando crânios submetidos a trepanação (Orifício cirúrgico realizado intencionalmente para determinado fim) foram encontrados em culturas pré-históricas.

Figura 6. Trepanação.

A imagem (6) mostra a neurocirurgia em culturas pré-colombianas. Tal prática prevaleceu até meados do século IX DC evidenciando sua importância principalmente no tratamento de enxaquecas e epilepsias (Castro & Fernandes, 2010).

Portanto, o desenvolvimento das civilizações conjugado com o aumento proporcional da inteligência humana foi atravessado por uma preocupação primordial e determinante de todas as etapas que levariam ao surgimento de habilidades voltadas para o cuidar, prevenir doenças e evitar mortes.


Continua...

Prezado leitor, caso queira ler os outros quatro capítulos deste livro me envie uma mensagem que eu responderei com prazer. Grande abraço.

Bibliografia

1. Nunes, E. D. Sobre a história da saúde pública: ideias e autores. Ciência e Saúde Coletiva. 5(2): 251-264, 2000. https://www.scielo.br/pdf/csc/v5n2/7095.pdf

2. Costa, M. C. L. Influências do discurso médico e do higienismo no ordenamento urbano. Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia. 9(11): 63-73, 2013. https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/anpege/article/viewFile/6492/3473

3. Dias, J. C. P. Cecílio Romaña. O sinal de Romaña e a doença de chagasRevista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 30 (5): 0-0, 1997. https://doi.org/10.1590/S0037-86821997000500012

4. Castro, F. S. & Landeira-Fernandez, J. Alma, mente e cérebro na pré-história e nas primeiras civilizações humanas. Psicologia: reflexão e crítica. 23 (1):141–152, 2010. https://doi.org/10.1590/S0102-79722010000100017

5. Katz, N. & Almeida, k. Esquistossomose, xistose, barriga d’aguaCiência e Cultura. 55 (1):1-5, 2003.

6. Castro, S. L. A. O pensamento sanitarista na primeira república: Uma ideologia de construção da nacionalidade. Revista de Ciências Sociais. 28(2):123-210, 1985. Biblioteca Virtual em Saúde (bvsalud.org)

7. Madigan, M. T.; Martinko, J. M & Parker, J. Microbiologia de Brock – 10 ed. – São Paulo: Pearson, 2004.

Mídias

8. Como os Homo sapiens se espalharam pelo mundo. A dispersão do homem primitivo pelos continentes. Evolução e antropologia. https://www.youtube.com/watch?v=oBLYb636tFA

9. A revolta da vacina é uma história contada pela metadeCrítica sobre a ação higienista das brigadas de Oswaldo Cruz durante a campanha de vacinação em 1904https://www.youtube.com/watch?v=kEIFyVxpRSQ

10. Especial epidemias: Uma história das doenças e seu combate no Brasil. Palestra sobre as políticas públicas que ajudaram a erradicar algumas epidemias no Brasil. (https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-humanas/especial-epidemias-uma-historia-das-doencas-e-seu-combate-no-brasil/)

11. A História da capoeira. Eduardo Bueno. https://youtu.be/fAdeOPjprro



Capítulo 1/2: A Saúde na República Velha. Fundamentos científicos e pseudocientíficos norteadores.

As Políticas de Saúde na República Velha: Fundamentos científicos e pseudocientíficos.



Prezado (a) amigo (a), se quiser utilizar o meu trabalho como referência para o seu trabalho, siga o modelo abaixo. Se este conteúdo fizer sentido para você, inscreva-se no blog e comente.

ROMANHA, Waldemiro de Souza. As Políticas de Saúde na República Velha: Fundamentos científicos e pseudocientíficos que as nortearam. In: ROMANHA, Waldemiro de Souza. Políticas Públicas de Saúde. Rio de Janeiro: UVA, 2021. p. 09 – 27. Disponível em: 


Quando os europeus chegaram ao Brasil encontraram um território  tomado por guerras e conflitos culturais entre as diversas nações e troncos indígenas que aqui habitavam. Os Tupis/Guaranis compunham a maioria dos habitantes, e  haviam migrado através dos Andes em direção à floresta amazônica há aproximadamente 2000 anos. A ocupação se deu de forma progressiva ao longo de todo o litoral sul-americano expulsando os Tapuias, seus antigos habitantes e sucessores dos homens caçadores/coletores.

É neste contexto que se desenrola a história do Brasil.

Considere um país tomado por outra cultura invasora, europeia, com objetivo único de conquistar e explorar as riquezas locais. Foi nesta condição caótica de guerras superpondo guerras que a saúde se desenvolveu no Brasil, onde todos os tipos de patologias infecciosas se espalhavam sem nenhum controle. Com a chegada dos europeus, também vieram patógenos capazes de provocar infecções de fácil transmissão. As primeiras vítimas foram os indígenas, pois estes eram desprovidos de uma imunidade suficientemente eficiente para combater novos e não usuais agentes infecciosos. Como exemplos podemos citar o sarampo, a gripe, a varíola e a febre amarela entre os de maior incidência e os mais importantes na vitimação de milhares de nativos, colonos, e africanos escravizados durante os quadros epidêmicos que se sucediam ao longo de toda a história de ocupação pelos portugueses.

A varíola foi utilizada como arma biológica no extermínio dos índios Goitacá que habitavam a região de Campos (RJ), consolidando um modo de operação bélica contra os inimigos da coroa portuguesa. A estratégia consistia basicamente em presentear os índios com roupas de soldados mortos pela doença. Cabe ressaltar que esta medida foi tomada a partir do esgotamento de todas as vias expansionistas convencionais empregadas na luta contra os ferozes guerreiros. Um exemplo de sua ferocidade está no rito de passagem para a fase adulta. Quando o menino completava dezoito anos tinha que se lançar nas águas turvas da foz do Rio Paraíba do Sul e trazer um tubarão morto para a terra. Além disso, eram hábeis corredores e exímios caçadores, o que motivou os portugueses a utilizar estratégias de guerra biológica.

Muitas outras doenças chegaram ao Brasil após o descobrimento, entre elas a esquistossomose e a leishmaniose, instaladas em africanos trazidos nos porões dos navios negreiros para trabalhar como escravos na indústria cafeeira (Katz e Almeida, 2003). Desta forma, as doenças tanto de portugueses quanto de africanos, se alastraram pelo país acometendo centenas de milhares de habitantes e permanecendo até hoje como endemias.

Até a chegada da Família Real em 22 de janeiro de1808, a medicina por aqui restringia-se a práticas conhecidas como artes de curar: um compêndio de saberes e procedimentos derivados das culturas indígenas, africanas e de famílias portuguesas empobrecidas que aqui moravam. Os doentes que necessitavam de cuidados procuravam a ajuda de pajés, curandeiros e boticários. A despeito da eficiência de tais práticas, pode-se dizer que do ponto de vista da administração portuguesa, até a metade do século XVIII, a saúde não fazia parte do projeto colonial e por isso mesmo, para os padrões europeus, o que se observava era o predomínio de espaços sociais desorganizados. Quando muito, havia uma preocupação explícita com a doença, como no caso da hanseníase e da peste, motivando algum controle sanitário sobre portos, ruas, casas e praias (Nunes, 2000). 

A partir do século XIX, novas demandas alteraram o quadro político da saúde no Brasil. Entre as principais, destacam-se a vinda da família real para o Brasil na passagem de 1807 para 1808, e o entendimento de que a manutenção do aumento da produção industrial estava atrelada à saúde do trabalhador. A lógica era irrefutável e estimulou intervenções mais efetivas voltadas para a saúde pública, entre elas a implementação de escolas estatais de medicina. A primeira foi a Escola de Cirurgia da Bahia em 1808. Posteriormente, em 1809, foram fundadas a Cátedra de Anatomia do Hospital Militar e a Escola de Medicina no Rio de Janeiro. Em 1829 foi criada a Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro que se constituiu na força motriz da medicina social brasileira.

medicina social compreendia uma série de programas voltados para a organização e higienização dos espaços públicos, entre eles:

·         A regulamentação das farmácias.

·         O fim dos cemitérios nas igrejas.

·         As reformas de hospitais.

·         A assistência aos "doentes mentais".

·         A educação física para as crianças.

O fundamento científico que racionalizava tais medidas higienistas estava calcado na teoria miasmática que permitia o diagnóstico do quadro geral. 

A teoria dos miasmas foi cunhada por Hipócrates há 2.500 anos. Hipócrates era um médico grego que acreditava na sazonalidade das doenças uma vez que era possível observar a influência das estações na saúde das pessoas. De forma complementar, acreditava que o modo de vida das populações era determinante para o processo saúde/doença, e que as doenças poderiam ser adquiridas pelos ares fétidos ou miasmas emitidos pelos pântanos, lençóis freáticos, poças contaminadas, matéria orgânica em decomposição ou qualquer tipo de ambiente insalubre incluindo as florestas. O pensamento de Hipócrates foi tão importante que persistiu até meados do século XVII por se tratar de uma explicação racional sobre as doenças, sem vinculação sobrenatural, ainda que parcialmente equivocada.

Dentro do princípio teórico miasmático distinguiam-se duas categorias relacionadas às desordens sanitárias:

1.    As causas naturais.

2.    As causas sociais.

As causas naturais estavam relacionadas com a presença de mangues, baixadas alagadiças, relevos acidentados e todos os tipos de acidentes geográficos presentes no perímetro metropolitano. As causas sociais se dividiam em dois níveis analíticos: Os macrossociais e os microssociais. Os níveis macrossociais se ajustavam ao funcionamento geral das cidades; os microssociais estavam associados com o funcionamento das instituições (Oliveira, 1983).

As políticas públicas em saúde no período colonial foram elaboradas com base na teoria dos miasmas. Portanto, as ações partiam de um exame detalhado dos espaços urbanos que apresentassem riscos de transmissão de doenças. Posteriormente eram tomadas medidas voltadas para a medicalização de instituições como escolas, quartéis, hospitais, cemitérios, fábricas e prostíbulos, entre outros (Nunes, 2000).

Apesar de todos os esforços que permitiram os avanços da saúde pública no Brasil, em 1850 o Rio de Janeiro foi assolado por uma epidemia de febre amarela que acometeu centenas de milhares de pessoas com graves consequências para a capital da república e para todo o país. A teoria miasmática já não era mais suficiente para explicar as doenças.

Teoria dos miasmas x Teoria do germe da doença

A medicina social aos poucos foi aumentando a sua importância institucional a partir da chancela das faculdades de medicina, tornando-se progressivamente uma espécie de guardiã da saúde pública e responsável pela reorganização e higienização dos espaços públicos. As ações de controle e regulamentação do comércio e serviços estavam cada vez mais centralizadas no Estado e a teoria dos miasmas era a doutrina ideológica que permeava todas as políticas de saúde.

Por outro lado, a Europa do século XVII protagonizou uma revolução científica que progressivamente tomou corpo a partir dos avanços tecnológicos que tornaram os microscópios cada vez mais avançados. Era o século do surgimento da microbiologia sob a ótica de Van Leeuwenhoek (1632 a 1723), também conhecido como o pai da microbiologia, que em 1680, utilizando microscópios rudimentares construídos por ele, havia descrito a presença de micróbios em gotas de água de lagoa e em diversos microambientes jamais imaginados por seus contemporâneos. O debate transcorreu em torno da presença ou não de micróbios específicos, presentes nos ares, capazes de causar alterações na saúde dos animais e no estado dos alimentos. A comprovação da presença de tais micróbios e sua ação seria suficiente para derrubar a teoria dos miasmas e a teoria da geração espontânea.

A geração espontânea preconizava que a vida surgia espontaneamente da matéria morta ou do alimento apodrecido. Contra ela haviam muitos opositores como o cientista alemão Rudolf Virchow e o químico francês Louis Pasteur. Para contrapor a geração espontânea, Virchow cunhou o termo biogênese, significando que a vida só poderia existir a partir de outra vida. Em 1857, o Francês Louis Pasteur demonstrou que microrganismos presentes no ar eram responsáveis pela fermentação que convertia o suco de uva em vinho. Em outras palavras: Pasteur descobriu que leveduras ou fungos presentes no ar, conhecidos atualmente como Saccharomyces cerevisiae (sp), contaminavam o suco e degradavam o açúcar (frutose) em vários subprodutos, entre eles o etanol e o gás carbônico. Pronto, habemus vino!  Durante este processo os fungos se multiplicavam, demandando novos procedimentos de descontaminação chamados hoje de pasteurização.

Estava comprovado que o ar continha uma variedade de micróbios capazes de decompor a matéria orgânica em subprodutos distintos encerrando a discussão. As descobertas de Pasteur alertaram a comunidade científica para similaridades nos processos de adoecimento. Ou seja, se microrganismos presentes no ar podiam alterar de forma significativa os alimentos, seria provável que as doenças tivessem as mesmas causas? Esta ideia ficou conhecida como a teoria do germe da doença ou teoria unicausal: Para cada doença, um germe! A partir daí os avanços científicos foram muitos.

Chagas descreveu também a cardiopatia chagásica e todo o desenvolvimento da doença e seu tratamento. Até hoje a coleção de corações examinados por Carlos Chagas está guardada no Instituto Oswaldo Cruz sob a responsabilidade do Departamento de Patologia.

Este autor que vos escreve teve a grande oportunidade de conhecer a coleção de Carlos Chagas por ter sido estudante naquele conceituado departamento até o doutoramento. Fica aqui minha homenagem ao Dr. Henrique Leonel Lenzi (1943 †2011),  meu amigo e orientador de Mestrado e Doutorado, um dos maiores especialista mundiais em esquistossomose, ex-patologista chefe do Departamento de Patologia do Instituto Oswaldo Cruz (IOC); ex-vice-presidente do IOC e descobridor do local exato em que o protozoário Trypanosoma cruzi faz o seu ciclo de vida completo no gambá: na glândula de cheiro (comunicação pessoal). Afirmação envolta em polêmica já que a autoria da descoberta foi creditada a outro nome.

Um dos mais iminentes estagiários de Carlos Chagas foi Cecílio Romanha (1901-1997), epidemiologista argentino que contribuiu com muitos trabalhos para o entendimento da doença de chagas, sua distribuição no continente e seu diagnóstico (Dias, 1997). 

O feito de Carlos Chagas se igualou ao de Robert Koch com seus estudos sobre tuberculose. Koch recebeu o Prêmio Nobel de medicina em 1905. Entretanto, Carlos Chagas, tal qual Oswaldo Cruz, foi odiado pela classe médica brasileira da época. Cabe ressaltar que em 1925 Chagas foi lembrado por ninguém menos que Albert Einstein para o prêmio Nobel. Entretanto, a forte oposição de médicos higienistas e miasmáticos brasileiros, que sequer acreditavam na doença, fizeram com que o comitê do Nobel não levasse à frente a indicação. Além do mais, os investimentos praticamente inexistentes em ciência acabaram por inviabilizar definitivamente a indicação do grande cientista.

Com a vitória da teoria unicausal, foram estabelecidos em 1851, a partir da I Conferência Sanitária Internacional, os protocolos de prevenção de doenças que incluíam a quarentena e o controle de animais.


Bibliografia

1. Nunes, E. D. Sobre a história da saúde pública: ideias e autores. Ciência e Saúde Coletiva. 5(2): 251-264, 2000. https://www.scielo.br/pdf/csc/v5n2/7095.pdf

2. Costa, M. C. L. Influências do discurso médico e do higienismo no ordenamento urbano. Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia. 9(11): 63-73, 2013. https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/anpege/article/viewFile/6492/3473

3. Dias, J. C. P. Cecílio Romaña. O sinal de Romaña e a doença de chagas. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 30 (5): 0-0, 1997. https://doi.org/10.1590/S0037-86821997000500012

4. Castro, F. S. & Landeira-Fernandez, J. Alma, mente e cérebro na pré-história e nas primeiras civilizações humanas. Psicologia: reflexão e crítica. 23 (1):141–152, 2010. https://doi.org/10.1590/S0102-79722010000100017

5. Katz, N. & Almeida, k. Esquistossomose, xistose, barriga d’agua. Ciência e Cultura. 55 (1):1-5, 2003.

6. Castro, S. L. A. O pensamento sanitarista na primeira república: Uma ideologia de construção da nacionalidade. Revista de Ciências Sociais. 28(2):123-210, 1985. Biblioteca Virtual em Saúde (bvsalud.org)

7. Madigan, M. T.; Martinko, J. M & Parker, J. Microbiologia de Brock – 10 ed. – São Paulo: Pearson, 2004.

Mídias

8. Como os Homo sapiens se espalharam pelo mundo. A dispersão do homem primitivo pelos continentes. Evolução e antropologia. https://www.youtube.com/watch?v=oBLYb636tFA

9. A revolta da vacina é uma história contada pela metadeCrítica sobre a ação higienista das brigadas de Oswaldo Cruz durante a campanha de vacinação em 1904https://www.youtube.com/watch?v=kEIFyVxpRSQ

10. Especial epidemias: Uma história das doenças e seu combate no Brasil. Palestra sobre as políticas públicas que ajudaram a erradicar algumas epidemias no Brasil. (https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-humanas/especial-epidemias-uma-historia-das-doencas-e-seu-combate-no-brasil/)

11. A História da capoeira. Eduardo Bueno. https://youtu.be/fAdeOPjprro


 
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