Quem tem gato aí?
Se não tiver adote!
Pode
parecer estranho o que vou dizer mas gato não pode ser muito
alimentado não, caso contrário ele fica meio mole, gordo,
preguiçoso, chatinho mesmo. Gato precisa de fome, vontade e desejo
que se converte em "ballet". Gato tem que dar conta das baratas, dos
ratos e até mesmo daquilo que não é da conta dele como por exemplo grilos: - Deixa o grilo viver gato sem vergonha!!! Quanta crueldade
com a cigarra!!! fuja ligeiro saíra-viúva, voe para o seu ninho porque
o gato dançarino quer te pegar.
Eh,
o gato tem tanto de beleza quanto de feiura. Lógica paradoxal da
natureza para gerar equilíbrio. O gato parado na soleira da porta
parece uma esfinge fingindo saber tudo. Uma verdadeira escultura
de adocicar a alma daqueles que podem pagar o preço. Onde tem gato mal se vê um passarinho. Até mesmo os beija-flores ficam mais espertos na presença deles pois não
raras vezes seus corações acelerados param na voracidade felina.
Mas gato não voa e isso é bom pois do contrário não poderíamos ver um ou outro
padrão gênico alado voando por aí e dando conta das pressões ambientais garantidoras de gerações mais adaptadas para o bem do futuro. Bendita
evolução!
Gato
gosta mesmo é do chão de casa; e casa de gato é fractal. Todas as partes cheias e vazias se configuram em espectral constituído de macros e micros ambientes repetitivos e fragmentados na dimensão infinita do seu lar. Tendo
um quintal... melhor ainda, requisito este não obrigatório para criadores pois gato
não se prende a portas e muros e mesmo assim sempre volta. E volta para o seu
chão que pode ser, por exemplo, o sofá. O gato no sofá compõem o
design, suaviza as cores, preenche os espaços (sim, nem pense em
tirá-lo de lá) e te faz achar que a poltrona não seria nada sem
ele. Aliás, toda poltrona deveria vir com um gato diretamente da
loja.
Quando
ele se aninha é como se o chão se moldasse ao seu corpo. O chão é
o tapete do gato sob o qual se deita e se espreguiça uma, duas e três
vezes até se desmilinguir sob uma onda de endorfinas prazerosas que percorre suas artérias relaxando cada micrômetro de
músculo a um nível cibernético de deixar o queixo védico do
melhor yogi caído no chão. Depois a boca se enche de saliva e
uma vontade incontrolável de lamber até o mais profundo de sua alma felídea o domina. É
o banho de língua dos gatos que começa sutilmente sobre a
superfície do ombro, molhando os pelos até as partes baixas da barriga em uma demonstração de elasticidade
que só a bailarina tem. Se tiver outro gato na jogada o
ritual será compartilhado com a mesma intensidade e sem preconceito de
gênero; algo incompreensível para alguns. Pronto, fazendo assim, os gatos ficam
estrategicamente inodoros e prontos para… uma soneca.
Viver com gatos não é para conservadores! Certa
vez, como tantas outras vezes, eu estava na cama olhando da janela
para o bosque do meu quintal. Bosque de Pau-brasil, Pau-ferro,
Flamboiãs, Ipês e tantas outras variedades de encher os olhos com
o verde mais diversificado que já se viu. De repente, no horizonte
possível... um gavião. Sim, por ali também passam anus-brancos, sabiás, trocals, corujas, saíras, canarinhos da Terra, aves
migratórias, micos e tudo mais. É caminho de Darwin, é paraíso, é
Região dos Lagos, e por isso mesmo, e não por acaso, por ali também
passam gaviões.
Na cena, seu voo perfeito em aproximação ao alvo já armava o bote preciso projetando suas enormes garras que, inesperadamente, chocaram-se contra o vidro da janela sob o olhar estatelado da plateia. Enquanto eu ainda tentava entender a complexidade da ação, eis que surge uma figura esbranquiça em atitude de desespreguiçamento, pronta para o salto perfeito tal qual um Lince faminto. Seu rodopio em pleno ar preparou o pouso exigente, cravando as quatro patas no chão. Na boca um passarinho.
Na cena, seu voo perfeito em aproximação ao alvo já armava o bote preciso projetando suas enormes garras que, inesperadamente, chocaram-se contra o vidro da janela sob o olhar estatelado da plateia. Enquanto eu ainda tentava entender a complexidade da ação, eis que surge uma figura esbranquiça em atitude de desespreguiçamento, pronta para o salto perfeito tal qual um Lince faminto. Seu rodopio em pleno ar preparou o pouso exigente, cravando as quatro patas no chão. Na boca um passarinho.
Ainda
foi possível ver a precisão cirúrgica de seu trabalho
mandibular ao posicionar quase que com afeto sádico a
pequena ave em choque sob seus caninos mortais. Seus dentes em um
perfeito encaixe co-evolutivo fecharam-se sobre a frágil cervical do passarinho deslocando-a suavemente e selando o triste destino da canora. E saiu
andando relaxadamente por aí dando pequenos espasmos nervosos que denunciavam a sua vocação homicida. Atrás de si jaz a pequena presa sordidamente abandonada sem vida no chão. Minutos depois lá estava ele ronronando e se
esfregando melosamente na minha canela como quem pede afeto para uma
vida sem graça e cheia de tédio. Um amor!
Adote
um gato. Você também vai amar!
Em homenagem ao Cabeça (1999 - 2013). O gato branco no chão é o albano (protagonista da crônica). Ao lado dele a Kyra.