sábado, 6 de janeiro de 2024

Políticas Públicas de Saúde (Capítulo 1/1): As Origens do Cuidar na Pré-História.

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ROMANHA, Waldemiro de Souza. As Políticas de Saúde na República Velha. In: ROMANHA, Waldemiro de Souza. Políticas Públicas de Saúde. Rio de Janeiro: UVA, 2021. p. 09 – 27. E-book: ISBN 978-65-5700-108-0. Disponível em: https://www.blogger.com/blog/post/edit/preview/8502128735235054609/4890156231092699587

Introdução

Em outubro de 2020, encontrei em minha rede social uma postagem muito interessante sobre o início do processo civilizatório. De um modo geral os marcos civilizatórios estão relacionados à transição do homem primitivo caçador/coletor para um modelo produtor agricultor, onde a fixação no campo é um determinante obrigatório. Deste novo modelo surgem padrões emergentes de convívio delimitados por fronteiras. Todo este processo desemboca na formação de estratos sociais e no desenvolvimento da linguagem escrita. Não exatamente nesta ordem e muito menos de forma linear. Normalmente os avanços sociais ocorrem simultaneamente, e via de regra estão relacionados a processos associativos interdependentes.

Contudo, a postagem chamava a atenção para um achado fóssil de um homem primitivo – provavelmente do período neolítico (10.000 a.C. e 4.000 a.C.) – com uma calcificação óssea na perna derivada de uma fratura. Pelas características anatômicas e histológicas parecia que aquele indivíduo havia recebido um atendimento terapêutico eficaz e se recuperado de uma fratura. É provável que situações como essa tenham ocorrido inúmeras vezes ao longo do desenvolvimento das civilizações. E era exatamente sobre o ato de cuidar o foco da postagem. A imagem acima mostra a expressão de compaixão e cuidado em esqueleto do neolítico Chinês.

Ou seja, a maior expressão civilizatória não está nas formas de produção e exploração da terra e do trabalho, mas no cuidado com o outro, no acolhimento e na preocupação com o bem-estar social de cada membro da comunidade que tem direito à saúde, terra e segurança. Portanto, a mensagem compartilhada falava de direitos humanos.

Este livro transita pelos principais fatos históricos que levaram aos avanços da saúde no Brasil, e chama a atenção para os riscos de retrocesso de todas as conquistas adquiridas após a redemocratização, principalmente nos direitos de todo cidadão a uma vida saudável com emprego, salário digno, segurança e lazer. Enfim, tudo aquilo que é determinante para uma vida com saúde.

As origens do cuidado na Pré-história

A saúde e a doença fazem parte de um mesmo processo capaz de manter a vida em um estado viável de equilíbrio fisiológico. O sucesso das espécies depende de mecanismos co-evolutivos suficientemente sofisticados para garantir que humanos e micróbios coabitem no mesmo nicho sem prejuízo para ambos. A aquisição de um sistema imunológico capaz de gerar proteção e tolerância a vírus, bactérias, vermes e fungos, fazendo com que a doença seja percebida como exceção e não como regra, é o segredo deste sucesso. Entretanto, em um passado longínquo, quando a regra era a doença, nossos ancestrais habitavam as savanas africanas e os áridos desertos da Península Arábica há aproximadamente 70 mil anos.

A próxima imagem mostra um sítio arqueológico em um deserto árabe com pegadas humanas de 120 mil anos.


A eterna diáspora das populações nômades que vagavam pelas vastas extensões continentais era acompanhada por todo tipo de perigo e risco a depender das condições que, na sua maioria, eram quase sempre desfavoráveis. Entre os diversos perigos, os mais comuns eram:


Predadores ávidos por carne humana.



Doenças infecciosas causadas por agentes patológicos desconhecidos.
















Combates traumáticos e mortais entre grupos humanos culturalmente distintos que competiam por território e caça.


Portanto, a morte e a doença sempre estiveram presentes e ocupavam um espaço de preocupação nas populações nômades que viviam sobre intensa pressão ambiental. Tais pressões levaram o homem primitivo a perceber pontos anatômicos determinantes para a manutenção da vida durante períodos de paz ou para o favorecimento da morte em tempos de guerra.

Sabe-se que durante quase toda a evolução humana, nossos ancestrais atribuíram grande importância aos traumatismos cranianos pelo seu caráter dramático e sua letalidade. As evidências estão nos achados fósseis de crânios com lesões severas derivadas de confrontos interpessoais. Os primeiros registros de comportamentos terapêuticos voltados para este tipo de lesão datam do Neolítico há aproximadamente 10.000 anos, quando crânios submetidos a trepanação (Orifício cirúrgico realizado intencionalmente para determinado fim) foram encontrados em culturas pré-históricas. A imagem mostra a neurologia em culturas pré-colombianas. Tal prática prevaleceu até meados do século IX DC evidenciando sua importância principalmente no tratamento de enxaquecas e epilepsias (Castro & Fernandes, 2010).

Portanto, o desenvolvimento das civilizações conjugado com o aumento proporcional da inteligência humana foi atravessado por uma preocupação primordial e determinante de todas as etapas que levariam ao surgimento de habilidades voltadas para o cuidar, prevenir doenças e evitar mortes.


Continua...


Bibliografia

1. Nunes, E. D. Sobre a história da saúde pública: ideias e autores. Ciência e Saúde Coletiva. 5(2): 251-264, 2000. https://www.scielo.br/pdf/csc/v5n2/7095.pdf

2. Costa, M. C. L. Influências do discurso médico e do higienismo no ordenamento urbano. Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia. 9(11): 63-73, 2013. https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/anpege/article/viewFile/6492/3473

3. Dias, J. C. P. Cecílio Romaña. O sinal de Romaña e a doença de chagas. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 30 (5): 0-0, 1997. https://doi.org/10.1590/S0037-86821997000500012

4. Castro, F. S. & Landeira-Fernandez, J. Alma, mente e cérebro na pré-história e nas primeiras civilizações humanas. Psicologia: reflexão e crítica. 23 (1):141–152, 2010. https://doi.org/10.1590/S0102-79722010000100017

5. Katz, N. & Almeida, k. Esquistossomose, xistose, barriga d’agua. Ciência e Cultura. 55 (1):1-5, 2003.

6. Castro, S. L. A. O pensamento sanitarista na primeira república: Uma ideologia de construção da nacionalidade. Revista de Ciências Sociais. 28(2):123-210, 1985. Biblioteca Virtual em Saúde (bvsalud.org)

7. Madigan, M. T.; Martinko, J. M & Parker, J. Microbiologia de Brock – 10 ed. – São Paulo: Pearson, 2004.

Mídias

8. Como os Homo sapiens se espalharam pelo mundo. A dispersão do homem primitivo pelos continentes. Evolução e antropologia. https://www.youtube.com/watch?v=oBLYb636tFA

9. A revolta da vacina é uma história contada pela metadeCrítica sobre a ação higienista das brigadas de Oswaldo Cruz durante a campanha de vacinação em 1904https://www.youtube.com/watch?v=kEIFyVxpRSQ

10. Especial epidemias: Uma história das doenças e seu combate no Brasil. Palestra sobre as políticas públicas que ajudaram a erradicar algumas epidemias no Brasil. (https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-humanas/especial-epidemias-uma-historia-das-doencas-e-seu-combate-no-brasil/)

11. A História da capoeira. Eduardo Bueno. https://youtu.be/fAdeOPjprro



Políticas Públicas de Saúde (Capítulo 1/2): As Políticas de Saúde na República Velha.

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ROMANHA, Waldemiro de Souza. As Políticas de Saúde na República Velha. In: ROMANHA, Waldemiro de Souza. Políticas Públicas de Saúde. Rio de Janeiro: UVA, 2021. p. 09 – 27. E-book: ISBN 978-65-5700-108-0. Disponível em: https://www.blogger.com/blog/post/edit/preview/8502128735235054609/4890156231092699587


As Políticas de Saúde na República Velha

Quando os europeus chegaram ao Brasil encontraram um território em intensa turbulência, tomado por guerras e conflitos culturais entre as diversas nações e troncos indígenas que aqui habitavam. Os Tupis/Guaranis compunham a maioria dos habitantes e, historicamente, haviam migrado através dos Andes em direção à floresta amazônica há aproximadamente 2000 anos e, progressivamente, ocupado todo o litoral sul-americano expulsando os Tapuias, seus antigos habitantes e sucessores dos homens caçadores/coletores.

É neste contexto que se desenrola a história do Brasil.

Considere um país tomado por outra cultura invasora, européia, com objetivo único de conquistar e explorar as riquezas locais. Foi nesta condição caótica de guerras superpondo guerras que a saúde se desenvolveu no Brasil, onde todos os tipos de patologias infecciosas se espalhavam sem nenhum controle. Com a chegada dos europeus também vieram patógenos capazes de provocar infecções de fácil transmissão. As primeiras vítimas foram os indígenas, pois estes eram desprovidos de uma imunidade suficientemente eficiente para combater novos e não usuais agentes infecciosos. Como exemplos podemos citar o sarampo, a gripe, a varíola e a febre amarela entre os de maior incidência e os mais importantes na vitimação de milhares de nativos, colonos, e africanos escravizados durante os quadros epidêmicos que se sucederam ao longo de toda a história de ocupação pelos portugueses.

A varíola foi utilizada como arma biológica contra os índios Goitacá, que habitavam a região de Campos (RJ), como forma de consolidação do domínio Português na região. A estratégia consistia basicamente em presentear os índios com roupas de soldados mortos pela doença. Cabe ressaltar que esta medida foi tomada a partir do esgotamento de todas as vias bélicas convencionais empregadas na luta contra os ferozes guerreiros. Um exemplo de sua ferocidade está no rito de passagem para a fase adulta. Quando o menino completava dezoito anos tinha que se lançar nas águas turvas do Rio Paraíba do Sul, na foz, e trazer um tubarão morto para a terra. Além disso, eram hábeis corredores e exímios caçadores, o que motivou os portugueses a utilizar estratégias de guerra biológica.

Muitas outras doenças chegaram ao Brasil após o descobrimento como a Esquistossomose e a Leishmaniose, instaladas em africanos trazidos nos porões dos navios negreiros para trabalhar como escravos na indústria cafeeira (Katz e Almeida, 2003). Desta forma, as doenças, tanto de portugueses quanto de africanos, se alastraram pelo país acometendo centenas de milhares de habitantes e permanecendo até hoje como endemias.

Até a chegada da Família Real em 22 de janeiro de1808, a medicina por aqui se restringia a práticas conhecidas como artes de curar. Um compêndio de saberes e procedimentos derivados das culturas indígenas, africanas e de famílias portuguesas empobrecidas que aqui moravam. Os doentes que necessitavam de cuidados procuravam a ajuda de pajés, curandeiros e boticários. A despeito da eficiência de tais práticas, pode-se dizer que do ponto de vista da administração portuguesa, até a metade do século XVIII, a saúde não fez parte do projeto colonial e por isso mesmo, para os padrões europeus, o que se observava era o predomínio de espaços sociais desorganizados. Quando muito, havia uma preocupação explícita com a doença, como no caso da hanseníase e da peste, motivando algum controle sanitário sobre portos, ruas, casas e praias (Nunes, 2000).A partir do século XIX, novas demandas alteraram o quadro político da saúde no Brasil. A principal delas refletia o entendimento de que a manutenção do aumento da produção industrial estava atrelada à saúde do trabalhador. A lógica era irrefutável e estimulou intervenções mais efetivas voltadas para a saúde pública. Entre elas destacou-se a implementação de escolas estatais de medicina. A primeira faculdade de medicina foi a Escola de Cirurgia da Bahia em 1808. Posteriormente, em 1809, foram fundadas a Cátedra de Anatomia do Hospital Militar e a Escola de Medicina no Rio de Janeiro. Em 1829 foi criada a Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro que se constituiu na força motriz da medicina social brasileira.

medicina social compreendia uma série de programas voltados para a organização e higienização dos espaços públicos, entre eles:

·         A regulamentação das farmácias.

·         O fim dos cemitérios nas igrejas.

·         As reformas de hospitais.

·         A assistência aos doentes mentais.

·         A educação física para as crianças.

O fundamento científico que racionalizava tais medidas higienistas estava calcado na teoria miasmática que permitia o diagnóstico do quadro geral. A teoria dos miasmas foi cunhada por Hipócrates há 2.500 anos. Hipócrates era um médico grego que acreditava na sazonalidade das doenças uma vez que era possível observar a influência das estações na saúde das pessoas. De forma complementar, acreditava que o modo de vida das populações era determinante para o processo saúde/doença, e que as doenças poderiam ser adquiridas pelos ares fétidos ou miasmas emitidos pelos pântanos, lençóis freáticos, poças contaminadas, matéria orgânica em decomposição ou qualquer tipo de ambiente insalubre incluindo as florestas. O pensamento de Hipócrates foi tão importante que persistiu até o século XVII por se tratar de uma explicação racional, ainda que equivocada, sem vinculação sobrenatural.

Dentro do princípio teórico miasmático, distinguiam-se duas categorias relacionadas às análises do perfil de desordem sanitária:

1.    As causas naturais.

2.    As causas sociais.

As causas naturais estavam relacionadas com a presença de mangues, baixadas alagadiças, relevos acidentados e todos os tipos de acidentes geográficos presentes no perímetro metropolitano. As causas sociais se dividiam em dois níveis analíticos: Os Macrossociais e os Microssociais. Os níveis Macrossociais se ajustavam ao funcionamento geral das cidades; os níveis Microssociais estavam associados com o funcionamento das instituições (Oliveira, 1983).

As políticas públicas em saúde neste período foram construídas com base nesta teoria. Portanto, as ações partiam de um exame detalhado dos espaços urbanos que apresentassem riscos de transmissão de doenças. Posteriormente eram tomadas medidas voltadas para a medicalização de instituições como escolas, quartéis, hospitais, cemitérios, fábricas e prostíbulos, entre outros (Nunes, 2000).

Apesar de todos os esforços que permitiram os avanços da saúde pública no Brasil, em 1850, o Rio de Janeiro foi assolado por uma epidemia de febre amarela que acometeu centenas de milhares de pessoas com graves consequências para a capital da república e para todo o país. A teoria miasmática já não era mais suficiente para explicar as doenças.


Teoria dos miasmas x Teoria do germe da doença

A medicina social aos poucos foi aumentando a sua importância institucional a partir da chancela das faculdades de medicina, tornando-se progressivamente uma espécie de guardiã da saúde pública responsável pela reorganização e higienização dos espaços públicos. As ações de controle e regulamentação do comércio e serviços estavam cada vez mais centralizadas no Estado e a teoria dos miasmas era a doutrina ideológica que permeava todas as políticas de saúde.

Não por acaso, em meados do século XVII, estava ocorrendo uma revolução científica na Europa que progressivamente tomava corpo a partir dos avanços tecnológicos que tornavam os microscópios cada vez mais avançados. O debate transcorria em torno da presença ou não de micróbios específicos presentes nos ares capazes de causar alterações na saúde dos animais e no estado dos alimentos. A comprovação da presença de tais micróbios e sua ação seria suficiente para derrubar a teoria dos miasmas e da geração espontânea.

A geração espontânea preconizava que a vida surgia espontaneamente da matéria morta ou do alimento apodrecido. Contra ela haviam muitos opositores como o cientista alemão Rudolf Virchow e o químico francês Louis Pasteur. Para contrapor a geração espontânea, Virchow cunhou o termo biogênese, significando que a vida só poderia existir a partir de outra vida. Em 1857, o Francês Louis Pasteur demonstrou que microrganismos presentes no ar eram responsáveis pela fermentação que convertia o suco de uva em vinho. Em outras palavras: Pasteur descobriu que leveduras ou fungos presentes no ar, hoje conhecidos como Saccharomyces cerevisiae (sp), contaminavam o suco e degradavam o açúcar presente (frutose) gerando vários subprodutos, entre eles o etanol e o gás carbônico. Pronto, habemus vino!  Durante este processo os fungos se multiplicavam.

Estava comprovado que o ar continha uma variedade de micróbios capazes de decompor a matéria orgânica em subprodutos distintos encerrando a discussão. As descobertas de Pasteur alertaram a comunidade científica para similaridades nos processos de adoecimento. Ou seja, se microrganismos presentes no ar podiam alterar de forma significativa os alimentos, seria provável que as doenças tivessem as mesmas causas? Esta ideia ficou conhecida como a teoria do germe da doença ou teoria unicausal: Para cada doença, um germe! A partir daí os avanços científicos foram muitos.

  • Em 1876, Robert Koch descobriu que uma bactéria em forma de bastão (Bacillus anthracis) era a causadora do Antraz ou carbúnculo.
  • Em 1882, Koch também descobriu que o Mycobacterium tuberculosis era a bactéria causadora da tuberculose.
  • Em 1910, Carlos Chagas realizou uma descoberta fascinante que mudou a ciência no Brasil. Sozinho, ele descobriu como a doença de Chagas era transmitida; identificou o seu vetor (o barbeiro Triatoma infestans) e o agente etiológico (o protozoário Trypanosoma cruzi); e descreveu a sua ecologia e suas regiões endêmicas.

Chagas descreveu também a cardiopatia chagásica e todo o desenvolvimento da doença e seu tratamento. Até hoje a coleção de corações examinados por Carlos Chagas está guardada no Instituto Oswaldo Cruz sob a responsabilidade do Departamento de Patologia.

Este autor que vos escreve teve a grande oportunidade de conhecer a coleção de Carlos Chagas por ter sido estudante naquele conceituado departamento até o doutoramento. Fica aqui minha homenagem ao Dr. Henrique Leonel Lenzi (1943 †2011),  meu amigo e orientador de Mestrado e Doutorado, maior especialista em esquistossomose do mundo, patologista chefe do Departamento de Patologia do IOC; ex vice-diretor do Instituto Oswaldo Cruz e descobridor do local exato em que o protozoário Trypanosoma cruzi faz o seu ciclo de vida completo no gambá: na glândula de cheiro (comunicação pessoal). Afirmação envolta em polêmica já que a autoria da descoberta foi creditada a outro nome.

Um dos mais iminentes estagiários de Carlos Chagas foi Cecílio Romanha (1901-1997), epidemiologista argentino que contribuiu com muitos trabalhos para o entendimento da doença de chagas, sua distribuição no continente e seu diagnóstico (Dias, 1997). 

O feito de Carlos Chagas se igualou ao de Robert Koch com seus estudos sobre tuberculose. Koch recebeu o Prêmio Nobel de medicina em 1905. Já Carlos Chagas, tal qual Oswaldo Cruz, foi odiado pela classe médica brasileira da época. Cabe ressaltar que em 1925 Chagas foi lembrado por ninguém menos que Albert Einstein para o prêmio. Entretanto, a forte oposição de médicos higienistas e miasmáticos brasileiros, que sequer acreditavam na doença, fizeram com que o comitê do Nobel não levasse à frente a indicação. Além do mais, os investimentos praticamente inexistentes em ciência acabaram inviabilizar definitivamente a indicação do grande cientista.

Com a vitória da teoria unicausal, foram estabelecidos em 1851, a partir da I Conferência Sanitária Internacional, os protocolos de prevenção de doenças que incluíam a quarentena e o controle de animais.


Bibliografia

1. Nunes, E. D. Sobre a história da saúde pública: ideias e autores. Ciência e Saúde Coletiva. 5(2): 251-264, 2000. https://www.scielo.br/pdf/csc/v5n2/7095.pdf

2. Costa, M. C. L. Influências do discurso médico e do higienismo no ordenamento urbano. Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia. 9(11): 63-73, 2013. https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/anpege/article/viewFile/6492/3473

3. Dias, J. C. P. Cecílio Romaña. O sinal de Romaña e a doença de chagas. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 30 (5): 0-0, 1997. https://doi.org/10.1590/S0037-86821997000500012

4. Castro, F. S. & Landeira-Fernandez, J. Alma, mente e cérebro na pré-história e nas primeiras civilizações humanas. Psicologia: reflexão e crítica. 23 (1):141–152, 2010. https://doi.org/10.1590/S0102-79722010000100017

5. Katz, N. & Almeida, k. Esquistossomose, xistose, barriga d’agua. Ciência e Cultura. 55 (1):1-5, 2003.

6. Castro, S. L. A. O pensamento sanitarista na primeira república: Uma ideologia de construção da nacionalidade. Revista de Ciências Sociais. 28(2):123-210, 1985. Biblioteca Virtual em Saúde (bvsalud.org)

7. Madigan, M. T.; Martinko, J. M & Parker, J. Microbiologia de Brock – 10 ed. – São Paulo: Pearson, 2004.

Mídias

8. Como os Homo sapiens se espalharam pelo mundo. A dispersão do homem primitivo pelos continentes. Evolução e antropologia. https://www.youtube.com/watch?v=oBLYb636tFA

9. A revolta da vacina é uma história contada pela metadeCrítica sobre a ação higienista das brigadas de Oswaldo Cruz durante a campanha de vacinação em 1904https://www.youtube.com/watch?v=kEIFyVxpRSQ

10. Especial epidemias: Uma história das doenças e seu combate no Brasil. Palestra sobre as políticas públicas que ajudaram a erradicar algumas epidemias no Brasil. (https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-humanas/especial-epidemias-uma-historia-das-doencas-e-seu-combate-no-brasil/)

11. A História da capoeira. Eduardo Bueno. https://youtu.be/fAdeOPjprro


Políticas Públicas de Saúde (Capítulo 1/3): A Saúde na Primeira República: Oswaldo Cruz.

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Prezado (a) amigo (a), se quiser utilizar o meu trabalho como referência para o seu trabalho, siga o modelo abaixo.

ROMANHA, Waldemiro de Souza. As Políticas de Saúde na República Velha. In: ROMANHA, Waldemiro de Souza. Políticas Públicas de Saúde. Rio de Janeiro: UVA, 2021. p. 09 – 27. E-book: ISBN 978-65-5700-108-0. Disponível em: https://www.blogger.com/blog/post/edit/preview/8502128735235054609/4890156231092699587


A saúde na Primeira República: Oswaldo Cruz


Primeira República, também chamada de República Velha, foi uma denominação dada para o período compreendido entre a proclamação da República em 1889 até o ano de 1930, em contraposição às mudanças que viriam com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder. Portanto, a primeira república marcou o fim da transição do escravismo para o capitalismo, bem como o fim do período monárquico e o início da república.

As preocupações com a saúde neste período não estavam relacionadas com a dignidade humana ou mesmo com as lutas por direitos de acesso aos bens de consumo da classe trabalhadora, mas com os interesses econômicos das oligarquias em manter os trabalhadores em condições “adequadas” de saúde visando a estabilidade da produção agrária (Nunes, 2000). Ou seja, o velho conceito da racionalização extrema da produção de trabalho advindo dos métodos de Frederick Taylor (1856-1915) reinava enquanto fundamento pseudocientífico para justificar a produção em cadeia na indústria do café.

Neste contexto, a despeito de todos os avanços científicos/microbiológicos em progresso nos países centrais, o homem era visto como um componente de uma grande engrenagem que não podia parar. Este modelo de política econômica trazia como consequência uma política da saúde voltada para a doença e não para as suas causas.

O modelo era curativo e não preventivo!

Por isso mesmo, a epidemia de febre amarela que havia começado em 1850 no Rio de Janeiro atingiu grande parte da zona cafeicultora de Campinas e Sorocaba (SP) em 1889, gerando prejuízos incalculáveis para a economia do País uma vez que os mais vulneráveis eram os trabalhadores do campo, principalmente imigrantes contratados para substituir a mão de obra escrava que havia sido abolida em 13 de maio de1888, ano anterior à proclamação da república. A imagem mostra a enfermaria do hospital provisório da Escola Benjamin Constant, no Rio de Janeiro, em 1918. Acervo: Biblioteca Guita e José Mindlin.

Enfermaria do hospital provisório Escola Benjamin Constant, no Rio de Janeiro, em 1918. Acervo: Biblioteca Guita e José Mindlin

Em termos gerais, no início do século XX, o quadro epidêmico do Rio de Janeiro retratava uma cidade insalubre e assolada por uma série de doenças que variavam entre varíola, peste bubônica e febre amarela. Em 1902, o recém-eleito presidente do Brasil Rodrigues Alves (1848-1919), inspirado no modelo francês de medicina urbana, liderou um movimento de saneamento que permitiu abrir grandes avenidas no centro do Rio e expulsar para as favelas periféricas as populações empobrecidas que habitavam os cortiços e os quartos de aluguel.

Um pouco antes, em 1899, um jovem médico e cientista chamado Oswaldo Cruz retornara de um dos maiores centros de pesquisa em microbiologia do mundo, o Instituto Pasteur, onde havia estagiado com o biólogo russo Ilya Mechnikov, ganhador do prêmio Nobel de fisiologia (1908) por seus trabalhos em imunologia, e Émile Roux, médico descobridor do soro antidiftérico e diretor do mesmo Instituto.

Após uma rápida passagem por Santos (SP) onde ajudou a debelar a Peste Bubônica, Oswaldo Cruz foi convidado pelo Barão de Pedro Afonso, por indicação de Émile Roux, para dirigir o recém-fundado Instituto Soroterápico Nacional, na fazenda de Manguinhos, transformando-o em um importante centro de pesquisa básica e produção de vacina. Posteriormente, após a posse de Rodrigues Alves, Oswaldo Cruz (imagem) foi nomeado Diretor-Geral da Saúde Pública (DGSP), algo como um Ministro da Saúde de hoje, a fim de erradicar três epidemias simultaneamente: Peste Bubônica, Varíola e Febre Amarela.


Os feitos notáveis de Oswaldo Cruz lhe renderam inúmeros prêmios mas também algumas crises institucionais como a Revolta da Vacina, em 1904. Nesta época houve uma dissonância entre a população e a forma autoritária com que Oswaldo Cruz comandou a campanha de vacinação contra a varíola. O modelo propiciou abusos por parte de agentes higienistas que invadiram casas, assediaram mulheres e crianças vacinando-as à força e gerando uma grande revolta popular que foi debelada com violência pelo governo. Na verdade, a revolta da vacina se estendeu para uma série de pautas direcionadas ao desemprego, exclusão social, moradia, inflação, lockdown e todos os tipos de mazelas a que os brasileiros estavam submetidos e que as elites haviam normalizado. Curiosamente, em 1908, a população foi surpreendida por uma nova epidemia de varíola e, ao contrário do que se esperava, os cidadãos demonstraram clareza quanto a necessidade de imunização prévia e compareceram espontaneamente aos postos de vacinação. Em 1909 o Instituto Soroterápico Nacional passou a se chamar Instituto Oswaldo Cruz (imagem) e em 1917, aos 44 anos, Oswaldo Cruz faleceu por insuficiência renal em Petrópolis (RJ) após ter abandonado o Instituto por motivos de saúde. 



Dentre as suas contribuições para a saúde no Brasil podemos destacar:

1. (1906) Criação de um código sanitário para portos marítimos e fluviais com regras internacionais.

2. (1908) Erradicação da Varíola, Peste Bubônica e Febre                 Amarela no Rio de Janeiro.

3. (1910) Combate à Febre Amarela na via-férrea Madeira-             Mamoré, no Amazonas.

4. (1912) Saneamento do vale amazônico com a colaboração de     Carlos Chagas.

Cabe ressaltar que as condições sanitárias nas grandes capitais antes de 1904 não eram atrativas para a vinda dos estrangeiros devido aos riscos que representavam para a saúde. Quando se iniciaram as campanhas de saneamento por Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro e em São Paulo por Emílio Ribas e Adolfo Lutz (estes um pouco antes em 1903), os índices de imigração sofreram uma alta considerável, convergindo com os interesses das elites oligárquicas que também ocupavam os principais cargos políticos no Brasil.

O Brasil da década de 1920 era uma jovem república abalada em sua principal indústria, a cafeeira, por conta das incertezas econômicas geradas por um mundo economicamente arruinado por guerras. O velho continente ainda tentava se recuperar dos imensos prejuízos acumulados pela primeira grande guerra mundial (1914 – 1918) diminuindo o consumo de produtos importados e aumentando a produção interna. Essas medidas afetaram em cheio o Brasil e os Estados Unidos. A falta de escoamento da superprodução americana levou ao aumento do desemprego e à hiper desvalorização da bolsa de Nova York em 1929, culminando com uma grande recessão no mundo capitalista da qual o Brasil não passou ileso.

Neste período, o Brasil iniciava a sua revolução industrial tardia e vivia as suas próprias contradições. Por um lado, tratava-se de um país atrasado, predominantemente rural, de tradição escravista e patriarcal. Por outro, os grandes centros urbanos como Rio de Janeiro e São Paulo, respiravam uma certa modernidade e se urbanizavam rapidamente acentuando seus contrastes sociais.

Na saúde predominava o pensamento sanitarista de Oswaldo Cruz com seu modelo de medicina preventiva e científica que aos poucos influenciava as escolas de medicina que ainda estavam na teoria dos miasmas. Nas artes, uma nova identidade nacional surgia a partir da semana de arte moderna de 1922. Na música, o grande maestro e compositor Heitor Villa-Lobos fundia o clássico com o folclore brasileiro de forma genial e internacionalmente reconhecida. Na literatura, o Movimento Modernista se apropriava de uma discurso realista da conjuntura brasileira a partir de uma produção politicamente engajada que trazia como principais características a valorização da cultura brasileira e sua fusão com estéticas estrangeiras. Dentre os muitos representantes destacam-se Rachel de Queiroz Carlos Drummond de Andrade.

Entre os opositores do Movimento Modernista estavam os defensores da eugenia, uma das principais ideologias raciais responsável pelas condições de abandono sanitário, cultural e humanitário as quais estavam submetidas a população brasileira de origem africana recém-libertada pela Lei Áurea em 13 de maio de 1888. Neste contexto surge a personagem estereótipo do brasileiro caipira chamado de Jeca Tatu, de Monteiro Lobato

Ou seja, o homem do campo eternamente doente, necessitado, sofrendo de preguiça crônica e fome. Esta condição espelhava a outra extremidade da realidade das políticas públicas em saúde que se limitavam aos centros urbanos de maior importância e mantinham o campo em total abandono.

Para as elites, a salvação do Brasil passava pelo “branqueamento” da raça. Era necessário trazer sangue “bom” dos imigrantes do norte. O branqueamento melhoraria a resistência às doenças aumentando a produtividade, diziam eles! Com este pensamento, os afrodescendentes recém-libertos foram abandonados pelas oligarquias e todo o esforço se voltou para o projeto eugênico, racista, não inclusivo, para trazer imigrantes – principalmente italianos – para o campo. Assim, o Brasil acumulava mais uma dívida com aqueles que de fato, e contra a própria vontade, haviam construído a Nação até aquele período: o povo brasileiro de origem africana!

Neste momento, já se podia dizer que havia no Brasil um Movimento Sanitário que se dividia entre ideias contraditórias quanto aos seus objetivos e crenças. Entretanto, uma linha de pensamento começava a sobressair:

O atraso brasileiro não era uma questão de raça, mas uma questão de doença.”

Não se tratava de um determinismo biológico, mas de uma reorientação quanto as ações de construção de uma nacionalidade que pudesse ser forjada a partir de um olhar das elites mais para o interior do país do que para o exterior, um olhar que fosse mais preocupado com as grandes endemias dos sertões. A lógica era simples: Doente = raça fraca = nação sem futuro (Santos, 1985).

O pensamento sanitário no Brasil fez com que, naquele momento histórico entre 1923 a 1927, o sanitarismo se convertesse no projeto médico-social brasileiro. O projeto baseava-se no que se denominou de campanhismo. O campanhismo era um modelo vinculado à indústria agroexportadora que requeria trabalhadores saudáveis e produtivos, além de portos e cidades saneadas para estimulação de comércio e imigração.

Portanto, das principais ações empregadas como medidas higienistas no início do século XX pode-se distinguir:

  • 1.    Campanhas sanitárias de combate a grandes epidemias                 como febre amarela, peste bubônica e varíola.
  • 2.    Implementação de programas de vacinação obrigatórios.
  • 3.    Desinfecção dos espaços públicos e domiciliares.
  • 4.    Medicalização do espaço urbano.

A República Velha marcou um ponto de inflexão no desenvolvimento das políticas públicas em saúde. Não podemos esquecer-nos da lei de assistência à saúde pela previdência social denominada Caixas de Aposentadoria e Pensão (Lei Eloy Chaves de 1923). Mas sobre isso falaremos no próximo capítulo. Até lá!


Na prática

Você deve estar se perguntando: Qual a utilidade de tantos conceitos? Imagine o quadro pandêmico ocorrido entre 2020 e 2022. Vivenciamos o medo de uma possível contaminação pelo coronavírus e por isso nos mantivemos em isolamento social o máximo possível. Quando precisávamos sair tínhamos que usar máscaras e mantermo-nos a uma distância segura dos outros. Observe que muitas pessoas ainda vivem no contexto miasmático ou sobrenatural, e negam os avanços científicos que permitem a identificação dos agentes causais das doenças e o desenvolvimento de vacinas.

A falta de compreensão sobre o método científico coloca o sujeito em um estado de negação e mistificação quanto aos fenômenos naturais, comprometendo medidas sanitárias capazes de conter a disseminação do vírus e o adoecimento das pessoas. O Brasil experimentou esta realidade no período de 2020 a 2022 durante o governo do Presidente Jair Bolsonaro, que promoveu campanhas públicas de desinformação sobre vacinação, isolamento social e uso de máscaras, levado a um negacionismo coletivo. O resultado deste comportamento foi a amplificação do número de mortos durante a pandemia: mais de 600 000 mortos em apenas um ano no Brasil. 


Resumo da Unidade 1

Nesta unidade, vimos que as condições de saúde no Brasil sempre estiveram alinhadas com o pensamento dominante de sua época. As medidas higienistas no Brasil Colônia seguiram os conceitos da teoria dos miasmas por não haver fundamentos científicos mais confiáveis naquele momento. Contudo, a ciência não é estática e se movimenta permanentemente. Na República Velha, as políticas de saúde se adequaram à vanguarda do pensamento europeu, passando a perceber a doença como resultado da interação com os microrganismos de acordo com a teoria unicausal. Seu maior representante foi o sanitarista Oswaldo Cruz que iniciou uma campanha de saneamento e de vacinação visando erradicar as grandes epidemias. Cabe destacar que as políticas econômicas nem sempre estiveram alinhadas com os avanços científicos – principalmente quando se tratava de produtividade. Assim, os trabalhadores eram tratados como componentes de uma engrenagem que não podia parar. O lado humano era esquecido.


Bibliografia

1. Nunes, E. D. Sobre a história da saúde pública: ideias e autores. Ciência e Saúde Coletiva. 5(2): 251-264, 2000. https://www.scielo.br/pdf/csc/v5n2/7095.pdf

2. Costa, M. C. L. Influências do discurso médico e do higienismo no ordenamento urbano. Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia. 9(11): 63-73, 2013. https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/anpege/article/viewFile/6492/3473

3. Dias, J. C. P. Cecílio Romaña. O sinal de Romaña e a doença de chagas. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 30 (5): 0-0, 1997. https://doi.org/10.1590/S0037-86821997000500012

4. Castro, F. S. & Landeira-Fernandez, J. Alma, mente e cérebro na pré-história e nas primeiras civilizações humanas. Psicologia: reflexão e crítica. 23 (1):141–152, 2010. https://doi.org/10.1590/S0102-79722010000100017

5. Katz, N. & Almeida, k. Esquistossomose, xistose, barriga d’agua. Ciência e Cultura. 55 (1):1-5, 2003.

6. Castro, S. L. A. O pensamento sanitarista na primeira república: Uma ideologia de construção da nacionalidade. Revista de Ciências Sociais. 28(2):123-210, 1985. Biblioteca Virtual em Saúde (bvsalud.org)

7. Madigan, M. T.; Martinko, J. M & Parker, J. Microbiologia de Brock – 10 ed. – São Paulo: Pearson, 2004.

Mídias

8. Como os Homo sapiens se espalharam pelo mundo. A dispersão do homem primitivo pelos continentes. Evolução e antropologia. https://www.youtube.com/watch?v=oBLYb636tFA

9. A revolta da vacina é uma história contada pela metadeCrítica sobre a ação higienista das brigadas de Oswaldo Cruz durante a campanha de vacinação em 1904https://www.youtube.com/watch?v=kEIFyVxpRSQ

10. Especial epidemias: Uma história das doenças e seu combate no Brasil. Palestra sobre as políticas públicas que ajudaram a erradicar algumas epidemias no Brasil. (https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-humanas/especial-epidemias-uma-historia-das-doencas-e-seu-combate-no-brasil/)

11. A História da capoeira. Eduardo Bueno. https://youtu.be/fAdeOPjprro


Políticas Públicas de Saúde (Capítulo 2/1): Identidade Nacional e Sanitarismo.

 http://microsintonias.blogspot.com


Prezado (a) amigo (a), se quiser utilizar o meu trabalho como referência para o seu trabalho, siga o modelo abaixo.

ROMANHA, Waldemiro de Souza. A Era Vargas. In: ROMANHA, Waldemiro de Souza. Políticas Públicas de Saúde. Rio de Janeiro: UVA, 2021. p. 38 – 44. E-book: ISBN 978-65-5700-108-0.   Disponível em: https://www.blogger.com/blog/post/edit/preview/8502128735235054609/1764432953092209679


Introdução


A construção de uma política de saúde pública no Brasil atravessou um ambiente histórico em que projetos de poder subjetivados por interesses distintos se movimentaram como peças em um jogo de interesses pouco republicano.

Sabe-se que o gerenciamento de políticas públicas de saúde ao nível das três esferas governamentais confere grande poder ao gestor público em função dos altos níveis orçamentários envolvidos, principalmente em um país de dimensões continentais como o Brasil. Neste âmbito, o direcionamento das abordagens em saúde alcança milhões de pessoas a um custo vultoso. Portanto, historicamente foi necessário construir uma política pública em que a saúde se convertesse em uma garantia constitucional, e, por isso mesmo, este processo ganhou relevância a partir da República Velha. As tomadas de decisões ocorridas durante o processo histórico dessa construção foram, em suas maiorias, eivadas de falhas, deixando um legado histórico de fragilidades que reflete, até os dias atuais, um sistema de saúde vulnerável a fraudes.


Identidade Nacional e Sanitarismo


                                                             A construção de um projeto de                                                         poder sem que a saúde esteja em                                                                     destaque como um marco                                                 governamental  estará fadado ao fracasso.


Durante o período colonial, o processo de consolidação do território brasileiro como uma unidade integrada e indissolúvel se deu a partir da construção de uma identidade nacional em que cada sujeito, de norte a sul, estivesse sob os mesmos estímulos legais e culturais. Foi por isso que no Brasil-colônia, a coroa portuguesa estimulou o comércio entre todas as capitanias hereditárias tornando-as inter-relacionadas e culturalmente identificadas. Este modelo foi complementado pela ação da igreja católica ao exercer controle sobre a vida cotidiana e política das comunidades a partir dos seus arcebispados e sob a tutela do império. Do arcebispado da Bahia saíam os comandos para os demais arcebispados, que se utilizavam das igrejas e paróquias espalhadas pelo Brasil para capilarizar modelos comportamentais reforçadores de laços culturais em todo o território nacional.

Festa do Divino (calendário cristão português) instituída
 no Brasil por Dom Pedro I.

Portanto, o Brasil, desde o período imperial até hoje, foi marcado por tentativas de se criar uma identidade nacional a partir de um comércio forte e uma igreja centralizadora, porém capilarizada. Qualquer movimento separatista era reprimido violentamente. A formação de uma identidade nacional consolidaria um modo de ser, uma forma de pensar e um comportamento padrão de fácil controle social. Estes foram os principais motivos que mantiveram o Estado brasileiro ”íntegro” e coeso, evitando seu esfacelamento em pequenas repúblicas como ocorreu na América Espanhola.

O movimento sanitarista brasileiro entendeu muito cedo que a saúde não podia ficar de fora desta construção e, aos poucos, percebeu que a consolidação de uma identidade nacional deveria passar por uma política pública de saúde que fosse intervencionista e que englobasse de forma coletiva os contingentes de brasileiros totalmente esquecidos pelo Estado nos mais profundos rincões do território nacional.

Para o insipiente pensamento sanitarista do início do século XX, a construção de uma identidade nacional deveria incorporar uma consciência sanitária a partir de políticas públicas de Educação em Saúde que fossem inseridas nos currículos escolares desde a alfabetização. Neste contexto, o sanitarismo passaria a ter um caráter político. Este pensamento empolgou o movimento sanitarista brasileiro motivando ações de campo voltadas para a conscientização das populações rurais (sanitarismo rural). Esta abordagem representou um corte no pensamento da medicina liberal que era voltada para uma assistência individual e curativa. O pensamento sanitarista era coletivo e voltado para ações profiláticas e preventivas. O auge deste pensamento se deu na década de 1920.

Neste período, as populações do interior do Brasil estavam sujeitas a um regime político denominado Coronelismo. Regime este em que os trabalhadores eram semi-escravizados por grandes latifundiários (coronéis). A saúde era secundária nesta conjuntura. O movimento sanitário brasileiro percebeu que era urgente uma intervenção governamental nestes territórios. Era necessário que o ideário sanitarista de Oswaldo Cruz chegasse à zona rural como uma forma de redenção nacional (CASTRO, 1985).

Se por um lado, uma parte do  pensamento sanitarista brasileiro caminhava para um contexto rudimentar de saúde coletiva a partir de ações intervencionistas no interior do país, por outro, vigorava um pensamento sanitarista distinto, de cunho urbano, sombreado por um sentimento proto-eugênico, altamente influencer, cujos interesses higienistas se utilizavam do conhecimento científico com propósito único de manter a ordem a partir da organização dos espaços públicos, visando à erradicação de epidemias para não comprometer as políticas de imigração do Brasil (sanitarismo urbano).

Enquanto isso, nas cidades, os trabalhadores das empresas e indústrias estavam alheios aos debates e pensamentos nacionalistas do movimento sanitarista. A realidade que se impunha à classe média trabalhadora era a ausência de direitos que ameaçava uma velhice tranquila, remunerada e com saúde. Em 1920 (que dirá antes disso) não havia plano de previdência ou qualquer outro direito trabalhista. Cabe lembrar que o Brasil estava em um período de rápida industrialização e acelerada urbanização. Portanto, a luta dos trabalhadores por direitos resultava em inúmeras paralisações e greves, principalmente no setor ferroviário que foi o pioneiro na politização das lutas de classe no Brasil. De um lado estavam os oligarcas donos dos meios de produção, europeizados e brancos, herdeiros seculares de terras, fábricas e prédios, cada vez mais ávidos por lucros. Do outro estavam os trabalhadores miscigenados, pobres e historicamente esquecidos pelo sistema que ainda respirava ares escravistas.

 

Não havia justiça para todos!

 

A forte agitação popular por direitos trabalhistas tais como: reajuste salarial periódico, adicional noturno, assistência médica, férias e aposentadoria, obrigou os políticos a reagir. Em 1923, o presidente Arthur Bernardes (1922 – 1926) assinou uma lei proposta e enviada pelo deputado federal Eloy Chaves que obrigava cada companhia ferroviária do país a criar Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) a partir de contribuições feitas por funcionários e patrões. A partir deste modelo de organização privada foi possível garantir uma série de benefícios a aposentados e pensionistas (Agência Senado, 2019). Estava criada a primeira estrutura previdenciária do Brasil que se espalhou pelas demais categorias trabalhistas. 

Imigração europeia em substituição à mão de obra especializada
de afro-brasileiros escravizados.

Enquanto nas cidades havia forte tensão entre trabalhadores, proprietários de indústrias e empresas privadas, na saúde pública o movimento sanitarista procurava se utilizar da máquina estatal para avançar para o interior do Brasil como uma forma de integração nacional e construção de uma identidade. Entretanto, o estabelecimento de uma associação entre saúde pública e o capitalismo crescente da jovem república brasileira só seria possível se houvesse convergência entre os interesses das oligarquias com os ideais nacionalistas dos sanitaristas. Portanto, grande parte do ideário sanitaristas só foi possível porque as oligarquias, detentoras dos grandes latifúndios e dos meios de produção, entenderam que o saneamento dos espaços públicos, portos e moradias consideradas insalubres, eram de vital importância para seus interesses estratégicos. Ou seja, estimular a imigração europeia visando substituir a mão de obra escravizada. Em fim, o velho protocolo eugênico de nação que grande parte das elites aspiravam.

Portanto, durante a República Velha haviam duas correntes principais de sanitarismo nacionalista. Estas visões ganharam forte impulso após o término da primeira guerra mundial (1914 -1918). A primeira corrente, de cunho urbano (sanitarismo urbano), estava alinhada ao movimento desenvolvimentista e higienista das grandes cidades, atribuindo grande valor à política de imigração de europeus brancos para o Brasil. A segunda tinha um olhar voltado para o interior (sanitarismo rural), principalmente para o povo miscigenado do sertão brasileiro, onde se acreditava estarem os verdadeiros valores nacionais que necessitavam de resgate.

A primeira visão era eugênica e creditava à miscigenação todos os males que tornava o brasileiro cronicamente doente. A solução estava na europeização do Brasil e consequente branqueamento da população “melhorando” o sangue e tornando-o mais resistente às doenças tropicais. Estávamos em plena era do “racismo científico”: um fundamento teórico e racional com força suficiente para conquistar mentes e corações daqueles que buscavam justificativas para cometer todo o tipo de violência contra a população de origem africana. Tal ideologia era inspirada no fascismo italiano de Mussolini (1922) que havia influenciado o Nazismo Alemão a partir de 1933 com a chegada de Hitler ao poder. No Brasil, encontrou forte apoio no infame partido de extrema direita, ultraconservador, de Plínio Salgado, chamado de integralista (Ação Integralista Brasileira – AIB).

ABI - partido de fascistas brasileiros.

O então chamado racismo científico contagiou um grupo enorme de profissionais da saúde pública que culpabilizava de forma contundente a herança africana pela “baixa” resistência dos brasileiros a doenças. 

A segunda corrente nacionalista estava relacionada com o pensamento sanitarista rural e incluía aqueles que viam no resgate do sertão e do sertanejo a tarefa de construção da nação. Para eles, era necessário valorizar a agricultura e o homem do campo. A busca de uma identidade nacional passava por um olhar mais atento para o interior, onde as raízes do Brasil eram profundas e a identidade já estava em processo de consolidação. Portanto, o saneamento rural era o principal objetivo desta corrente, pois já estava claro que a condição de vulnerabilidade do sertanejo era devida a doenças tropicais e não a um determinismo biológico geneticamente herdado. O homem do interior estava sujeito a uma série de perigos que o mantinha em constante risco de infecções devido ao estado de deficiência sanitária local. Neste momento o escritor Monteiro Lobato, criador, entre outros, do personagem Jeca Tatu e da obra O Sítio do Pica-Pau Amarelo, abdica de suas concepções racistas e abraça o sanitarismo rural como a principal questão nacional.


Continua...


Bibliografia

1. Castro, S. L. A. O pensamento sanitarista na primeira república: Uma ideologia de construção da nacionalidade. Revista de Ciências Sociais. 28(2):123-210, 1985. Biblioteca Virtual em Saúde (bvsalud.org)

2. Nunes, E. D. Sobre a história da saúde pública: ideias e autores. Ciência e Saúde Coletiva. 5(2): 251-264,  2000. https://www.scielo.br/pdf/csc/v5n2/7095.pdf

3. Junior, A. G. S. & Alves, C. A. Modelos Assistenciais em Saúde: desafios e perspectivas. In: Marosini M. V. G. C. & Corbo, A. D. Educação Profissional e Docência em Saúde: a formação e o trabalho do agente comunitário de saúde. Rio de Janeiro (RJ): FIOCRUZ; 2011.

4. Paim, J.; Travassos, C.; Almeida, C.; Bahia, L.; Macinko, J. O Sistema de Saúde Brasileiro: história, avanços e desafios. The Lancet. 6735(11): 60054-8, 2011.

5. Aguiar, Z. N. Antecedentes históricos do Sistema Único de Saúde (SUS): breve história da política de saúde no Brasil. In: Aguiar, Z. N. SUS Sistema Único de Saúde: antecedentes, percurso, perspectivas e desafios. São Paulo (SP): Martinari, 2011.

6. Cohn, A. O estudo das políticas de saúde: implicações e fatos. In: Campos, W. G. S.; et. alTratado de saúde coletiva. São Paulo (SP): Hucitec, 2006.

 

Midiateca

Mídia 1

Guerras no Brasil: A Revolução de 1930.

Descrição:

Contextualização histórica do Brasil pré e pós-revolução de 30.

Fonte:

https://www.youtube.com/watch?v=cH5HPE11qg4

 

Mídia 2

Lei Eloy Chaves: Cria as Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs)

Descrição:

Palestra sobre as CAPs instituída pela Lei Eloy Chaves. Primeiro ato de previdência social no Brasil.

Fonte:

https://www.youtube.com/watch?v=5BRa1GvlSqM

 

Mídia 3

Políticas públicas de saúde: Sistema Único de Saúde

Descrição:

Linha do tempo dinâmica com todas as políticas públicas de saúde desde 1923 até 2006.

Fonte:

https://www.unasus.unifesp.br/biblioteca_virtual/esf/2/unidades_conteudos/unidade04/p_01.htm#sample2

 
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