Continuando a postagem anterior, o D. discoideum é um exemplo de organização multicelular derivada de um organismo unicelular. Então, como ele vive? Durante sua fase unicelular pode ser encontrado sob a forma de amebas solitárias vivendo em ambientes repletos de matéria orgânica em decomposição e alimentando-se de bactérias. Há quem acredite que, na sua forma multicelular, o D. discoideum possa viver e se alimentar durante várias semanas de resíduos orgânicos em decomposição presentes nas florestas ou bosques, ou até mesmo em jardins residenciais em dias claros e úmidos, semelhantes aos que encontramos nas estações de verão/outono. O seu aspecto parece o de uma substância de cor amarelo/avermelhada cobrindo alguns centímetros de, por exemplo, uma madeira apodrecida. Essa massa se move pelo chão vagarosamente, mas seu movimento só pode ser percebido quadro a quadro, ou seja, a partir de imagens capturadas com uma máquina digital durante vários dias pois o seu deslocamento é muito lento. A reprodução na fase unicelular é assexuada e se dá por fissão binária, onde cada célula replica-se gerando clones de si mesma.
A passagem da forma unicelular para a multicelular inicia-se quando os recursos alimentares são exauridos. A partir daí, grupos individuais de amebas secretam um fator chamado de AMPc (adenosina monofosfato cíclico) que faz com que centenas ou milhares dessas amebas migrem em direção a um ponto central. Ali, elas se agrupam umas sobre as outras formando uma estrutura cônica fortemente aderida. Na parte mais alta deste cone forma-se uma ponta que, lentamente, se curva para frente. Agora o D. discoideum se parece com uma lesma (também chamada de pseudo-plasmódio) e passa a se movimentar como tal. O tempo transcorrido até este momento é de 14 horas. De um modo geral, o movimento do D. discoideum ocorre em ambientes com pouca luz e úmidos. Quando ele alcança locais iluminados, a migração é interrompida e inicia-se um processo de diferenciação celular no qual o organismo desenvolve um corpo de frutificação composto por um talo ou pedúnculo, semelhante a um cogumelo. Na parte superior formam-se vacúolos no qual se desenvolvem esporos. Vinte e quatro horas após a formação do corpo de frutificação, os esporos são dispersos e cada um deles se transforma em uma nova mixamoeba de vida livre.
Vários são os mecanismos envolvidos nesse processo. O certo é que, diferente das outras amebas, o D. discoideum possui no seu genoma (conjunto de todos os genes de um organismo) os genes responsáveis pela sua diferenciação. Isto confere a ele uma vantagem adaptativa enorme, pois, em épocas de escassez de alimentos, quando a maioria dos micro-organismos morrem, ele produz esporos resistentes que permanecem “dormentes” até que as condições ambientais se tornem novamente favoráveis, levando cada esporo a se transformar em uma mixamoeba unicelular de vida livre novamente.
Alguns aspectos devem ser levados em consideração nesse ponto: 1) Os mecanismos que fazem com que organismos unicelulares se agreguem e diferenciem em pelo menos dois tipos celulares distintos são dependentes da expressão de moléculas de adesão na superfície de suas membranas. Isto sugere que, por ser o D. discoideum um organismo primitivo, as moléculas de adesão devem ter sido um dos primeiros caracteres surgidos na evolução que permitiram a transição dos organismos unicelulares para multicelulares. Esse raciocínio é facilmente dedutível quando se estuda Biologia do Desenvolvimento ou Embriologia Comparada. Muitos dos mecanismos apresentados aqui, tais como: Migração celular, expressão de moléculas de adesão e diferenciação celular, também ocorrem no desenvolvimento embrionário de todos os vertebrados de uma maneira muito semelhante ao que ocorre com o D. discoideum, ao menos nas fases iniciais do desenvolvimento embrionário. 2) O comportamento do D. discoideum evidencia uma importante característica dos seres vivos que é a sua propriedade emergente, ou seja, os seres vivos se auto-organizam a partir de certas condições iniciais, que no caso do D. discoideum está representada pela escassez de alimentos, gerando uma novo estado que lhe confere maior capacidade adaptativa do ponto de vista evolutivo, ou maior plasticidade biológica, diferente de adaptação evolutiva (comunicação pessoal por Henrique Leonel Lenzi), do ponto de vista ontogenético ou até mesmo social. E não somos todos nós assim? Opa, isso pode ser um bom tópico para uma outra postagem. Até a próxima.
Oi, Miro,
ResponderExcluirEstou adorando essa aula de biologia on line.
Seu texto é ótimo! Nossos projetos têm futuro! :))
bom domingo
Obrigado Ana. É isso, o embrião em desenvolvimento.
ResponderExcluirGrande beijo.
Nossa me ajudou bastante na ula que darei de pseudoplasmodiais
ResponderExcluirOi. Adorei o texto.
ResponderExcluirPesquisando sobre o dictyostelium discoideum aqui na internet, encontrei esse post de 2009.
Estou querendo trabalhar com ele e estou com dificuldade de encontrar aqui em São Paulo.
Sabe como posso conseguir uma amostra?
muitíssimo obrigado!
interessante reflexão, waldemiro. cheguei aqui pelo google em 2022 pesquisando Dyscotelium, porque estou lendo a árvore da vida de maturana e varela. se não conhece ainda, creio que te dará muito o que pensar hehehe
ResponderExcluirhahahaha acabei de olhar o resto da página e notei a foto do maturana. hahaha
ResponderExcluirSou fã.
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