A vida surgiu de um pequeno sistema singular adaptativo e cheio de potencial transformador, dotado de complexidade suficiente para se replicar em novas formas replicantes. Um sistema capaz de gerar toda a diversidade biológica encontrada hoje e com plasticidade suficiente para se diferenciar nos mais diversos tipos de tecidos componentes dos vertebrados ditos superiores: A célula. Surgida provavelmente há mais de três bilhões de anos em ambientes lamacentos ou mares rasos e quentes do Pré-cambriano, ali viveu e evoluiu por milhões de anos tal qual vivem e evoluem muitos organismos unicelulares como bactérias e protozoários que são encontrados até hoje nas bordas das lagoas poluídas como as de Araruama em Cabo Frio RJ, e tantas outras por esse Brasil afora.
Desde o advento da vida, tudo mais foi encontro e mudança. Pude promover um desses encontros entre alunos universitários e microrganismos planctônicos em laboratório. Foi simples: a partir de uma rápida ida ao campo, o material foi coletado, preparado e exposto em sistema fechado de vídeo-microscopia. Bastou apenas um fragmento de ecossistema encontrado em uma gota de água poluída cuidadosamente coletada para que a natureza se expressasse com todas as suas cores e diversidade biológica bem na nossa frente. A diversidade biológica estampada em alguns monitores de televisão e o espanto da espécie dominante frente ao inimaginável. Um encontro transformador com força suficiente para mudar perspectivas e alterar caminhos daqueles que curtem a natureza.
Sem misticismo, a ciência nos leva a uma reflexão sobre a origem comum dos seres e nos coloca na dimensão da matéria como qualquer outro ser vivo. Ou seja, os organismos coevoluem vivendo juntos na natureza e se diversificam a partir dos encontros quer sejam sexuais, cognitivos, parasitários ou simbiônticos, gerando a enorme diversidade biológica observada. Essa diversidade é dependente do ambiente e por isso mesmo se apresenta diferente em cada diferente local.
Isso me fez lembrar de um dos meus grandes momentos na Biologia. Foi em 1981, aos 15 anos de idade, dentro de uma sala de aula de ensino fundamental e público, estudando a diversidade da fauna marinha apresentada sobre a bancada do laboratório de biologia pela professora de ciências. Era a primeira vez que, hipnotizado, eu observava a complexidade dos tentáculos de uma lula, a disposição das escamas das diversas espécies de peixes e o admirável exoesqueleto dos crustáceos marinhos. Isso foi em Resende - RJ.
Antes disso, minha experiência no campo da biologia era totalmente empírica baseada em aventuras vividas em Brasília na minha pré-adolescência. Naquele ambiente de cerrado, experimentei acampamentos, pescarias e trilhas onde era possível ver, livres na natureza, animais silvestres como: emas, tatus e até mesmo lobos Guará, entre muitos outros tipos de animais vertebrados terrestres e aquáticos. Infelizmente, nunca tive a sorte de encontrar uma onça-pintada, vista ainda em quantidade significativa nas zonas menos povoadas, como no Parque Nacional da Chapada dos Viadeiros.
Quando me mudei para o Sul do Estado do Rio de Janeiro, me surpreendi com aquele novo encontro. Fiquei emocionado ao ver pela primeira vez no Município de Itatiaia, bem na divisa com o Estado de São Paulo, o Maciço de Itatiaia, uma enorme rocha cujo ponto mais alto é chamado de Pico das Agulhas Negras.
Quando me mudei para o Sul do Estado do Rio de Janeiro, me surpreendi com aquele novo encontro. Fiquei emocionado ao ver pela primeira vez no Município de Itatiaia, bem na divisa com o Estado de São Paulo, o Maciço de Itatiaia, uma enorme rocha cujo ponto mais alto é chamado de Pico das Agulhas Negras.
Era o máximo do contraste entre dois ecossistemas. De um lado o cerrado de Brasília, o segundo maior bioma do Brasil, com suas árvores retorcidas, estações seca e chuvosa bem definidas (clima tropical semi-úmido) e uma "umidade relativa do ar" as vezes abaixo de 25%, com sol escaldante de dia e “muito” frio durante a noite. Por outro lado, a umidade chuvosa de Resende, cidade encravada em uma imensa bacia sedimentar e cortada por um Rio magnífico chamado de Paraíba do Sul que, com seus braços, hidratam imensos vales onde se desenvolve e evolui uma rica e diversa fauna e flora típicas de Mata Atlântica. Seus vales e florestas formados a partir de levantamentos rochosos como os da Serra da Mantiqueira estão hoje protegidos pelo Parque Nacional de Itatiaia, o primeiro do Brasil, com latitudes que variam de 580 a 2.787 metros.
Uma vez fazendo uma escalada pelas muitas vias do Itatiaia, fui apresentado por um amigo estudante de biologia a um líquen, forma de vida extremamente curiosa, constituída pela simbiose entre fungos e algas e capaz de se adaptar a regiões inóspitas do tipo “costão rochoso”, tal qual aquele em que estávamos pendurados apenas por um cabo. Ali, ele me explicou que as algas eram as responsáveis pela fotossíntese no sistema simbiôntico, sem a qual não poderiam sobreviver como líquen. Fiquei sabendo que os liquens faziam parte do ecossistema e que sua conservação era importante para a conservação de todo o sistema. Comecei a entender que os sistemas estavam todos inter-relacionados, desde as formas mais simples até as mais complexas.
Um bom exemplo de inter-relação são as formigas nos parques de Moscou, Rússia. Lá, em 2006, descobriu-se uma relação entre o adoecimento das árvores e o desaparecimento de um determinado tipo de formiga dominante daquele lugar. O motivo era relativamente simples. O suprimento de alimento das formigas estava diminuindo devido ao trabalho da limpeza feito pela prefeitura, causando impacto sobre as mesmas. Sabe-se que algumas espécies de formigas são úteis aos ecossistemas por predarem parasitos de plantas, como no caso das formigas Russas. Além disso, com a diminuição da população de formigas, houve um aumento na população de lagartos, outro tipo de alimento dessas formigas. Assim, sem o controle da população de lagartos, a taxa de natalidade aumentou vertiginosamente e as copas dos carvalhos, alamos, tílias e bétulas foram devoradas, contribuindo para a morte da floresta. Considerando que cada formigueiro com um milhão de indivíduos (número limite) é capaz de manter uma área de 10 mil metros quadrados livre de pragas, a conservação das formigas é vital para qualquer parque ou floresta (ANSA 10/10/2006 11:58)
Este e outros exemplos mostram que o equilíbrio dos sistemas biológicos depende das relações entre as diferentes espécies. Alterações em algum nível pode repercutir desequilíbrios de amplo espectro. Entretanto, todos os seres vivos ou mesmo ecossistemas inteiros sofrem alterações ao longo do tempo, quer sejam por interferência humana ou da própria dinâmica natural. Algumas alterações são positivas e permitem que os seres saltem para novos estados de maturidade com o próprio meio. Outras podem levar ao desaparecimento de todo um ecossistema. Assim, as coisas existem em equilíbrio dinâmico, modificando-se a partir das interações entre si ao longo do tempo. Quer seja um líquen, um passarinho, seres humanos ou uma floresta, todos passam por um estado embrionário, amadurecem e se transformam ao longo dos seus encontros ou interações naturais. Eu mesmo mudei desde o tempo em que, pendurado em uma rocha do maciço de Itatiaia, tive um encontro com um líquen.
Abraços e até breve.
Abraços e até breve.
ótimo artigo.
ResponderExcluirbeijão
Waldemiro
ResponderExcluirObrigada pela visita ao blogue Sustentabilidade É Acção.
Gostei imenso deste seu "Adaptações". Sou uma ignorante mas curiosa da biologia, sobretudo na parte da sua evolução e da ecologia. Por isso, voltarei mais vezes.
Parabéns e um abraço
Cara, como é manero ler o que você escreve!
ResponderExcluirParece simples, parece óbvio...
Não fique muito tempo sem postar mano.
Grande abraço de seu irmão!!!!!
Não é nenhuma novidade o que vou dizer. É basicamente tudo isso que as pessoas acham dos seus textos. Se o seu objetivo é atingir um público que pouco entende desses segmentos, você já encontrou o ritmo.
ResponderExcluirSeus textos são reais!
Aconselho a postar mais vezes, como disse o Wagner Romanha.
Parabéns!!!
Um grande abraço
Roberta
caro miro, sou eu, paulo roberto de cabo frio. nossa conversa de ontem me deixou pensando. entrei no seu blog na parte dos fractais e comecei a me dar conta de como a geometria, desde os gregos, serviu de modelo para representar a natureza. as geometrias não euclidianas desenvolvidas no século XIX a partir de lobatchesky e bolyay mostraram os limites deste tipo de representação. no entanto, fica a reflexão: em que medida a geometria fractal além de se paresentar como uma inovação, evidenciando a não linearidade da maiorias dos fenômenos naturais ( e talvez também, sociais´) pode ser compreendiada como a continuidade de uma longuíssima tradição inaugurada já na grécia classica. um abraço, paulo roberto
ResponderExcluirPuxa!! como é bom ler sobre vida !
ResponderExcluirParabéns pelo texto, muito claro para leigas como eu, e pretendo voltar com mais calma para ler muitas coisas interessantes.
Abraços
Márcia Silva
Estou curiosa para ler o próximo artigo!
ResponderExcluirAté dia 31 não percam a exposição “Evolução e Natureza Tropical" no Museu da Vida.
http://www.museudavida.fiocruz.br
Oi Marcia, obrigado pelas palavras. O próximos texto virá em breve. Abraço.
ResponderExcluirOi Mariana,
ResponderExcluirCertamente isso deve ser coisa da Luisa Massarani. Estarei lá. Sucesso. Grande beijo para vocês
Adaptações: Introdução à complexidade.
ResponderExcluirComo citado pelo professor Waldomiro, a ciência nos leva a uma reflexão sobre a origem comum dos seres vivos. Todos os seres vivos podem ser interpretados como sistemas biológicos. Existem, de fato, algumas particularidades dos Sistemas Biológicos, quando comparados com outros tipos de sistemas físicos ou químicos. Os sistemas biológicos diferem dos demais pela capacidade de auto-replicação.
Essa replicação nada mais é do que a capacidade de produzir cópias de si mesmo. Tais cópias são chamadas de descendentes e os originais são denominados ancestrais. Esse elo de parentesco que
liga o ancestral a seus descendentes define as chamadas linhagens ancestral-descendente. Portanto, uma espécie ancestral, ou uma linhagem ancestral, dá origem a várias espécies descendentes.
Os sistemas biológicos também são caracterizados por serem semi-abertos e promoverem a troca de energia e matéria com o ambiente. Dessa forma, o sistema garante os recursos necessários ao
seu desenvolvimento. Dentre esses recursos está incluído o da auto-replicação, que irá promover a própria imortalização do sistema. Professor, o blog está de parabéns. Muito rico nos detalhes das informações. Um grande abraço, Jairo