A vida é quase tão antiga quanto o próprio planeta Terra. A Terra surgiu há pouco mais de quatro bilhões de anos a partir de um condensado de poeira estelar rico em gases do tipo hidrogênio, hélio, carbono, nitrogênio, oxigênio, ferro, alumínio, ouro, urânio, enxofre, fósforo, silício e, provavelmente, alguns fragmentos de rocha. A essa altura o nosso sol ainda era uma protoestrela localizada em um dos braços da via láctea prestes a emitir radiações que impulsionariam novos processos na evolução da Terra primitiva. Isto se deu a partir do início da fusão nuclear do hidrogênio no sol, levando-o ao status de estrela jovem. O advento da radiação solar sobre a Terra primitiva alterou a atmosfera fazendo com que o hidrogênio se combinasse com o carbono, com o oxigênio, com o nitrogênio e com o enxofre para formar, respectivamente metano (CH4), água (H2O), amônia (H3N) e gás sulfídrico (H2S), ou seja, as primeiras moléculas que muito mais tarde permitiriam o surgimento da vida ou, como declararam as cientistas Lynn Margulis e Dorian Sagan no livro “Microcosmos”, os ingredientes da receita da vida. Por outro lado, os elementos químicos mais pesados e instáveis como o urânio, tório, potássio, ente outros, se concentraram no núcleo do planeta e, devido suas capacidades de emissão de radiação muito forte, mantiveram a Terra aquecida por milhões de anos como um planeta incandescente. Há quatro bilhões de anos atrás o núcleo da Terra era o grande gerador de energia do planeta em desenvolvimento, produzindo calor muito acima dos 5.000 graus atuais do centro para a periferia a partir da sua atividade radioativa. À medida que os elementos radioativos eram consumidos no núcleo do planeta, a Terra se resfriava progressivamente a um ponto em que, há aproximadamente três bilhões e novecentos milhões de anos atrás, formou-se uma crosta porosa na superfície por entre as quais eram lançados jatos violentos de lava incandescente e vapor de água que desenhavam novas topografias a cada momento e formavam densas nuvens na atmosfera.
Eram os vulcões ativos que funcionavam como válvulas de escape para o magma incandescente (rocha derretida) mantido a altíssimas pressões no manto, a mais ou menos 150 km de profundidade abaixo da crosta terrestre em formação. Algumas atividades vulcânicas de grande magnitude provocadas pela movimentação e choque de placas tectônicas (imensas placas ou fragmentos gigantescos da crosta correspondentes aos continentes primitivos que flutuavam sobre o magma e eventualmente se chocavam) liberavam gases retidos no interior do planeta formando uma nova atmosfera composta por vapor de água, nitrogênio, argônio e dióxido de carbono.
Com o resfriamento progressivo da Terra, diferentes elementos químicos tais como ferro, ouro, cobre, chumbo, urânio, zinco, e muitos outros metais pesados foram alcançando os seus pontos de solidificação na crosta, formando assim imensas jazidas minerais que são exploradas pelo homem até hoje. A coisa funciona mais ou menos assim. Tudo que existe pode existir em diferentes estados a depender da temperatura e pressão que estão submetidos. O Ferro, por exemplo, pode ser encontrado em estado líquido, sólido ou gasoso. Entretanto, cada elemento possui um ponto de solidificação que é igual ao ponto de fusão (passagem do estado líquido para sólido e vice versa). Considerando o ponto de fusão dos diferentes elementos (Chumbo = 327°C; Ferro = 1500°C; Ouro = 1064,1800ºC; Alumínio 961,7800ºC; Zinco = 660,3230ºC, Cobre = 1084,6200ºC), cada um se solidificou a seu tempo, na medida do resfriamento do planeta. Assim, por entre a crosta semissólida do planeta em desenvolvimento, o que não estava solidificado fluía como rios de metais líquidos que se juntavam cada qual de acordo como a sua especificidade até se solidificarem em algum momento do resfriamento natural do planeta. Dessa maneira, ao longo de milhões de anos, a Terra foi adquirindo o seu formato atual.
O cenário da Terra no início do Arqueano (inicia-se a três bilhões e novecentos milhões de anos e termina a dois bilhões e quinhentos milhões de anos atrás), também chamado de Era Pré-cambriana, era o de um planeta repleto de vulcões profundamente ativos e mares rasos e quentes formados pela condensação na atmosfera do vapor de água que fora anteriormente expelido pelos vulcões.
Durante todo o período em que se deu a violenta evolução geológica do planeta, átomos se misturaram e formaram gases que se recombinaram e formaram cadeias de macromoléculas com as mais diversas texturas e formas. Não se sabe muito bem onde e como a vida surgiu mas, apesar das divergências entre os biólogos, acredita-se que tenha sido em um ambiente quente, úmido e lamacento do Pré-cambriano, onde diferentes tipos de gases e moléculas deram continuidade a processos impulsionados por forças eletromagnéticas a partir de inúmeras tentativas e erros.
O que se sabe é que ao se reproduzir experimentalmente a atmosfera primitiva (mistura de metano, vapor de água, hidrogênio, amônia e vários outros gases) submetendo-a a diferentes fontes de energia tais como descargas elétricas, radiação ultravioleta e calor, uma condição semelhante a realidade da atmosfera do Arqueano, são formadas moléculas que antes acreditava-se serem produzidas apenas por células vivas. Inúmeros experimentos semelhantes a este (imagem ao lado), que originalmente foi feito por Stanley L Miller (Nobel de química em 1953), foram realizados por outros pesquisadores. Os resultados mostraram que as simulações geraram os quatro aminoácidos mais abundantes das proteínas existentes em todos os seres vivos. Também foram encontradas moléculas de ATP (molécula que armazena energia no interior das células) e todas as cinco bases nucleotídicas que compõem o DNA e RNA (adenina, citosina, guanina, timina e uracila), entre outros compostos fundamentais para a organização da vida tal qual a conhecemos. Por fim, é fato geológico conhecido que no Arqueano foram encontrados os primeiros vestígios de vida na Terra. Entre eles, se destacam os microfósseis de bactérias filamentosas no oeste da Austrália e os estromatólitos (estruturas formadas por colônias de algas,) no sul da África e oeste da Austrália.
Os estromatólitos (fósseis comuns na Terra) são as poucas evidências geológicas da existência de vida no período entre 3,5 bilhões e 600 milhões de anos atrás.
As bactérias e algas primitivas do Arqueano assimilavam o dióxido de carbono ricamente presente na atmosfera e liberavam oxigênio livre. Este comportamento foi fundamental para o surgimento de outras formas de vida em função da substituição do dióxido de carbono pelo oxigênio livre na atmosfera terrestre.
Bom, não sei quanto a vocês, mas eu acho tudo isso fantástico!
O céu no hemisfério sul possui constelações típicas com as quais crescemos e nem nos damos conta. Quem nunca ouviu falar no Cruzeiro do Sul ou nas Três Marias? Pois bem, na madrugada do dia seis de julho olhei casualmente pela janela e vi um aglomerado de estrelas bem na minha frente. Após fazer as considerações necessárias entendi que se tratava de um grupo de estrelas denominado coletivamente de Plêiades.
Faz parte deste aglomerado uma estrela chamada Carina que em conjunto com outras tantas constituem a constelação de Carina ou Quilha. Assim, o aspecto das plêiades em noites sem lua é de um ponto brilhante e esfumaçado no céu (vide primeira figura) que faz parte da constelação de Carina. Neste inverno, mais especificamente no mês de julho, as Plêiades podem ser vistas duas vezes por noite, uma delas aproximadamente às seis horas no horizonte e a outra a partir das 21:00. A figura ao lado é uma simulação da configuração do céu feita no dia 15/07/09 às 21:00 utilizando o programa Stellarium 0.10.2.
Pois bem, este céu apresentado na simulação me aproximou novamente do meu velho telescópio e da pergunta mais antiga da humanidade: De onde viemos? O estudo da astronomia tem sido importante por vários motivos, entre eles o fato de que toda forma de vida existente no nosso planeta é derivada de componentes básicos forjados nas estrelas durante sua evolução. Estes componentes são os átomos que formam tudo o que existe na Terra incluindo as moléculas e as células que compõem o nosso corpo. Assim, se o nosso corpo é formado por células que por sua vez são formadas de moléculas e estas por átomos, logo somos seres estelares. Essa história começa mais ou menos assim:
No início era o caos parcialmente desestruturado! É consenso entre os astrônomos que o nascimento de novas estrelas e até mesmo galáxias tem início na explosão de estrelas muito antigas e pesadas, formadas eventualmente de silício e ferro56, entre outros. Essas estrelas são chamadas de supergigantes vermelhas. Sempre que você olhar para o céu e ver uma estrela com um brilho avermelhado trata-se de uma gigante vermelha. Os astrônomos dizem que essas estrelas tendem a explodir e gerar imensas nuvens de gás e poeira interestelar chamadas de nebulosas. Assim, as nebulosas são uma mistura de gases do tipo hidrogênio e hélio e poeira estelar formada por partículas de carbono, silício, magnésio, alumínio entre outros tipos de átomos que faziam parte da velha estrela ou que surgiram com a explosão. Com o tempo (bilhões de anos), esses gases e poeira sucumbem ao seu enorme peso e vão se concentrando cada vez mais no interior da nova estrela em formação até iniciarem violentas reações termonucleares. Ou seja, o hidrogênio submetido a uma pressão de bilhões de atmosferas terrestres se funde no interior da jovem estrela levando à formação de gás Hélio. O Hélio é um átomo que tem o dobro do tamanho do hidrogênio justamente por ser formado a partir da fusão de dois átomos de hidrogênio. Veja a sequência da evolução das estrelas na imagem abaixo.
De forma muito simplificada, a evolução das estrelas ocorre de acordo com a sequência abaixo
(período aproximado de 15 bilhões de anos)
1) Poeira Estelar - Formação de uma nuvem de poeira estelar por um período de 10milhões de anos a partir da explosão de uma estrela muito antiga chamada de Super Nova.
2) Protoestrela – É o estágio imediatamente posterior e possui formato esférico rotacional.
3) Anã Marrom – Este estágio começa quando a temperatura de núcleoda protoestrela atinge um valor suficiente para iniciar a fusão do hidrogênio em hélio (15 milhões de graus).
4) Gigante vermelha – Após o consumo total do hidrogênio a estrela se expande e o Hélio começa ser fundido em carbono.
5) Supergigante vermelha – Nesse estágio a expansão é total e o núcleo começa a encolher tornando-se denso e gerando uma nova série de reações nucleares que culmina com a fusão de elementos mais pesados da tabela periódica como o silício e o ferro56. Nesse estágio também são formados por fusão nuclear vários outros metais pesados da tabela periódica.
6) Super Nova – Estágio avançado no qual a fusão do ferro, por vários motivos, ao invés de liberar energia passa a consumir, culminando em uma grande explosão em uma fração de segundo gerando inclusive urânio e neutrino, ou seja, poeira estelar.
A sequência apresentada não é um padrão obrigatório para a evolução das estrelas. Entretanto é fato que o envelhecimento das estrelas está relacionado com a queima do seu combustível. Por exemplo, quando todo o hidrogênio de uma estrela é "queimado" por fusão nuclear , o gás Hélio produzido se expande e a estrela muda de estágio. Neste novo momento, o combustível alternativo a ser fundido no núcleo da estrela será o Hélio. A fusão nuclear continuada do Hélio no interior da estrela gera átomos mais pesados como o carbono e assim sucessivamente até surgirem estrelas de ferro ou mais pesadas chamadas de Anãs Brancas ou Buracos Negros. Os Buracos Negros possuem imensa força gravitacional que nem a própria luz consegue escapar.
O calor intenso e a luz própria das estrelas são derivados das sucessivas fusões nucleares no seu interior liberando grande quantidade de energia térmica e eletromagnética tais como raios X, luz e vários outros tipos de radiação. Por estes motivos as protoestrelas possuem pouco brilho por não fazerem fusão nuclear.
Esquema aproximado da evolução do sol
Em Relação ao nosso sistema solar, aparentemente os planetas surgiram concomitantemente com a formação do sol. Isto significa que processos muito parecidos e derivados daqueles que deram origem ao sol foram responsáveis pela formação da Terra. No livro "Microcosmos" da Lynn Margulis e Dorion Sagan, consta que da nuvem de gases destinada a se transformar na Terra, predominavam o hidrogênio, o hélio, carbono, nitrogênio, oxigênio, ferro, alumínio, ouro, urânio, enxofre, fósforo e silício. Durante a evolução do planeta, a 4.600 milhões de anos, a mistura aleatória de gases e partículas de carbono somada a intensa atividade elétrica ambiental levou a um processo de evolução molecular que culminou com o surgimento das primeiras moléculas. O hidrogênio se combinou com o carbono para formar o metano (CH4), com o oxigênio para formar água (H2O), com nitrogênio para formar amônia (H3N) e com enxofre para formar gás sulfídrico (H2S). Posteriormente, a recombinação dessas moléculas levou ao surgimento das primeiras células vivas.
Na constelação de Orion da qual pertencem as Três Marias existe uma nebulosa que pode ser observada utilizando um telescópio simples (imagem abaixo).
Nessa imagem pode-se ver nitidamente as Três Marias que também são chamadas de Cinturão de Orion. Próximo ao cinturão encontra-se a Nebulosa de Orion que está ampliada no canto direito inferior da imagem. Lá, novos processos de formação de estrelas e sistemas planetários estão ocorrendo.
Portanto, a evolução da vida tal qual a conhecemos hoje está diretamente relacionada a evolução das estrelas porém separadas por um período de bilhões de anos. É surpreendente que a partir da fusão de simples componentes tais como partículas subatômicas e gases hidrogênio estelar tenha surgido toda diversidade de elementos químicos presentes na tabela periódica. O mais fantástico é que a partir da mistura de simples elementos químicos a vida tenha se formado e evoluído no nosso planeta de uma maneira complexa e diversificada. E é da complexidade da vida que iremos tratar a partir das próximas postagens. Portanto, quando você olhar novamente para océu, pense que talvez esteja olhando para uma nebulosa ou para a natureza da natureza.
Muitas pessoas não estão acostumadas com as macro escalas temporais das eras geológicas. Em qualquer situação ou em quase todas o tempo entre uma era e outra compreende um período de milhões de anos. Por exemplo, no post anterior foi sugerido que as gimnospermas apareceram primeiro que as angiospermas ao longo das eras geológicas. As eras geológicas são divisões da escala de tempo relacionadas à evolução geológica do planeta. Também são importantes para situar a idade e o surgimento das espécies vegetais e animais na terra. Assim, a evolução do planeta pode ser dividida em quatro eras, sendo elas: 1) Pré-Cambriano (4,5 bilhões até 570 milhões de anos atrás); 2) Paleozóica (545 milhões até 248 milhões de anos); 3) Mesozóica (245 milhões até 65 milhões de anos atrás) e 4) Cenozóica (65 milhões e 500 mil anos até o presente). Cada era é dividida em períodos. No quadro abaixo estão esquematizados os períodos da era mesozoica:
De acordo com este quadro, do mais antigo para o mais recente temos os períodos triássico, jurássico e cretáceo. Eu tenho especial predileção pela era mesozoica pois compreende os períodos em que floresceram e desapareceram os dinossauros. Tudo isso em mais ou menos 160 milhões de anos.
Conforme havíamos dito, as angiospermas atuais (plantas com flores e sementes dentro de frutos) teriam surgido apenas no Cretáceo Inferior há cerca de 140 milhões de anos. Antes disso as florestas eram formadas predominantemente por cicadáceas (gimnospermas com folhas semelhantes às das palmeiras, tronco grosso mas nunca chegando à altura de uma árvore), coníferas (árvores e arbustos gimnospérmico chamados de pinheiros ou araucárias), além de pequenos pteridófitos arborescentes (samambaias). Um ambiente geral característico do jurássico é apresentado na imagem abaixo.
A partir deste mundo primitivo, sem flores e frutos verdadeiros, surgiram as angiospermas (Cretáceo Inferior há cerca de 140 milhões de anos) e sua explosão de cores, formas e tamanhos. No rastro das flores e seus saborosos néctares, uma variedade enorme de insetos polinizadores em um processo de coevolução animal/vegetal jamais visto. Coincidência ou não, novas evidências fósseis, mas não moleculares, indicaram que o surgimento dos mamíferos modernos data do final do Cretáceo após a extinção dos dinossauros. Em fim, o cretáceo “é o cara”. Ou seja, a emergência dos vegetais e animais modernos tais como os conhecemos hoje. Na imagem abaixo, imaginamos uma geometria representativa da forma com que alguns vegetais ocupavam os espaços no Triássico:
Ou seja, um mundo com vegetais pouco ramificados e imensos espaços entre eles, permitindo o deslocamento de animais de “grande porte” como no caso dos dinossauros. Com o passar das eras, este mundo se transformou e evoluiu para uma nova organização mais eficiente no seu pragmatismo em fixar carbono e crescer ocupando menos espaço, principalmente em regiões de clima temperado onde as florestas se tornaram mais densas. É o alvorecer de uma nova arquitetura natural, mais complexa e interativa. É a era das aves e pássaros e o fim dos pterossauros (répteis alados). É o surgimento da flexibilidade articular dos mamíferos frente a emergência dos espaços irregulares e profundamente curvos. É o período das ramificações emaranhadas, das redes biológicas que transformaram as florestas em uma malha interligada na qual passaram a transitar inúmeras espécies de insetos, seres alados e mamíferos de médio e pequeno porte. Nos estratos superiores das florestas, uma rede fractal interconecta por cima as copas das árvores e por baixo as raízes que também apresentam um padrão de formação autossimilar. A figura abaixo esquematiza a complexidade adquirida por estas florestas a partir do surgimento das angiospermas.
O surgimento das angiospermas está relacionado com as profundas transformações ocorridas desde o período cretáceo. Entretanto, não posso afirmar que este padrão de desenvolvimento seja determinado por um gene embrião fractal que impulsione um comportamento autossimilar de crescimento e distribuição, embora tal hipótese me pareça plausível.
O fato é que tanto nas monocotiledôneas quanto nas dicotiledôneas (as duas principais divisões das angiospermas), o crescimento ocorre por um tipo de brotamento no qual estruturas semelhantes (embriões fractais) aparecem como se saíssem umas de dentro das outras, semelhante à ilustração feita por Mariana Massarani exclusivamente para este blog (imagem no alto do texto). Nela, vemos indicado em uma bromélia, as futuras folhas que apresentam o mesmo aspecto geral da planta.
Ufa! Por enquanto é só.
Algumas coisas ainda me deixam perplexo. Recentemente fui convidado de última hora para uma entrevista que tinha por objetivo confrontar a opinião de um cientista contra a de um teólogo a respeito da teoria da evolução. Tratava-se de uma monografia de final de curso de comunicação. Me surpreendi com a iniciativa uma vez que no próprio objetivo do projeto subtendia que “teoria da evolução” para muitos ainda era uma questão de crença baseada em opiniões próprias. Não é! Ainda estamos cometendo enormes equívocos por conta de um resquício de polêmica entre crença e conhecimento, e isto a epistemologia explica muito bem. A Teoria da Evolução é um fato sustentado por várias evidências científicas fornecidas pela paleontologia e geologia a partir de inúmeros achados fósseis e geológicos, todos devidamente datados por métodos cada vez mais sofisticados. E não para por aí! Áreas do conhecimento tais como genética, biologia molecular e anatomia comparada fornecem cada vez mais subsídios para a compreensão da evolução, algo que para cientistas e pessoas atentas não tem nada a ver com crença mas com conhecimento. O que eu estou querendo dizer? Que a ciência não pode ser contestada? Não é isso! A ciência pode e deve ser contestada pois este é um dos mecanismos do seu avanço. Entretanto, a ciência deve ser contestada com mais ciência, pois quando o conhecimento científico passa a ser encarado como uma crença irrefutável, intocável e imutável, torna-se dogmática e estabelesse-se aí as condições para o seu fracasso. É isso que se chama paradigma engessado (ver o livro pensamento sistêmico, pg. 33). O ideal é que as mudanças de paradigmas ocorram continuadamente. Vejamos um exemplo prático:
Voltando ao tema fractais Para quem leu os últimos posts já sabe quase tudo sobre fractais. Para quem não leu fica aqui o convite para que o faça ou assista o vídeo apresentado pelo matemático espanhol Antonio Pérez Sanz. Durante a minha tese eu estava bem empolgado com o tema fractais e pedi a um aluno de iniciação científica que pesquisasse na internet algo interessante sobre esse tema. Ele me trouxe um artigo chamado “Caos e linguagem dos fractais”. Infelizmente o link que daria acesso ao artigo está corrompido, mas se você quiser saber mais sobre os autores do artigo “André Calixto Vieira” e “César de Oliveira Lopes” faça uma pesquisa na internet. Pois bem, junto com o artigo veio um conceito interessante chamado “embrião fractal”. Para Vieira e Lopes (2003), o embrião fractal é o elemento fundamental da figura, ou seja, aquele que se mostra repetitivo em qualquer escala (lembra-se do que falamos sobre autossimilaridade?). Então, se uma árvore possui ramos que se ramificam “infinitamente”, o embrião fractal, ou elemento fundamental da copa da árvore será uma imagem semelhante a uma forquilha. Concorda?
A ideia de um embrião fractal é ótima pois permite a visualização de uma estrutura fractal no tempo, isto é, dentro de um processo dinâmico de desenvolvimento e crescimento. Assim, mesmo formas da natureza que não se parecem com uma estrutura fractal podem ser classificadas como fractais por terem um comportamento fractal. Basta identificar o embrião fractal e verificar se durante o crescimento da estrutura ele aparece novamente, e assim por diante. Para exemplificar o que eu estou dizendo, vemos colocar os vegetais em termos de classificação e evolução. Dos chamados vegetais superiores temos as Gimnospermas (plantas como as araucárias e pinheiros que possuem sementes sem frutos) e as Angiospermas (orquídeas, mangueiras, bananeiras e uma infinidade de outras plantas que possuem sementes dentro de frutos). Não se sabe ao certo se as angiospermas evoluíram das gimnospermas ou se ambas possuíram um ancestral comum (Crane 1988, Doyle et al. 1994, Price, 1996). O que se sabe é que, de acordo com os registros fósseis, o apogeu das gimnospermas ocorreu durante o baixo e médio Mesozóico (Triássico e Jurássico) e as angiospermas atuais teriam surgido apenas no Cretáceo Inferior há cerca de 140 milhões de anos . Veja a figura abaixo.
Neste momento nos interessa aprofundar o assunto apenas sobre as angiospermas. Estudaremos nas angiospermas os seus dois principais taxons (monocotiledôneas e dicotiledôneas) e as diferenças nas suas vasculaturas. Vamos fazer o seguinte, este post está ficando grande demais e não é a nossa intenção. Me comprometi em discutir a importância do conceito de embrião fractal, sua aplicação na biologia e na evolução das angiospermas e isso parece ter relação com o sistema vascular das monocotiledôneas e dicotiledôneas e outras coisas mais. Então, esperem mais uma semana, ou menos, e tudo isso ficará bem colocado. Grande abraço e até lá.
No último post sugeri que as desordens encontradas nas interfaces entre sistemas biológicos poderiam ser entendidas utilizando o conceito de geometria fractal. Para que algo seja considerado fractal é necessário que se tenha uma propriedade fundamental denominada autossimilaridade. Apesar da ideia de fractais estar atrelada a um conceito estritamente matemático, inúmeras formas encontradas na natureza satisfazem as condições necessárias para que sejam consideradas fractais. Um bom exemplo é a copa das árvores. Em uma árvore típica, a formação da copa começa a partir das ramificações iniciais do tronco. De forma similar às primeiras ramificações, cada ramo principal sofre novas ramificações que se repetem até as ramificações terminais onde surgem as folhas. Observe o exemplo abaixo. Nesta árvore, a autossimilaridade está esquematizada ao lado.
No esquema acima, utilizando o modelo encontrado no livro de Mendelbrot (1977) e modificado por Goldberger (1987), resolví comparar uma imagem verdadeira de uma árvore sem folhas. Ali podemos perceber os ramos “infinitos” de uma árvore. Observe que a cada vez que um dos ramos é ampliado, revela a presença de novos ramos, e assim por diante, sugerindo que o galho se ramifica por inúmeras gerações em escalas cada vez menores tendendo ao infinito. Isto é autossimilaridade! Qualquer estrutura em menor escala é similar a forma em maior escala. É como se a árvore fosse formada por milhares de pequenas árvores progressivamente menores (Mandelbrot, 1977, West & Goldberger, 1987).
Mesmo ao nível de uma folha podemos perceber a autossimilaridade tal qual observamos nos galhos da árvore. Genericamente, as folhas são divididas nas seguintes partes: bainha, pecíolo e limbo. O pecíolosurge das ramificações menores das árvores. Conforme a figura mostra, o pecíolo gera vários ramos que se ramificam posteriormente. O limbo nada mais é do que a parte verde da folha ou tecido vegetal formado por células fotossintetizantes. Assim, o pecíolo é a continuação de um sistema vascular que se origina na raiz da planta com o objetivo de transportar seiva bruta para as células da folha (o limbo). As ramificações desde o tronco até os ramos terminais dos pecíolos reproduzem um padrão também observado no sistema vascular dos mamíferos. Ou seja, as ramificações terminais dos pecíolos equivalem aos capilares sanguíneos que se originam das arteríolas do nosso corpo e nutrem as células na intimidade dos tecidos; ou as ramificações terminais da árvore brônquica (bronquíolos do pulmão) que ao nível dos sacos alveolares realizam as troas gasosas. Tanto as ramificações dos pecíolos dos vegetais quanto os capilares sanguíneos e os bronquíolos são pequenos e finos o suficiente para interagirem diretamente com as células de cada tecido correspondente, e todos eles reproduzem um padrão fractal.
Quando as folhas das árvores caem no solo de uma floresta úmida o limbo é a primeira estrutura a ser decomposta pelos microrganismos presentes. Como resultado, sobra apenas o esqueleto da folha formado pelas ramificações do pecíolo que pode ser encontrado no chão da floresta.
Assim, conforme demonstramos, o esqueleto da folha apresenta uma estrutura autossimilar que satisfaz todas as condições de uma estrutura fractal.
Então, como primeira conclusão, o estudo das formas fractais presentes na natureza corresponde a um tipo de geometria da natureza. Entretanto, é uma geometria que não tem nada a ver com as formas que estamos habitualmente acostumados tais como esferas, polígonos ou mesmo os sólidos platônicos (figura abaixo) que a partir dos quais Platão procurou explicar o universo.
Platão buscou nos sólidos regulares a explicação para a origem do universo. Da esquerda para a direita temos: octaedro, icosaedro, cubo (ou hexaedro), tetraedro e um dodecaedro.
Do ponto de vista do pensamento matemático antigo, alguns estudiosos importantes como Galileu e Descartes foram obcecados por encontrar nos resultados de suas pesquisas figuras geométricas ditas perfeitas como a parábola, a elipse e o círculo. Acreditavam que a natureza não tinha muita escolha na formalização dos seus fenômenos que não os traçados bem comportados descritos por Euclides (Revisado em Ricieri, A. P., 1990). Hoje, sabe-se que as formas da natureza não obedecem apenas a lógica da geometria clássica ou Euclidiana. O matemático Francês Benoit Mandelbrot, um dos pais da geometria fractal, havia percebido isto muito antes de 1983 quando declarou o seguinte no seu livro A Geometria Fractal da Natureza: “nuvens não são esferas, montanhas não são cones, linhas costeiras não são círculos, cascas de árvores não são suaves e nem o raio se propaga em linha reta”.
"Formas da natureza que não obedecem as leis matemáticas da geometria clássica ou Euclidiana"
Essas afirmações deixam claro que as formas ou a geometria da natureza respeitam outras leis geométricas. Estas não são definidas apenas pelas dimensões tradicionais, ou seja, a primeira (a reta), segunda (o quadrado) e terceira dimensões (o cubo), mas também pela dimensão dos fractais na qual a autossimilaridade é a principal propriedade (mas não a única).
Qual é a importância dos fractais em biologia? Segundo um cientista chamado Cross (1994), a dimensão fractal pode ser entendida como uma medida de complexidade. De fato, a função de vários órgãos do corpo dos mamíferos bem como a atividade das plantas está relacionada diretamente com a forma adquirida por eles ao longo da evolução. Nós aprendemos nos primeiro e segundo graus que as células do intestino possuem vilosidades e que estas por sua vez possuem microvilosidades. A análise dessas vilosidades mostrou que elas possuem um padrão fractal (microvilosidades que surgem de vilosidades, que surgem de dobras intestinais e que por sua vez surgem das alças curvas intestinas, e assim por diante). A disposição das microvilosidades intestinais potencializa o nível de absorção de nutrientes para o interior da célula devido ao aumento da área ou superfície de contato com os alimentos. Isto só ocorre porque a estrutura é fractal.
O mesmo acontece com as árvores. A disposição fractal da copa das árvores potencializa e maximiza a exposição de uma quantidade enorme de folhas ao sol, permitindo maior eficiência na captação de luz. A disposição fractal das árvores adultas também permite que elas lancem novos ramos durante todo o ano sem que o aumento do perímetro da copa seja perceptível. Então, uma estrutura fractal fornece o máximo de eficiência com o mínimo de ocupação de espaço. Veja o caso dos vasos sanguíneos dos animais.
No caso dos vasos sanguíneos, a natureza de suas ramificações é fractal e como tal tende a um crescimento infinito. Assim, apesar do sangue ocupar pouco espaço, não mais do que 5% do corpo, na maioria dos tecidos nenhuma célula está a uma distância de mais de três ou quatro células de um vaso sanguíneo (Gleick, 1989).
Para concluir, a propriedade fractal da uma determinada vegetação é determinante para o tipo de fauna existente ali. Quanto mais complexa a trama verde de uma floresta, mais favorável será para a presença de pequenos artrópodes e assim por diante. Se você quiser saber mais sobre fractais veja o seguinte site: http://math.rice.edu/~lanius/frac/ ou baixe o programa WINFRACT para windows e divirta-se.
Durante o meu doutoramento na Fundação Oswaldo Cruz, participei do desenvolvimento de uma técnica com físicos e matemáticos para definir os limites da interface biológica entre dois tipos de tecido animal. O conceito de interface, segundo Pierre Lévy, remete a uma superfície de contato, ou de tradução, ou até mesmo de articulação entre dois espaços, que também podem ser duas espécies ou duas ordens de realidades diferentes. Este conceito serve muito bem à biologia uma vez que ultrapassa o caráter reducionista da física ou da matemática. Para nós, interface biológica é um lugar de fronteira que apresenta características dos dois sistemas. Nas interfaces não se reconhece culturas distintas, ecossistemas bem configurados ou soluções homogêneas. O que existe é uma mistura de culturas, de ecossistemas ou de soluções. É comum na fronteira entre países não se falar nem uma língua nem outra, mas um dialeto emergente, como o “portunhol” falado na divisa entre as cidades de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, na fronteira entre o Brasil e Paraguai.
Em ecologia, o termo utilizado para interface é Ecótono. Nos livros sobre ecologia, ecótono é uma transição entre biomas diferentes, geralmente representada por uma área significativamente menor que as áreas dos próprios biomas adjacentes. A comunidade do ecótono pode conter organismos vegetais e animais de cada uma das comunidades que se entrecortam, bem como possuir outros que só existem lá, como é o caso dos ecótonos sul amazônicos na transição entre o sertão e a floresta amazônica, onde foram registrados endemismos até de primatas como os saguis Mico melanurus e o Mico intermedius.
Ao utilizar um modelo da minha tese de doutorado em patologia experimental, percebi que a "desordem" na interface entre sistemas biológicos poderia ser medida matematicamente para ajudar na sua classificação e compreensão de sua complexidade ou gravidade. Exemplo hipotético: Se pudermos visualizar uma interface entre dois sistemas a partir de uma distância relativa a uma foto de satélite ou por imagens obtidas por um drone, veremos um sistema do tipo A de um lado, um sistema do tipo B do outro e uma zona de transição C entre eles (como uma região de transição entre o cerrado e a floresta amazônica, ou mesmo a transição entre um tecido tumoral e um tecido normal de animais doentes fotografado em microscopia). Nessa imagem perceberemos componentes dos dois sistemas na interface. Para facilitar a visualização, poderemos atribuir cores para cada um dos componentes dos diferentes sistemas. Por exemplo, vermelho para os componentes de A e preto para os de B. Com base nessas cores, desenharemos uma linha de uma extremidade a outra ligando os componentes de A e B presentes no ecótono, e separando o que é só de A em um lado e o que é só de B no outro. O resultado fornecerá uma traçado de trajetória sinuosa e irregular pois representará as diversas maneiras com que sementes de vegetais se dispersam na interface entre os dois biomas. Com base nos resultados inferidos hipoteticamente, a dispersão das sementes relacionada provavelmente com as correntes de vento ou mesmo com o transporte das mesmas feito por aves e mamíferos, definirá um traçado de trajetória irregular representativo da interface entre os sistemas biológicos. Este traçado se assemelhará com a trajetória feita por pequenas partículas em meio líquido, chamada de Movimento Browniano (ver primeira figura acima).
Em ciência, coisas que aparentemente não tem nada a ver umas com as outras às vezes se encaixam perfeitamente a ponto de fornecer respostas para um determinado problema. A trajetória irregular da linha obtida na experiência anterior é semelhante à trajetória que um grão de pólen faz quando suspenso em água. Esse movimento foi observado e descrito pela primeira vez em 1827 pelo Botânico Escocês Robert Brown e ficou conhecido como Movimento Browniano. A partir daí, vários trabalhos foram publicados, culminado com um artigo publicado em 1905 pelo então desconhecido Albert Einstein.
Uma das coisas mais interessantes no Movimento Browniano é que ele possui uma propriedade que os cientistas chamam de autossimilaridade. Isto é, em qualquer aumento (ou escala) a curva parece sempre do mesmo jeitão. Ou seja, à medida em que se observa a curva em diferentes aumentos, ela repete o padrão irregular dos aumentos anteriores (clique na figura abaixo para visualizar em maior aumento). Hoje em dia, uma curva com esse tipo de propriedade é chamada de "fractal".
Assim, a linha irregular traçada entre os sistemas A e B do nosso experimento hipotético descreve uma curva fractal.
A minha interpretação é que essa linha fractal representa o grau de inter-relação entre os sistemas. Ou seja, quanto mais sinuosa ou irregular for essa linha, maior o grau de interação dinâmica entre os sistemas A e B (novas espécies, novos dialetos, florestas típicas, diferentes tipos de solos, etc.). Essa determinação de ser mais ou menos irregular é dada por um cálculo no qual o grau de irregularidade de uma curva fractal pode ser medido através de um índice numérico fracionado que varia entre um e dois. Essa técnica é utilizada em Física e em Biologia para a determinação da dimensão fractal de determinadas interfaces e será discutida aqui mais adiante.
Vou continuar falando sobre fractais no próximo post e tenho certeza de que este conceito ficará cada vez mais claro. Abraços e até lá.
Por que os organismos vivos possuem as formas que possuem? A pergunta é pertinente já que o sucesso dos seres vivos depende de pelo menos três aspectos básicos: 1) a conservação da organização da vida; 2) a dinâmica do processo de existir (no sentido de desenvolvimento, movimento/deslocamento e atividade biológica); 3) e a morfologia 3D na interação com o meio ambiente.
As formas adquiridas pelos seres vivos são determinantes para suas funções ou atividades e é condição de sobrevivência dentro da topografia ambiental (relevo). Se você for redondo poderá rolar bem ou mal no chão, a depender do relevo geral do ambiente. Mas se você não for redondo, não rolará.
Ao se observar as primeiras formas de vida, ou seja, aquelas mais primitivas e que são primeiramente descritas nos livros de zoologia de invertebrados, percebemos que a maioria é assimétrica, com padrões de crescimento irregulares, podendo ser sésseis (que não se desloca voluntariamente) ou rastejantes tais como as esponjas marinhas e o Trichoplax adhaerens, respectivamente. As esponjas são organismos sésseis provavelmente por serem, na sua maioria, animais irregulares com padrões diversificados de crescimento (eretos, incrustantes ou ramificados). O Trichoplax adhaerens é um metazoário rastejante de corpo achatado e assimétrico, feito de um agregado de uns poucos milhares de células de quatro tipos diferentes que se organizam em três diferentes locais. É considerado o organismo de menor conteúdo de DNA de todo o reino animal (até o momento). Pois bem, de alguma maneira, a partir daí, a evolução animal seguiu no sentido da simetria radial e /ou bilateral. Os desenhos dos corpos de muitos animais com simetria bilateral apresentam proporções entre comprimento e largura conhecidas como Proporção Aurea. A proporção áurea, também denominada phi (φ), é um número irracional igual a 1,618 obtido a partir da seguinte igualdade: φ = (a+b) : a = a : b. Então, considerando o esquema dado na figura abaixo,
o resultado da equação algébrica será igual ao número phi (φ). Como já foi dito, esta proporção tem sido encontrada em várias partes do corpo humano e de outros animais, bem como em alguns tipos de sementes vegetais ou mesmo em padrões de crescimento de conchas de moluscos ou populações de coelhos, entre outros, e inspirou Leonardo da Vinci a fazer o seu Homem Vitruviano (figura ao lado) e, segundo alguns, a própria Monalisa. Entretanto, muito antes disso, foi utilizada na Grécia antiga em uma das obras mais orgânicas da antiguidade: o Parthenon.
Se retornarmos um pouco mais no tempo geológico, mais especificamente há 1800 milhões de anos atrás, no pré-cambriano, em plena emergência dos primeiros fito flagelados (organismos unicelulares autotróficos) ou das primeiras células fotossintetizantes, perceberemos claramente que em grande parte desses organismos a evolução se deu não no sentido da simetria bilateral, da qual extraímos a proporção áurea, mas no sentido das irregularidades, das assimetrias, das ramificações e incrustações aparentemente desajeitadas. Estamos falando da evolução dos vegetais como contraponto à evolução animal. Se por um lado uma grande parte dos animais são simétricos e móveis, por outro os vegetais são assimétricos e obrigatoriamente sésseis. Ambos extremamente relacionados, pois o veneno de um (dióxido de carbônico) é o “combustível” do outro.
Então, parece que a evolução no seu sentido mais amplo teve como característica principal o paradoxo das formas. Ou seja, a regularidade simétrica dos animais gerando o movimento, no sentido de deslocamento do ponto A para o ponto B, e a irregularidade assimétrica e séssil dos vegetais. Ambas sempre em consonância com a topologia ambiental. Esta aparente contradição gerou uma pressão ambiental sobre os ancestrais do homem que levou ao desenvolvimento de articulações capazes de realizar movimentos precisos entre espaços mínimos, como foi o caso dos australopitecus, presos entre o “bipedismo” terrestre e a vida nas árvores. Assim, configurou-se duas geometrias da natureza: uma das formas regulares e proporcionais, como é o caso da geometria euclidiana, e a outra das formas irregulares e descontínuas, com é o caso da geometria dos fractais de Mandelbrot. E é exatamente sobre a geometria dos fractais aplicada à forma dos seres vivos que pretendo me aprofundar nos próximos posts.
Desde que montei esse blog nunca fiquei tanto tempo sem postar. Entretanto o motivo é compreensível já que perder doze dias pensando no que seja a vida significa tentar sintetizar o que muitos vem pensando há décadas. Bom, a leitura deste texto não está completamente condicionada a leitura da postagem anterior, mas para quem leu, pode ter tido a impressão de que estava tentando acentuar divergências entre Maturana e Darwin. Não se tratava disso, até porque o meu interesse nas teorias de Maturana é pontual. Por outro lado, não podemos desejar que a biologia seja reduzida a um único pensamento e que todas as respostas se encerrem na questão da seleção natural pois nem mesmo Darwin considerava essa última como a única explicação para a diversidade biológica. Também acho importante grifar que falar de Maturana implica em algo que pode ser complementar a Darwin pois "origem das espécies" é diferente do que seja "o que é vida". Então, estamos falando de dois domínios diferentes. Um que obrigatoriamente se situa no fluxo do tempo e portanto é dependente dele. Ou seja, um tempo filogenético no qual a adaptação deriva de um processo. O outro que, da forma como entendo, é independente do tempo pois de acordo com Maturana, organizações vivas não se modificam ou se adaptam, apenas se conservam tal como são, apesar de seus contextos ontogenéticos (nascimento e morte de um organismos) e filogenéticos (evolução). Então, Maturana estaria preocupado com o que é a vida independente do seu ciclo, e esse parece ser um dos seus pontos de partida: a vida é.
Se você está achando que eu estou dizendo que a vida é atemporal, é exatamente isso. Se pensarmos como Maturana só poderemos chegar a essa conclusão. Neste contexto, estar vivo independe do tempo. Não tem nada a ver com relatividade ou coisa parecida. Uma tartaruga de 200 anos está tão viva quanto uma de 200 segundos pois a vida para Maturana é uma organização fechada. Se for mudada ela se desintegra e morre. Para continuarmos esse pensamento seria interessante uma breve contextualização histórica, mas não sem antes dizer que o componente atemporal da vida que quero discutir aqui só faz sentido quando iluminado pelo pensamento de Maturana e Varela.
Em 1920, o Biólogo austríaco Ludwing von Bertalanffy estava incomodado com o enfoque mecanicista, dado pela física, atribuído às teorias e pesquisas biológicas. Ele achava que ao adotar o enfoque mecanicista desprezava-se na biologia exatamente o que era essencial ao fenômeno da vida: a organização, ou seja, “interações fortes e não triviais entre as partes que a compõem” (Bertalanffy, 1968). Bertalanffy ao elaborar a “teoria geral dos sistemas” em 1968, distinguiu duas vertentes teóricas das “ciências dos sistemas”. Uma mecanicista e outra organicista. A organicista estava relacionada com a teoria geral dos sistemas (proposta por ele mesmo) e a mecanicista com a cibernética, do matemático Americano Norbert Wiener. Assim, a Teoria Cibernética seria mecanicista por sua associação com as máquinas, ou sistemas artificiais, e a Teoria Geral dos Sistemas seria organicista por sua associação com os organismos vivos ou sistemas naturais, quer fossem biológicos ou sociais.
Nessa época, Bertalanffy não dispunha de um conceito sobre organização dos seres vivos, mas apenas indicava algumas características comuns a essas organizações, tais como: crescimento, diferenciação, e ordem hierárquica. O aparecimento do conceito de organização dos seres vivos como uma teoria bem configurada se deveu a Humberto Maturana em 1960.
Maturana entende como “ser vivo” toda rede de interações moleculares que produz a si mesma e especifica os seus próprios limites (Maturana & Varela, 2002). Assim, Maturana introduz o conceito de “organização autopoiética” como o tipo de organização que caracteriza os seres vivos (Maturana & Varela, 2002). Autopoiese significa autoprodução ou autocriação. Segundo Emmeche e El-Hani (2000) trata-se de um termo para organização circular de um sistema vivo. Exemplo: Pense em uma célula. Seu limite é dado pela membrana biológica que forma um compartimento separado do meio externo. No interior deste compartimento todos o processos metabólicos ocorrem. Por outro lado, esse limite, ou fronteira, como no caso de uma membrana celular, é um produto do metabolismo do próprio sistema, sem o qual ele não existiria. Assim, a membrana existe por causa do metabolismo. Por outro lado, essa mesma membrana é parte intrínseca do sistema, sem a qual não poderia haver metabolismo. Cada um é determinante para a existência do outro, caso contrario se perderia a unidade do sistema que se desintegraria (figura organização circular, em baixo).Éssa é a idéia da organização circular como atributo definidor dos sistemas vivos. Se por um lado temos uma rede de interações capaz de criar limites (membranas), por outro, esse limite se torna uma condição obrigatória para a operação da própria rede, caracterizando um tipo de complexidade circular. Têm-se aí dois aspectos de um mesmo fenômeno que gera uma unidade autopoiética autônoma, pois toda a sua dinâmica se dará dentro dos seus próprios limites, criando uma unidade distinta e separada dos processos que ocorrem além de suas fronteiras.
Acho que agora, se lermos com toda a tenção, poderemos entender as palavras de Maturana: “sistemas vivos são constituídos como unidades ou entidades discretas, com dinâmicas circulares fechadas de produções moleculares abertas ao fluxo de moléculas através delas, nas quais tudo pode mudar, exceto sua dinâmica circular fechada de produções moleculares”. Então, segundo Emmeche e El-Hani (2000), não se trata de negar a importância do intercambio entre sistema vivo e ambiente. A rede de componentes que corresponde ao sistema vivo é fechada em termos organizacionais mas aberta em termos materiais e energéticos, ou seja, ela está sempre trocando material e energia com o ambiente externo.
O tipo de organização de diferentes sistemas determina diferentes classes de sistemas (sistemas abertos ou fechados). Considerando que os seres vivos caracterizam-se por produzirem de modo contínuo a si próprios, as espécies de seres vivos se distinguem por terem estruturas distintas (tais como os gatos, cachorros, peixes, etc.), mas se igualam por terem organizações iguais, ou seja, organizações autopoiéticas (Maturana & Varela, 2002). Para Maturana, um sistema vivo e dinâmico possui organização circular, atuando como uma rede de processos fechado sobre si mesma. Entretanto, tal sistema existirá como tal enquanto sua organização se conservar ao longo das mudanças estruturais geradas pela troca com o meio externo (alimento, calor, etc).
Segundo Vasconcellos (2003), Maturana diferencia um sistema aberto de um fechado com base no fluxo de informações ou instruções que o sistema pode receber de fora.Ou seja, sistemas cujocomportamento é determinado por um input são sistemas artificiais e, portanto, sistemas abertos, pois o fluxo de componentes de fora para dentro determina o seu comportamento posterior (output), como é o caso de jogos de computador e programas geradores de imagens, no qual ao serem inseridos dados, mudam suas estruturas e organizações (figura ao lado).
No caso dos seres vivos, os sistemas apresentam um fechamento estrutural, ou seja, são fechados à informação. De acordo com esse princípio, seu comportamento não pode ser determinado de fora, por qualquer informação que seja, e o ambiente não pode ter com esses sistemas uma interação instrutiva, sendo considerado um sistema fechado.
Para concluir, os sistemas autopoiéticos não consideram o tempo como um parâmetro relevante. Segundo Letelier e colaboradores (2003), sistemas autopoiéticos são atemporais e intrinsecamente relacionais, o que os torna diferenciados e descolados das teorias que consideram o tempo como uma variável independente e enquadram os fenômenos biológicos na linguagem das equações diferenciais. Segundo Casti (1988), em certas circunstâncias, o tempo pode ser incorporado para certos modelos ou formulações, pois os sistemas vivos trocam rotineiramente de componentes dentro de uma dinâmica de destruição e criação estrutural durante a ontogenia (nascimento, aprendizado, desenvolvimento motor e morte de um ser vivo). Entretanto, na medida em que essas mudanças estruturais ocorrem, a organização do sistema se mantém inalterada, pois é atemporal. Ou seja, a estrutura muda com o tempo, mas a organização do sistema permanece inalterada (Kampis, 1991).
Sob esse aspecto, um sistema autopoiético pode ser descrito como um sistema complexo dentro das prerrogativas de Demo (2002) e Gell-man (1996), no sentido de que se trata de uma estrutura dinâmica e emergente, ou seja, muda irreversivelmente de estado ao longo do tempo sem perder a sua organização, pois essa é atemporal. Nesse contexto podemos enxergar os seres humanos. Nascem, se desenvolvem, amadurecem, envelhecem e morrem. Ou seja, mudam de estado por períodos determinados. Entretanto, não podem estar meio vivos. Ou estão vivos ou não. Grande abraço e até a próxima.
Adaptação é a capacidade intrínseca de interação com o ambiente. Significa não estar mas fazer parte dele e depender dele tanto quanto ele de você. É nessa dimensão de associação entre os seres vivos que este blog pretende existir, entendendo o universo como um sistema complexo adaptativo no qual a soma das partes pode ser maior do que o todo, uma vez que em cada uma das partes se encerra o todo. Resumindo, é um blog de biologia teórica que nos dará muito prazer em construí-lo dia a dia (Waldemiro Romanha 2009).
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