sábado, 6 de janeiro de 2024

Capítulo 3/2: A Reforma do Ministério da Educação e Saúde Pública.


A Reforma do Ministério da Educação e Saúde

Pública.


Prezado (a) amigo (a), se quiser utilizar o meu trabalho como referência para o seu trabalho, siga o modelo abaixo.

ROMANHA, Waldemiro de Souza. A Reforma do Ministério da Educação e Saúde Pública. In: ROMANHA, Waldemiro de Souza. Políticas Públicas de Saúde. Rio de Janeiro: UVA, 2021. p. 45 – 60. Disponível em:


governo provisório (1930-1934) correspondeu a um período em que Getúlio Vargas governou o Brasil após a Revolução” de 1930. O jogo rasteiro da época fez com que uma classe de oligarcas, apoiada por militares, contestasse o predomínio político e econômico dos produtores rurais que se revezavam no poder as custas de muita propina e negociata. Como resultado veio o golpe militar.

Neste período, como já sabemos, o processo de institucionalização da saúde se bifurcou e deu origem a duas instâncias políticas distintas que dividiam as ações de saúde. A primeira instância foi o Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP) que controlava as ações de saúde pública voltadas para as campanhas de saneamento. A segunda instância foi o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC), que fazia a gestão da medicina assistencialista no âmbito dos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs). 

É importante que tenhamos de forma bem assertiva este aspecto estrutural das políticas de saúde, pois apesar das aparências não era aleatório. Havia uma estratégia na consolidação desta dualidade para que se concretizassem as aspirações getulistas de se construir um Estado forte e centralizado. O sucesso de tais objetivos dependia da construção de um aparato que conjugasse a ação governamental nas esferas Federal, Estadual e Municipal. Portanto, a criação do MESP era a resposta a estas aspirações. 

Foi assim que o Governo Vargas se estruturou como um Estado Nacional, centralizador e intervencionista, capaz de responder com políticas sociais aos conflitos urbanos e rurais por meio do MTIC e do MESP. Nestes contextos, eram definidas ações prioritárias de combate a doenças em diferentes regiões, requerendo a formação de profissionais especializados que garantissem a capilarização do poder estatal por meio de novas campanhas sanitárias. O viés centralizador do Estado visava o aprofundamento dos processos de expansão dos aparelhos estatais para que assumissem cada vez mais o controle das políticas públicas em todo o território nacional de forma unificada. 

O governo provisório chegou ao fim com a promulgação da Constituição de 1934 que instituiu:     

  • O voto secreto;
  • O voto feminino;
  • As leis trabalhistas.

Com o fim do governo provisório, começou o governo constitucional (1934 – 1937) em que Vargas foi eleito indiretamente para a presidência do Brasil. Entretanto, em 1937, no último ano do governo constitucional, sob o pretexto de uma suposta ameaça comunista, Getúlio Vargas decretou estado de guerra e fechou o congresso brasileiro. Este novo golpe de estado deu início ao Estado Novo que durou oito anos (1937 – 1945).

 E assim, de golpe em golpe, a nossa história foi se configurando.

Em 1937, após intensa reestruturação, o MESP passou a ser chamado de Ministério da Educação e Saúde (MES). Seu ministro Gustavo Capanema e seu diretor João de Barros Barreto empreenderam uma reforma administrativa que normatizou as ações de saúde em nível nacional, para que os Estados seguissem os mesmos regulamentos da União.

Gustavo Capanema

Portanto, a partir de 1937 o modelo enfraquecido do sanitarismo campanhista ficou sob a gestão do Ministério da Educação e Saúde, cuja função era controlar, a partir de medidas intervencionistas, as ações de saúde pública no Brasil. A estrutura do MES era constituída pelo Departamento Nacional de Educação (DNE) e pelo Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP).

Neste período foram criados:

1. Os Serviços Nacionais de Febre Amarela, Hanseníase e Câncer,          entre outros;

2. O Serviço de Malária do Nordeste;

3. A Fundação Serviço Especial de Saúde Pública (SESP).

A política de saúde do Ministério Capanema foi um dos pilares que direcionou os ideais sanitaristas a uma concepção de saúde como um direito universal. Durante todo o período varguista, os sanitaristas lutaram por um serviço de saúde que fosse abrangente e destinado a toda a população. Entretanto, em termos práticos, este objetivo jamais foi alcançado, a não ser com a criação do SUS muitas décadas depois. 

Em 1941 ocorreu a primeira conferência Nacional de Saúde no Rio de Janeiro (Castro & Faria, 1999), e desde então se constituiu em um fórum nacional onde os debates sobre políticas públicas de saúde foram sendo aprimoradas.

Coube a Capanema e a João de Barros Barreto o mérito pela consolidação da estrutura administrativa da saúde pública durante o Estado Novo. A grande reforma sofrida pelo MESP que culminou com a criação do MES consolidou uma política de saúde que durou até a criação do Ministério da Saúde (MS) em 1953, uma antiga aspiração dos sanitaristas. A principal característica do MES foi o estabelecimento de quatro eixos orientadores: a educação, a saúde pública, a assistência social e a cultura.

Na saúde pública foram criadas as Delegacias Federais de Saúde, as Conferências Nacionais de Saúde e os Serviços Nacionais de Saúde.

1.    Delegacias Federais de Saúde – DFS

As Delegacias Federais de Saúde foram instaladas em oito diferentes regiões do território nacional sendo elas: Rio de Janeiro, Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte. Desta maneira, o Estado ampliou a sua presença controlando as ações de saúde pública nos Estados e Municípios.

2.    Conferências Nacionais de Saúde – CNS

As Conferências Nacionais de Saúde se constituíram em fóruns nacionais de caráter oficial que reuniam delegações de todos os estados para debater temas de saúde pública com base na conjuntura política da época, e definir os rumos a serem tomados. 

Segundo Capanema, as CNS eram:

“(...) conferências de administradores com objetivo de estudar e assentar providências de ordem administrativa, e coordenar a execução dos planos nacionais estabelecidos.”

Durante toda a década de 1940, os sanitaristas aspiraram pela criação de um Ministério que fosse exclusivamente da saúde. A primeira conferência nacional ocorreu em 1941 e expressou a influência do ideário sanitarista representado por expoentes como Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Artur Neiva e Belisário Pena que ainda eram lendários no imaginário sanitarista.

Dentre as principais proposições aprovadas em 1941, destacam-se:

·  A centralização da função administrativa e das ações de saúde pública nas mãos do MES.

· A manutenção da possibilidade de acordos entre Estados e Governo Federal sobre projetos de saúde.

 

3.    Serviços Nacionais de Saúde – SNS

Os Serviços Nacionais de Saúde foram criados para reorganizar o Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP). Assim, as ações de combate às doenças infectocontagiosas passaram a ter absoluta prioridade através de programas que atingiriam a totalidade da comunidade nacional. Do ponto de vista estrutural, cada SNS supervisionaria uma determinada área do território nacional através de um diretor específico. Os SNS aturariam, em conjunto com as DFS e os governos locais, para debelar surtos epidêmicos e estabelecer métodos de controle e prevenção. Dessa maneira, o governo federal aumentaria sua presença no interior do país conjugando centralização política com descentralização administrativa (Hamilton & Fonseca, 2003).

Durante o período que durou o Estado Novo, além de todos os avanços no campo da saúde pública, também se consolidaram a justiça do trabalho e as leis trabalhistas (CLT).

Em 1941, em plena segunda guerra mundial, o Brasil sofreu intensa pressão dos Estados Unidos para sair da neutralidade e apoiar os Países Aliados contra a Alemanha Nazista e os demais países do eixo (Itália e Japão). Isto incluía ameaça de invasão territorial caso o Brasil não concordasse. Por mais estranho que fosse, havia uma real possibilidade de o Brasil romper a sua neutralidade e apoiar os nazistas, visto que a ditadura de Vargas tinha um caráter fascista. Tanto que o General Góis Monteiro, que sempre esteve no governo Vargas, era a favor de declarar guerra aos ingleses.

Entretanto, na impossibilidade de viabilizar tal intento, Getúlio Vargas aproveitou para barganhar com o governo estadunidense e obter financiamento para a construção da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que supriu os aliados do aço necessário para a indústria bélica norte-americana (fig. 2). Com a derrota dos nazifascistas na Europa, a ditadura de Vargas perdeu apoio, e em 1945 Vargas foi destituído do poder pelo General Góis Monteiro. No mesmo ano, novas eleições ocorreram e o General Eurico Gaspar Dutra subiu ao poder. E assim terminou o Estado Novo.

Fig. 2. Companhia Siderúrgica Nacional (CSN)


Continua...


Referências

1. CASTRO-SANTOS, Luíz Antonio; FARIA, Luíz. Os primeiros centros de saúde nos Estados Unidos e no Brasil: um estudo comparativo. Teoria e Pesquisa. Rio de Janeiro: v. 40, n. 41, p. 137-181, 2002.

Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_nlinks&ref=000037&pid=S0102-311X200900090002300006&lng=en. Acesso em: 20 de fev. 2021. 

2. JUNIOR, Aluisio Gomes da Silva; ALVES, Carla Almeida. Modelos Assistenciais em Saúde: desafios e perspectivas. In: MAROSINI, Marcia Valéria; CORBO, Anamaria D’Andrea (org.). Modelo de atenção e a saúde da família. Rio de Janeiro: FIOCRUZ. 2007. p. 1– 5. Disponível em: https://app.uff.br/riuff/bitstream/1/8459/1/modelosassistenciaisemsa%C3%Bade.pdf. Acesso em: 20 de fev. 2021. 

3. ESCOREL, Sarah. As Origens do Movimento Sanitário. In: ESCOREL, Sarah. Reviravolta na saúde: origem e articulação do movimento sanitário. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1999. p. 19-51. Disponível em: https://static.scielo.org/scielobooks/qxhc3/pdf/escorel-9788575413616.pdf. Acesso em: 20 de fev. 2021.

4. PAIM, Jairnilson; TRAVASSOS, Claudia; ALMEIDA, Celia.; BAHIA, Ligia; MACINKO, James. O Sistema de Saúde Brasileiro: história, avanços e desafios. Salvador: The lancet. v. 6735, n. 11, p. 60054-60058, 2011. Disponível em: https://actbr.org.br/uploads/arquivo/925_brazil1.pdf, Acesso em: 20 de fev. 2021. 

5. HAMILTON, Wanda; FONSECA, Cristina. Política, atores e interesses no processo de mudança institucional: a criação do Ministério da Saúde em 1953. Rio de Janeiro (RJ): Hist. cienc. saude-Manguinhos. v. 10, n. 3, p. 791-825, 2003. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702003000300002&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 20 de fev. 2021.

6. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro (RJ). Paz & Terra, 1968. Disponível em: https://cpers.com.br/wp-content/uploads/2019/10/Pedagogia-do-Oprimido-Paulo-Freire.pdf. Acesso em: 20 de fev. 2021.

7. AGUIAR, Zenaide Neto. SUS. Sistema Único de Saúde: antecedentes, percurso, perspectivas e desafios. São Paulo: Martinare, 2011. Disponível em: Biblioteca Pearson. Acesso em: 20 de fev. 2021.

8CORDOBA, Elisabete. SUS e ESF: Sistema Único de Saúde e Estratégia Saúde da Família. São Paulo: RIDEEL, 2013. Disponível em: Biblioteca Pearson. Acesso em: 20 de fev. 2021.

9. BUSATO, Ivana Maria Saes; GARCIA, Lavana de França; GARCIA, Izabelle Crstina. SUS: estrutura organizacional, controle, avaliação e regulação. Curitiba: Intersaberes, 2019. Disponível em: Biblioteca Pearson. Acesso em: 20 de fev. 2021.

10. PONTE, Carlos Fidelis; FALLEIROS, Ialê. Na corda bamba de sombrinha: a saúde no fio da história. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2010. Disponível em:  https://www.epsjv.fiocruz.br/publicacao/livro/na-corda-bamba-de-sombrinha-a-saude-no-fio-da-historia?fbclid=IwAR27drgpe3QCLjst9GT1a_Xn-MEscaNoGmLJOW70o2--zuVzte1mJFTsyY0

Midiateca

Mídia 1

Era Vargas: o Estado Novo (1937-1945) 

Descrição/Sinopse da mídia:

Características gerais do período chamado de Estado Novo. 

Fonte da mídia:

https://www.youtube.com/watch?v=Gxrh6YoMT50.

 

Mídia 2

Questões políticas do segundo governo Vargas contribuíram para a criação do MS, há 60 anos. 

Descrição/Sinopse da mídia:

A criação do Ministério da Saúde em 1953. 

Fonte da mídia:

https://agencia.fiocruz.br/quest%C3%B5es-pol%C3%Adticas-do-segundo-governo-vargas-contribu%C3%Adram-para-cria%C3%A7%C3%A3o-do-ms-h%C3%A1-60-anos. 

 

Mídia 3 

O golpe de 1964. 

Descrição/Sinopse da mídia:

Reportagem sobre a ditadura militar, suas causas e consequências. 

Fonte da mídia:

https://www.youtube.com/watch?v=VZBgoV9HFFs.


Capítulo 3/3: A Criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS)


A Criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS)

Prezado (a) amigo (a), se quiser utilizar o meu trabalho como referência para o seu trabalho, siga o modelo abaixo.

ROMANHA, Waldemiro de Souza. A Criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). In: ROMANHA, Waldemiro de Souza. Políticas Públicas de Saúde. Rio de Janeiro: UVA, 2021. p. 45 – 60.  Disponível em: 

 

A partir da proclamação da república (1889), as políticas públicas de saúde no Brasil adquiriram uma dinâmica acelerada de transformações que culminaram em um modelo hegemônico mesmo após o fim da Era Vargas. A medicina científica ou biomedicina ainda era o modelo predominante após o suicídio de Vargas em 1954 – suicídio este motivado por um novo golpe de estado. O modelo médico de assistência era voltado exclusivamente para os aspectos individuais e biológicos, formatado em uma matriz hospitalocêntrica e progressivamente dependente de tecnologias de alto custo. Esta matriz serviu também como molde para a organização de hospitais estaduais e universidades. Os IAPs se expandiram agregando novas categorias profissionais que dispunham de uma rede de ambulatórios e hospitais, por instituto, voltada para a recuperação dos trabalhadores (e dependentes) e sua força de trabalho.

Em relação às políticas verticalizadas do Ministério da Educação e Saúde (MES), ocorreram novos investimentos em centros e postos de saúde ampliando ainda mais a presença estatal no território nacional (Junior & Alves, 2007).

Apesar do avanço das políticas públicas de saúde representadas pelos MES e MTIC, o perfil epidemiológico do Brasil na década de 1950 ainda era caracterizado pelo predomínio de doenças típicas da pobreza ou Doença Infecciosas da Pobreza (DIP), tais como malária, cólera, sarampo, difteria, entre outras, causadas pela fome, desnutrição infantil, água poluída, redes de saneamento praticamente inexistentes, e todo o tipo de iniquidade produzida por um Estado injusto e preocupado quase que unicamente com o desvio de verbas e ganhos de capitais para uma oligarquia centenária e de mentalidade escravista que se perpetuava no poder.

Por outro lado, apesar da extrema miséria e da inercia do governo em apresentar soluções definitivas, o Brasil começava a sofrer com o aparecimento progressivo de doenças relacionadas à modernidade. A industrialização tardia, porém vigorosa, impulsionada pela CSN após a guerra, trouxe consigo um conjunto de patologias até então pouco percebidas tais como a enxaqueca, transtornos cardíacos, obesidade, insônia, dores articulares, distúrbios endócrinos e muito mais. Eram as doenças da modernidade.

 AMPLIANDO O FOCO

Cabe ressaltar que o quadro de decadência da saúde e a desmobilização do movimento sanitarista estão atrelados com o modelo econômico vigente que regulava as relações econômicas entre o Brasil e os países centrais. O Brasil vinha acumulando uma grande dívida com a Inglaterra desde o período colonial. Após a segunda guerra mundial, esta relação se alterou a partir do financiamento da CSN pelos Estados Unidos por 20 milhões de dólares. Tais países lucravam com os juros abusivos que eram pagos de forma submissa e sem questionamentos. O alto endividamento, o subfinanciamento da saúde e o descaso das oligarquias se constituíram em fatores determinantes para a deterioração da saúde pública no Brasil.

Em 1953 foi criado o Ministério da Saúde (Lei nº 1.920) a partir do desmembramento do então Ministério da Educação e Saúde em dois ministérios: Saúde (MS) e Educação e Cultura (MEC). A criação do MS era uma antiga reivindicação dos sanitaristas que precedia a Primeira Conferência Nacional de Saúde (1941).

Basicamente, o novo MS passou a executar as atividades do Departamento Nacional de saúde Pública (DNSP). O MS fazia parte de um grande projeto nacional do qual também incluía a criação da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), ambos assinados pelo então presidente Getúlio Vargas, agora eleito por um processo democrático, um ano antes do seu suicídio. Do ponto de vista estrutural não houve mudança significativa. Na prática, os sanitaristas sequer participavam da escolha do novo ministro, evidenciando um caráter muito mais político/partidário do que um alinhamento ideológico do presidente com as questões reais do sanitarismo nacional (Hamiltom & Fonseca, 2003).

 AMPLIANDO O FOCO

Na década de 1960, o Brasil sofreu grandes mudanças. A capital da república havia sido transferida para Brasília, uma cidade projetada por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer e recentemente inaugurada pelo então presidente da república Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956 -1961). A nova cidade também era denominada A Capital da Esperança, símbolo de modernização e integração nacional. Entretanto, o endividamento advindo de sua construção acentuou as desigualdades sociais e favoreceu a formação de novos latifúndios, além de ampliar a dívida externa brasileira.

A industrialização do Brasil tomou grande impulso a partir de 1945, significando um aumento progressivo da demanda por atenção à saúde em todos os IAPs, e levando a uma ampliação da rede de serviços de saúde previdenciária. Como resposta, em 1960, o poder público uniformizou os serviços de saúde a que todos os segurados tinham direito, independente do instituto a que estivessem filiados, a partir da promulgação da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS). Entretanto, a uniformização dos benefícios não foi seguida pela unificação dos IAPs e nem pela universalização da atenção à saúde. Como consequência, o processo de prestação de serviços se tornou um tanto quanto irracional, ao mesmo tempo em que a população não previdenciária permanecia sem direitos de assistência médica.

Com a instauração da ditadura militar em 1964 por meio de um golpe de Estado contra o presidente João Goulart, ocorreram novas mudanças na saúde com favorecimento claro da medicina liberal privada. Em 1966, os IAPs foram unificados no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Entretanto, o INPS manteve o foco na assistência à saúde individual, expandindo o modelo biomédico de atendimento a partir do financiamento direto e compras de serviços para os hospitais privados. Com estes incentivos, o setor privado de clínicas, hospitais, equipamentos e medicamentos, experimentou um grande crescimento sem que para isso houvesse uma melhora significativa na assistência à saúde (Junior & Alves, 2007). 

Neste período, o Brasil experimentou uma política claramente privatista dos serviços de saúde. O caráter promíscuo da parceria público/privada evidenciou sua iniquidade diante da impossibilidade de gerir os processos obscuros que se davam por detrás de tantos incentivos. Cada paciente era um “cheque em branco” uma vez que a previdência era obrigada a pagar as faturas que chegavam oriundas dos “tratamentos” realizados. Afinal, quem discutiria se o paciente precisava ou não de Raio-X, de cirurgia, de três ou dez consultas etc.? Sem falar que os custos do sistema aumentavam progressivamente, e a forma de compra de serviços, chamada de Unidades de Serviço (US), que em geral valorizava os procedimentos mais especializados e sofisticados, era suscetível a fraudes. Assim, a capacidade gestora do sistema foi erodida por dentro, reforçando a sua irracionalidade. 

O Brasil vivia o auge da medicina curativa. A política de saúde hegemônica era a da mercantilização da medicina sob o comando da Previdência Social. Em 1974 foi criado o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), desmembrado do Ministério do Trabalho e Previdência Social. Logo de início ficou clara a preponderância do novo ministério sobre o Ministério da Saúde. O MPAS era o segundo maior orçamento da União, apenas superado pelo da própria União. O movimento sanitário acolhido no Ministério da Saúde era contra-hegemônico e aspirava a transformação do sistema vigente que, como sabemos, era caracterizado pela dicotomia das ações de saúde pelas estatais. Dentre suas principais distorções, destacava-se a corrupção normatizada pela forma de pagamento conhecida como Unidade de Serviço (US) (Escorel, 1999). 

Este quadro se manteve parcialmente inalterado até 1975. Posteriormente foi instituído o Sistema Nacional de Saúde (SNS) pela Lei nº 6.229, de julho de 1975, visando superar a descoordenação imperante no campo das ações de saúde. Infelizmente, o SNS não foi capaz de fazer frente aos problemas apontados devido a sua restrição burocrática desprovida de real poder disciplinar. Finalmente, em 1977 foi criado o Sistema Nacional de Assistência e Previdência Social (SINPAS), e dentro dele o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). A criação do INAMPS surgiu em função das dificuldades de reduzir os custos da atenção médica, em face do modelo privatista e curativo vigente. 

O projeto autárquico consistia em:

  • Utilizar o SNS para articular as ações de saúde entre si.
  • Coordenar, através do SINPAS, o conjunto das políticas de proteção social, e articular tais políticas com o SNS. 

Esperava-se que o INAMPS, sendo uma autarquia vinculada aos dois sistemas, atuasse como braço assistencial do SNS e como braço da saúde do sistema de proteção social. A mesma lei que instituiu o SNS, também atribuiu ao Ministério da Saúde a responsabilidade de formulação de políticas em saúde e execução das ações de interesse coletivo, e ao SINPAS, através do INAMPS, as ações médico assistenciais individualizadas. Ou seja, do ponto de vista estrutural não havia ocorrido grandes mudanças. Em termos práticos, o INAMPS passou a ser o órgão prestador da assistência médica à custa de compra de serviços médico-hospitalares e especializados do setor privado. 

Como resultado de toda esta panaceia, os subsídios diretos dados a empresas privadas para a oferta de assistência médica a seus empregados foram substituídos por descontos no imposto de renda, levando à expansão da oferta de serviços médicos e ao crescimento de planos de saúde privados. Como era de se esperar, os resultados da política de saúde do INAMPS, associados à recessão econômica da década de 1980, geraram uma crise de financiamento na previdência que alimentou os anseios por uma reforma sanitária (Paim, 2010).

 

Resumo do  Capítulo 3 

Em 1930, durante o governo provisório, o Brasil alcançou a condição necessária para a efetivação de uma política nacional de saúde pública. Os principais aparelhos estatais foram: MESP (1930) e o MTIC (1933). Nesta época, o Governo Vargas se estruturou como um Estado nacional, centralizador e intervencionista, capaz de responder com políticas sociais aos conflitos urbanos por meio do MTIC e do MESP. As ações de caráter coletivo e campanhista ficaram a cargo do MESP, e as ações individuais e curativas permaneceram vinculadas aos MTIC. Em 1937, após intensa reestruturação, o MESP passou a ser chamado de Ministério da Educação e Saúde (MES). A estrutura do MES era constituída pelo Departamento Nacional de Educação (DNE) e pelo Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP). As principais características da reforma foram o estabelecimento de quatro eixos orientadores: educação, saúde pública, assistência social e cultura. Na saúde pública foram criadas as Delegacias Federais de Saúde (DFS), os Serviços Nacionais de Saúde (SNS) e as Conferências Nacionais de Saúde (CNS). Apesar de todo o aparato burocrático o quadro epidêmico e sanitário brasileiro ainda era dramático. Com a instauração da ditadura militar em 1964, os IAPs foram unificados no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que passou a subsidiar com financiamentos diretos os hospitais privados, levando a uma expansão do setor privado de clínicas, hospitais, equipamentos e medicamentos, sem que houvesse uma melhora significativa na assistência à saúde. A política do INPS não foi capaz de conter os gastos crescentes da previdência e nem as fraudes cometidas na parceria público/privado. Em 1977, foi criado o Sistema Nacional de Assistência e Previdência Social (SINPAS), e dentro dele, o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). A criação do INAMPS surgiu em função das dificuldades de reduzir os custos da atenção médica em face do modelo privatista e curativo vigente. Na prática, o INAMPS passou a ser o órgão prestador da assistência médica à custa de compra de serviços médico-hospitalares e especializados do setor privado. A política do INAMPS gerou uma crise de financiamento na previdência que alimentou os anseios por uma reforma sanitária.

  

Bibliografia

1. CASTRO-SANTOS, Luíz Antonio; FARIA, Luíz. Os primeiros centros de saúde nos Estados Unidos e no Brasil: um estudo comparativo. Teoria e Pesquisa. Rio de Janeiro: v. 40, n. 41, p. 137-181, 2002.

Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_nlinks&ref=000037&pid=S0102-311X200900090002300006&lng=en. Acesso em: 20 de fev. 2021. 

2. JUNIOR, Aluisio Gomes da Silva; ALVES, Carla Almeida. Modelos Assistenciais em Saúde: desafios e perspectivas. In: MAROSINI, Marcia Valéria; CORBO, Anamaria D’Andrea (org.). Modelo de atenção e a saúde da família. Rio de Janeiro: FIOCRUZ. 2007. p. 1– 5. Disponível em: https://app.uff.br/riuff/bitstream/1/8459/1/modelosassistenciaisemsa%C3%Bade.pdf. Acesso em: 20 de fev. 2021. 

3. ESCOREL, Sarah. As Origens do Movimento Sanitário. In: ESCOREL, Sarah. Reviravolta na saúde: origem e articulação do movimento sanitário. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1999. p. 19-51. Disponível em: https://static.scielo.org/scielobooks/qxhc3/pdf/escorel-9788575413616.pdf. Acesso em: 20 de fev. 2021.

4. PAIM, Jairnilson; TRAVASSOS, Claudia; ALMEIDA, Celia.; BAHIA, Ligia; MACINKO, James. O Sistema de Saúde Brasileiro: história, avanços e desafios. Salvador: The lancet. v. 6735, n. 11, p. 60054-60058, 2011. Disponível em: https://actbr.org.br/uploads/arquivo/925_brazil1.pdf, Acesso em: 20 de fev. 2021. 

5. HAMILTON, Wanda; FONSECA, Cristina. Política, atores e interesses no processo de mudança institucional: a criação do Ministério da Saúde em 1953. Rio de Janeiro (RJ): Hist. cienc. saude-Manguinhos. v. 10, n. 3, p. 791-825, 2003. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702003000300002&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 20 de fev. 2021.

6. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro (RJ). Paz & Terra, 1968. Disponível em: https://cpers.com.br/wp-content/uploads/2019/10/Pedagogia-do-Oprimido-Paulo-Freire.pdf. Acesso em: 20 de fev. 2021.

7. AGUIAR, Zenaide Neto. SUS. Sistema Único de Saúde: antecedentes, percurso, perspectivas e desafios. São Paulo: Martinare, 2011. Disponível em: Biblioteca Pearson. Acesso em: 20 de fev. 2021.

8CORDOBA, Elisabete. SUS e ESF: Sistema Único de Saúde e Estratégia Saúde da Família. São Paulo: RIDEEL, 2013. Disponível em: Biblioteca Pearson. Acesso em: 20 de fev. 2021.

9. BUSATO, Ivana Maria Saes; GARCIA, Lavana de França; GARCIA, Izabelle Crstina. SUS: estrutura organizacional, controle, avaliação e regulação. Curitiba: Intersaberes, 2019. Disponível em: Biblioteca Pearson. Acesso em: 20 de fev. 2021.

10. PONTE, Carlos Fidelis; FALLEIROS, Ialê. Na corda bamba de sombrinha: a saúde no fio da história. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2010. Disponível em:  https://www.epsjv.fiocruz.br/publicacao/livro/na-corda-bamba-de-sombrinha-a-saude-no-fio-da-historia?fbclid=IwAR27drgpe3QCLjst9GT1a_Xn-MEscaNoGmLJOW70o2--zuVzte1mJFTsyY0


Midiateca

Mídia 1

Era Vargas: o Estado Novo (1937-1945) 

Descrição/Sinopse da mídia:

Características gerais do período chamado de Estado Novo. 

Fonte da mídia:

https://www.youtube.com/watch?v=Gxrh6YoMT50.

 

Mídia 2

Questões políticas do segundo governo Vargas contribuíram para a criação do MS, há 60 anos. 

Descrição/Sinopse da mídia:

A criação do Ministério da Saúde em 1953. 

Fonte da mídia:

https://agencia.fiocruz.br/quest%C3%B5es-pol%C3%Adticas-do-segundo-governo-vargas-contribu%C3%Adram-para-cria%C3%A7%C3%A3o-do-ms-h%C3%A1-60-anos. 

 

Mídia 3 

O golpe de 1964. 

Descrição/Sinopse da mídia:

Reportagem sobre a ditadura militar, suas causas e consequências. 

Fonte da mídia:

https://www.youtube.com/watch?v=VZBgoV9HFFs.


Capítulo 4/3: A Construção do SUS.


A Construção do SUS


Prezado (a) amigo (a), se quiser utilizar o meu trabalho como referência para o seu trabalho, siga o modelo abaixo.

ROMANHA, Waldemiro de Souza. A Construção do SUSIn: ROMANHA, Waldemiro de Souza. Políticas Públicas de Saúde. Rio de Janeiro: UVA, 2021. p. 45 – 60. Disponível em: 


Em 1985, o Brasil finalmente libertou-se do jugo da ditadura militar e iniciou um período chamado República Nova. As diretrizes definidas na VIII Conferência Nacional de Saúde (1986) foram incluídas na Constituição de 1988 dando início a um processo longo e desgastante de implementação do SUS. Palavras com universalidade, equidade e integralidade passaram a ser letras da lei, e portanto dever e obrigação do poder público.

No Brasil as coisas não são tão simples: Lei tem que "pegar". Se ela não "pega", não tem punição.

Deve ter sido por isso que Tom Jobim, o grande compositor e maestro brasileiro, disse uma vez: O Brasil não é para principiantes. Algumas variantes desta frase se converteram em: O Brasil não é para amadores. Faz sentido, pois em terras tupiniquins não havia estrutura hospitalar para fazer cumprir a lei. Foi preciso toda a inteligência nacional para que chegasse até onde se chegou com o SUS.

Artigo 196 da Constituição Federal do Brasil de 1988 afirma que:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (Constituição Federal, Artigo 196).

Finalmente o Brasil tinha uma lei compatível com as suas aspirações. Uma Lei representativa de uma uma identidade sanitária pela qual tanto se lutou. A Lei afirma que é preciso ações de promoção de saúde como forma de política social para que ocorra redução e riscos de doenças e agravos.

E se lermos o artigo 197, veremos que cabe ao poder público regulamentar, fiscalizar e controlar o sistema de saúde, devendo sua execução ser feita diretamente ou por meio de terceiros. Observe o contexto: “por meio de terceiros”. Trata-se da velha medicina liberal que conseguiu se inserir no texto para garantir seu filão.

No Artigo 129 lê-se: A assistência à saúde é livre à iniciativa privada, que poderá complementar o SUS. No texto, fica claro que a ideia de “complementar o SUS” significa utilizar dinheiro público para fins lucrativos, exatamente como no passado quando a saúde privada e a medicina liberal vendiam serviços e equipamentos para o antigo INAMPS sem que para isso a assistência fosse de qualidade, humanizada ou integralizada.

Por outro lado, o que está escrito no Artigo 198 representa um salto extraordinário e uma conquista dos reformistas.

As ações e os serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada, constituindo um sistema único organizado pelas seguintes diretrizes: descentralização e atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas. O Sistema Único de Saúde será financiado com recursos da Seguridade Social, da União, dos Estados e dos Municípios e outras fontes (Constituição Federal, Artigo 198).


Neste artigo fica muito claro de onde vem o recurso para o SUS. Entre outros, o SUS será financiado com recursos da Seguridade Social (SS)

A reforma sanitária representou um período de transição entre a Previdência Social e a Seguridade Social. Portanto, é importante compreender que se tratam de coisas diferentes. A Seguridade Social compreende um conjunto de políticas públicas voltadas para o bem-estar do cidadão. A Previdência Social compreendia a um pacote de serviços de saúde, oferecido aos contribuintes, de qualidade duvidosa e subsidiado pelo Governo

Neste contexto, a Seguridade Social se organizou em torno de três serviços principais que correspondem a um tripé constituído pela:

  • Previdência social (PS).
  • Saúde (S).
  • Assistência Social (AS).


No Artigo 124 da Constituição encontramos a seguinte definição: A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinado a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

No tripé ao lado podemos perceber que a Saúde, Previdência Social e a Assistência Social constituem um conjunto de políticas públicas da Seguridade Social. Portanto, do ponto de vista participativo, apenas trabalhadores com carteira assinada ou contribuintes facultativos ou autônomos têm direito a todos os benefícios apontados no tripé.

Os trabalhadores de carteira assinada estão sujeitos à tributação obrigatória com desconto em folha de pagamento com a finalidade de gerar o patrimônio da Previdência. O imposto é chamado de Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). Logo, apenas os contribuintes do INSS usufruem dos três eixos fundamentais que formam o tripé da Seguridade Social. Os não contribuintes podem se utilizar apenas da Saúde e da Assistência Social gratuitamente.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) divulgada pelo IBGE, em dezembro de 2019 o Brasil tinha 24,4 milhões de trabalhadores informais sem carteira assinada. Somando este universo aos 12,4 milhões de desempregados no mesmo ano, segundo essa mesma pesquisa, tinha-se uma multidão de 36,8 milhões de brasileiros que não contribuíam para a Seguridade Social e que não possuíam direito previdenciário. Assim, a Seguridade Social tinha uma lacuna de exclusão representada pelos trabalhadores informais e desempregados sem acesso integral aos benefícios. Sob este aspecto, o conceito de universalidade não se verificava. Por outro lado, a Saúde sob o comando do SUS, e a Assistência Social sob o comando do SUAS (Sistema Único de Assistência Social), dois dos três eixos do tripé da Seguridade Social, eram acessíveis à totalidade dos brasileiros, independente de contribuição, e assim continua até hoje.

O SUS é uma grande vitória daqueles que sempre lutaram por um Brasil mais justo para todos.

Apesar desta grande vitória da reforma sanitária, é importante atentarmos para o grande contingente de 36,8 milhões de trabalhadores sem previdência (em 2019) que poderiam engrossar o caixa do INSS. Quanto mais o INSS arrecadar, maior a cobertura e melhor a qualidade do serviço. Portanto, é preciso que o Brasil volte a ter políticas econômicas com maior sensibilidade social, que coloque o pobre no orçamento e invista mais em micro e pequenas empresas, agricultura familiar, cooperativas, programas assistenciais de distribuição de renda, e finalmente, mas não menos importante, uma nova política de reindustrialização nacional, revertendo o sucateamento iniciado em 2016 após o Golpe de Estado contra a Presidente Dilma Rousseff (2011 - 2016) sob o falso pretexto de "pedaladas fiscais" que resultou em impeachment (31/08/ 2016)

O modelo de gestão implementado no Brasil após o impeachment de Dilma Rousseff impulsionou uma política econômica quase que exclusivamente agrária (agronegócio), ambientalmente predatória, com inúmeros cortes no orçamento da saúde, endossada por um judiciário disfuncional e partidariamente politizado, liderado pelo então juiz de primeira instância Sergio Moro, que escondia atrás de sua toga interesses políticos e golpistas que levaram em 2018 à prisão por 580 dias, sem provas, do maior líder popular da América Latina, o Presidente Lula (2003 - 2011), vencedor das eleições presidenciais de 2022. No ano de sua prisão (07/04/2018), Lula estava muito a frente nas pesquisas presidenciais, com possibilidade real de vencer no primeiro turno. Com a sua prisão, o então juiz Sérgio Moro foi recompensado como o cargo de Ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), evidenciando o caráter golpista de sua conduta que lhe valeu o título juiz parcial. O quadro descrito levou Brasil a um grande índice de desemprego de quase 13% verificado no mesmo ano das eleições.

Quanto mais trabalhadores com carteira assinada maior o nível de contribuição. Quanto maior a contribuição menor o déficit previdenciário que, em 2020, beirava a 20 bilhões, resultado da diferença entre a arrecadação líquida e o valor gasto com o pagamento de milhões de benefícios. 

O modelo de Seguridade Social brasileiro está sedimentado em uma aliança política nacional onde cada brasileiro capaz de contribuir com o INSS no presente, é beneficiado com a contribuição das novas gerações no futuro. Trata-se de um pacto entre gerações que transcende o tempo. 

O SUS, como um subsistema da Seguridade Social, destina-se a todos os cidadãos. Do seu fundo de investimento saem os recursos destinados aos governos Federal, Estadual e Municipal. Este formato resulta de seu caráter sistêmico, organizado em redes regionalizadas hierárquicas. Assim, se faz importante entender que a competência de cuidar da saúde deve ser dos três entes federativos, de forma igual e independente do domicílio do segurado. 

O conceito de saúde elaborado na VIII Conferência Nacional de Saúde foi incorporado pelo SUS permitindo que as ações de saúde fossem vistas como um conjunto complexo de atos sanitários interligados, calcados no entendimento de saúde como um conceito global que não permite fracionamento (Santos, 2017).

Atenção Primária à Saúde (APS) é o modelo que predomina neste tipo de política e corresponde ao primeiro nível ou o momento em que se inicia o processo de atenção em um sistema de saúde. No SUS, a APS surge como uma estratégia fundamental, tornando-se o principal e o primeiro ponto de contato entre as pessoas e os serviços de saúde. É chamado de porta de entrada do SUS. Este nível de atenção fornece uma atendimento integral e aborda a maioria das demandas de saúde da população de forma longitudinal (ao longo do curso de vida). A APS está voltada para responder de forma regionalizada, contínua e sistematizada, a maior parte das necessidades de saúde de uma população, integrando ações dos tipos:

  • Preventivas,
  • Curativas,
  • Coletivas (atenção a indivíduos e comunidades).

No Brasil, a APS incorpora os princípios da Reforma Sanitária e é designada pelo SUS como Atenção Básica à Saúde (ABS), para enfatizar a reorientação do modelo assistencial a partir de um sistema universal e integrado de atenção à saúde.

O SUS brasileiro adotou o modelo inglês de Atenção Primária à Saúde com base no Relatório Dawnson (1920). A atenção primária à saúde é uma forma de organização criada em contraponto ao modelo americano de cunho curativo, fundado no reducionismo biológico e na atenção individual. A proposta principal do modelo Inglês é a de hierarquização de níveis de atenção à saúde com a seguinte organização:

  • Centros de saúde primários e secundários.
  • Serviços domiciliares.
  • Serviços suplementares e hospitais de ensino.

Os centros de saúde primários e os serviços domiciliares devem estar organizados de forma regionalizada, e a maior parte dos problemas de saúde devem ser resolvidos por médicos com formação em clínica geral. Os casos em que o médico não tiver condições de solucionar o problema com os recursos disponíveis, devem ser encaminhados para os centros de atenção secundária, onde estão lotados especialistas das mais diversas áreas, ou então para os hospitais de referência quando houver indicação de internação ou cirurgia.

Com base neste modelo, o SUS se organizou de acordo com os seguintes modos hierárquicos:

  • Baixa Complexidade.
  • Média Complexidade.
  • Alta Complexidade.

O nível 1 (Baixa Complexidade) corresponde ao nível de atenção primária ou básica à saúde, encontrado nas Unidades de Saúde de baixa complexidade.

 

O nível 2 (Média Complexidade), corresponde ao nível de atenção secundária à saúde e pode ser encontrado em hospitais secundários ou ambulatórios de especialidade de média complexidade.

 

O nível 3 (Alta Complexidade), corresponde ao nível de atenção terciária à saúde e pode ser encontrado em hospitais terciários de alta complexidade.


O nível de Baixa Complexidade é porta de entrada do sistema. O paciente é conduzido aos demais níveis de acordo com a complexidade do seu caso. Entretanto, alguns sanitaristas questionam o conceito de hierarquia no SUS no que se refere ao grau de importância de um determinado nível de atenção. Eles entendem que os níveis hierárquicos devem referir à progressão do paciente no sistema com base no grau de complexidade de sua doença. Se não for assim, parecerá que o nível de atenção básica à saúde é de menor importância. Entretanto, a ABS corresponde ao primeiro contato do paciente com o sistema de saúde por ser a porta de entrada do SUS e como tal, dela dependerá, na maioria das vezes, a progressão nos diversos níveis de atenção de acordo com o nível de complexidade patológica do paciente.

No Brasil, a principal estratégia de configuração da ABS é o programa Saúde da Família, que tem recebido importantes incentivos financeiros visando à ampliação da cobertura populacional. A estratégia Saúde da Família aprofunda os processos de territorialização e de responsabilidade sanitária das equipes de saúde, compostas basicamente por médico generalista, enfermeiro, técnico de enfermagem, psicólogo, fisioterapeuta, odontólogo, educador físico e agente comunitário de saúde, cujo trabalho é referência de cuidado para a população, com um número definido de domicílios e famílias assistidas por equipe. 

O Ministério da Saúde, em setembro de 2005, definiu a Agenda de Compromisso pela Saúde que agrega três eixos:

Agora, cabe a cada cidadão consciente, agente do seu próprio saber, se utilizar das ferramentas aqui disponibilizadas para aprofundamento acerca de Políticas Públicas de Saúde e reformulação de novos saberes. Lembre-se de que não podemos perder de vista a importância do salto civilizatório que foi a criação do SUS em um país tão carente de cuidado e acolhimento. Todos nós, profissionais de saúde e futuros profissionais, temos o dever de conhecer a nossa principal política de saúde: o SUS.

Na prática

Ao iniciar uma carreira como profissional de saúde em uma unidade de saúde pública, a alocação do profissional dependerá de sua qualificação. O profissional poderá trabalhar na atenção básica, secundária ou terciária, de acordo com os níveis hierárquicos do SUS. Portanto, na atenção básica encontram-se os generalistas, aqueles que atuarão na emergência, na clínica geral, na prevenção ou reabilitação. De um modo geral são constituídos por médicos, psicólogos, fisioterapeutas, enfermeiros, odontólogos, educadores físicos, técnicos de enfermagem e agentes de saúde. Por outro lado, se você intencionar trabalhar na atenção secundária ou terciária, será necessário algum grau de especialização em alguma área, tais como oncologia, cardiologia, neurocirurgia, etc. Nestes casos, os pacientes serão encaminhados da atenção básica para os municípios onde se encontram os centros de referência que permitem tratamentos de pacientes de alta complexidade dentro dos seus territórios de saúde.

Resumo da Unidade 4

Na década de 1970, o Brasil vivia uma ditadura militar cruel e sanguinária por conta de sua fase mais dura relacionada ao Ato Institucional 5 (AI5), decretado pelo regime em 1968. A saúde refletia a instabilidade política e jurídica de um sistema disruptivo caracterizado por reformas que sempre ocorriam no bojo de interesses populistas de legitimação de governos autoritários intermináveis. Neste período ocorreu o “Massacre de Manguinhos”, quando dez dos nossos melhores cientistas foram cassados por perseguição política, gerando enormes prejuízos para a ciência brasileira. Em 1986, ocorreu a VIII Conferência Nacional de Saúde, expressão máxima da Reforma Sanitária e marco na história do SUS na luta contra o autoritarismo pela democracia. Em 1988 o SUS foi aprovado na nova Constituição Federal consolidando um modelo de prestação de serviço baseado na descentralização e no conceito de rede hierarquizada e regionalizada. O sistema viabilizou o acesso gratuito e igualitário aos serviços para a promoção, proteção, recuperação e reabilitação dos indivíduos.


Fim.


Bibliografia:

1. AGUIAR, Zenaide Neto. SUS. Sistema Único de Saúde: antecedentes, percurso, perspectivas e desafios. São Paulo: Martinare, 2011. Disponível em: Biblioteca Pearson. Acesso em: 20 de fev. 2021.

2. LENT, Herman. “O massacre de Manguinhos”. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2019. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/33216/4/Massacre_Manguinhos_2019_vers_web.pdf. Acesso em: 20 de fev. 2021.

3. JUNIOR, Aluísio Gomes da Silva; ALVES, Carla Almeida. Modelos Assistenciais em Saúde: desafios e perspectivas. In: MAROSINI, Marcia Valéria; CORBO, Ana Maria D’Andrea (org.). Modelo de atenção e a saúde da família. Rio de Janeiro: FIOCRUZ. 2007. p. 1– 5. Disponível em: https://app.uff.br/riuff/bitstream/1/8459/1/modelosassistenciaisemsa%C3%Bade.pdf. Acesso em: 20 de fev. 2021.

4. REIS, José Roberto Franco. O coração do Brasil bate nas ruas: a luta ela redemocratização do país. In: PONTE, Carlos Fidelis; FALLEIROS, Ialê. Na corda bamba de sombrinha: a saúde no fio da história. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2010. Disponível em: https://www.epsjv.fiocruz.br/publicacao/livro/na-corda-bamba-de-sombrinha-a-saude-no-fio-da-historia?fbclid=IwAR27drgpe3QCLjst9GT1a_Xn-MEscaNoGmLJOW70o2--zuVzte1mJFTsyY0

5. AROUCA, Sergio. Democracia é SaúdeIn: CONFERÊNCIA NACIONAL EM SAÚDE, 8., março de 1986, Brasília. Realização: Comissão Organizadora da 8ª Conferência Nacional de Saúde/Núcleo de Video/Fiocruz. Produção: Comissão Organizadora da 8ª Conferência Nacional de Saúde/Fiocruz. Distribuição: VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz. Video restaurado em 2013. Publicado no canal VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz. 1 video (42min33seg). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-_HmqWCTEeQ. Acesso em: 20 de fev. 2021.

6. D’AVILA, Cristiane. O homem que lançou as bases do Sistema Único de Saúde (SUS)In: Café História. Publicado em 07 dez de 2020. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/hesio-cordeiro-o-homem-que-lancou-as-bases-do-sus/.Acesso em: 20 de fev. 2021.

7. DIMENSTEIN, Magda Diniz Bezerra. O Psicólogo nas Unidades Básicas de Saúde: desafios para a formação e atuação profissionaisEstudos de Psicologia. Natal: v. 3, n. 1, p: 53-81, 1998. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-294X1998000100004&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 20 de fev. 2021.

8. SANTOS, Lenir. Região de Saúde e Suas Redes de Atenção: Modelo organizativo-sistêmico do SUS. Ciência Coletiva. Campinas: v. 22, n. 4, p. 1281-1289, 2016. Disponível em: https://www.scielosp.org/pdf/csc/2017.v22n4/1281-1289/pt. Acesso em: 20 de fev. 2021.

9. Brasil. Constituição Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 de fev. 2021.

10. GASPARI, Elio. A Ditadura Escancarada. São Paulo. SCHWARCZ LTDA. 2002.

11. NARVAI, Paulo Capel. Prevsaude: tragédia e farsa. CEBES. 2013. Disponível em: http://cebes.org.br/2013/12/prevsaude-tragedia-e-farsa/. Acesso em: 20 de fev. 2021.

12. PONTE, Carlos Fidelis; FALLEIROS, Ialê. Na corda bamba de sombrinha: a saúde no fio da história. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2010. Disponível em: https://www.epsjv.fiocruz.br/publicacao/livro/na-corda-bamba-de-sombrinha-a-saude-no-fio-da-historia?fbclid=IwAR27drgpe3QCLjst9GT1a_Xn-MEscaNoGmLJOW70o2--zuVzte1mJFTsyY0 

 

Midiateca

 Mídia 1

Democracia é saúde: Pronunciamento do sanitarista Sergio Arouca durante a 8ª Conferência Nacional em Saúde

Descrição/Sinopse da mídia: 

O Sanitarista Sérgio Arouca discursa sobre a importância da reforma sanitária e sobre o conceito de saúde elaborado na VIII Conferência Nacional de Saúde.

Fonte da mídia:

http://renastonline.ensp.fiocruz.br/recursos/democracia-saude-pronunciamento-sanitarista-sergio-arouca-durante-8a-conferencia-nacional#:~:text=Nacional%20em%20Sa%C3%Bade-,Democracia%20%C3%A9%20sa%C3%Bade%3A%20Pronunciamento%20do%20sanitarista%20Sergio%20Arouca%20durante,8%C2%AA%20Confer%C3%Aancia%20Nacional%20em%20Sa%C3%Bade.

 

Mídia 2

Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS)

Descrição/Sinopse da mídia:

Histórico das Políticas Públicas de Saúde até a nova república.

Fonte da mídia:

http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/instituto-nacional-de-assistencia-medica-da-previdencia-social-inamps#:~:text=O%20Instituto%20Nacional%20de%20Assist%C3%Aancia,voltado%20para%20a%20especializa%C3%A7%C3%A3o%20e.

 

Mídia 3

O SUS em 2020. 

Descrição/Sinopse da mídia:

Debate elaborado sobre o SUS em 2020 no contexto da pandemia de Covid-19. 

Fonte da mídia:

https://www.youtube.com/watch?v=mTUJkblcdFI.

 
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