sábado, 6 de janeiro de 2024

Políticas Públicas de Saúde (Capítulo 2/2): O Avanço das Políticas Públicas.

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Prezado (a) amigo (a), se quiser utilizar o meu trabalho como referência para o seu trabalho, siga o modelo abaixo.

ROMANHA, Waldemiro de Souza. A Era Vargas. In: ROMANHA, Waldemiro de Souza. Políticas Públicas de Saúde. Rio de Janeiro: UVA, 2021. p. 38 – 44. E-book: ISBN 978-65-5700-108-0.   Disponível em: https://www.blogger.com/blog/post/edit/preview/8502128735235054609/1764432953092209679


O avanço das políticas públicas


Aos poucos o sanitarismo rural foi se convertendo na nova bandeira da saúde pública do Brasil até se transformar em uma aspiração nacional. Ou seja, o movimento sanitarista foi superando a sua fase urbana e se convertendo ao “saneamento dos sertões”.

Um dos principais motivos desta guinada foi a publicação em 1916 do Relatório Neiva-Penna, como resultado da primeira expedição científica organizada pelo Instituto Oswaldo Cruz em 1912. Nela, os médicos sanitaristas Artur Neiva e Belisário Pena percorreram durante vários meses o norte e o nordeste da Bahia, o sudeste de Pernambuco, o sul do Piauí e o norte e sul de Goiás, em busca de respostas para os graves quadros epidêmicos e suas causas.

No relatório, os sanitaristas denunciaram as péssimas condições de vida no interior do país. Eles apontaram que a saúde das populações que viviam às margens do Rio São Francisco era tão ruim quanto a saúde das populações que viviam no semiárido, derrubando as teses oligárquicas que diziam que as condições de saúde e pobreza do nordeste estavam relacionadas ao clima semiárido. Tais teses não se sustentavam pois as expedições de Penna e Neiva mostraram que as populações às margens do Rio São Francisco estavam sujeitas a um clima diverso e mesmo assim apresentavam os mesmos quadros epidêmicos gerais com diferenças pontuais. Como medida de emergência eles propuseram  a criação de um serviço médico itinerante para toda a região visando à melhora das condições de saúde. Posteriormente, Belisário Penna apresentou um conjunto de medidas para ser aplicado imediatamente: 

  • Intervenção crescente do Estado no setor da saúde pública; 
  • Elaboração de novo código sanitário para todo o país; 
  • Divisão do Brasil em oito zonas sanitárias; 
  • Criação de tribunal federal especial para tratar de questões decorrentes da aplicação da nova legislação; 
  • Seleção de uma endemia em dois municípios de cada Estado durante a fase inicial de saneamento do país.

Belisário Penna e seus colegas criaram a Liga Pró-Saneamento do Brasil para pressionar o Governo a implementar o programa. Como resultado, o presidente Venceslau Brás (1914 – 1918), em seu último ano do governo, criou o Serviço de Profilaxia Rural, centralizando as ações de saúde pública que seriam aplicadas no interior. As ações visavam intervenções no nordeste para combater a malária, o amarelão e a doença de Chagas (Nunes, 2000).

Entretanto, os avanços mais consistentes vieram mesmo no governo de Epitácio Pessoa (1919 – 1922) com a ampliação dos projetos de intervenção estatal a partir das seguintes mudanças: 

  • Carlos Chagas assume a Coordenação do Departamento Nacional de Saúde Pública, cargo que ficou vago desde Oswaldo Cruz. 
  • Belisário Penna assume a direção dos Serviços e Saneamento Rural que passa a ser gerido com recursos dos impostos federais sobre bebidas alcoólicas, produtos farmacêuticos e casas de jogo.

Estas mudanças permitiram que o conjunto de medidas propostas por Belisário Penna se tornasse viável e consolidasse o sanitarismo rural como a principal bandeira da saúde púbica no Brasil. Cabe ressaltar que o sanitarismo urbano, com suas concepções higienistas de cunho eugênico, não desapareceu. Ele perdurou como uma herança fascista dos ideais eugênicos de Plínio Sagado et al. É possível até mesmo afirmar que o Sanitarismo Urbano foi inadvertidamente absorvido pelo Sanitarismo Rural representado por um conjunto de ações distorcidas observadas no delineamento do Sanitarismo Campanhista de Oswaldo Cruz, projetando sombra sobre o ideário sanitarista rural com força não maior do que poderíamos entender sobre um traço estatístico. 

Por outro lado, as reivindicações próprias da classe média trabalhadora nos centros urbanos por melhores condições de salário, trabalho, assistência médica e aposentadoria, impulsionaram a medicina liberal, através das Caixas de Pensão e Aposentadoria (CAPs), a seguir uma linha independente do movimento sanitarista. Portanto, as políticas públicas de saúde no Brasil seguiram duas linhas independentes. Na primeira linha encontrava-se o  modelo CAPs associado a uma abordagem individual de saúde, medicalizante e hospitalocêntrica, onde os determinantes sociais (condições de vida) eram desconsiderados como fatores que também afetavam a saúde dos indivíduos e da coletividade. Na segunda linha, estava o ideário sanitarista, que preconizava o resgate sanitário das populações esquecidas do semiárido nordestino como parte de uma reconstrução nacional de identidade. Este resgate deveria ocorrer a partir de uma intervenção governista, visando uma mudança de mentalidade das populações trabalhadoras rurais incluindo os grandes proprietários de terra, que ainda nutriam uma relação quase que escravista com os trabalhadores do campo. Portanto, na construção de uma nova identidade nacional não cabia a cultura dos “coronéis” e nem a imagem do homem do campo como um “jeca”.

A estrutura organizacional da saúde no Brasil começava a se delinear de forma dicotômica. Nos grandes centros urbanos as ações de atenção à saúde seguiam uma lógica de assistência médica equivalente a um modelo curativo/privatista. Sua gestão estava subordinada a um sistema de previdência social rudimentar denominado CAPs cujo financiamento era bipartite (empregados e empregadores), ou seja, a sua origem era contributiva (Cohn, 2006). Nas zonas rurais do interior do Brasil, o modelo de gestão de saúde era o sanitarismo campanhismo surgido no início do século XX e que se ocupava de ações higienistas voltadas para a erradicação das grandes endemias nacionais. Este modelo tinha um caráter investigativo e científico e estava subordinado ao Departamento Nacional de Saúde Pública (Júnior & Alves, 2007).

Do ponto de vista das caixas de pensão (assistência médica), o modelo era completamente excludente, pois contemplava apenas aqueles que estavam vinculados a alguma empresa que estivesse obrigada por lei a garantir os direitos recém-conquistados pelos trabalhadores. As pessoas sem vínculo empregatício, ou teriam de pagar do próprio bolso, o que seria inviável caso não pertencessem às classes privilegiadas, ou deveriam procurar hospitais filantrópicos. Cabe ressaltar que durante três séculos de colonização, existiam apenas dez Santas Casas de Misericórdia no Brasil. Ou seja, apesar da Lei Eloy Chaves de 1923, a situação foi de total catástrofe assistencial durante toda a década de 1920.

Santa Casa de Misericórdia de Manaus (1853 - 2004).

Além disso, neste período o Brasil viveu uma crise macroeconômica sem precedentes. Tratava-se da crise europeia após a primeira guerra mundial (1918). Os países europeus passaram a investir no seu próprio mercado comprometendo a exportação do nosso principal produto: o café. Essa nova política econômica representou a primeira grande ameaça ao sanitarismo brasileiro e ao seu nacionalismo ideológico, que aspirava construir uma consciência sanitarista calcada na educação e no saneamento do Brasil.

Apesar da crescente falta de recurso devido à crise, o novo código sanitário de 1920 intensificou o nível de intervenção Federal no interior de Brasil a partir da criação de postos de profilaxia em 11 estados da região nordeste. Em 1922 este número chegou perto de 100. Durante a presidência de Artur Bernardes (1922 – 1926) o nível de intervenção governamental aumentou com as campanhas de higiene infantil e antituberculose na Bahia. No período de Washington Luís (1927 – 1929), o modelo campanhista ainda sustentava algum fôlego com as campanhas de Educação em Saúde de Belisário Pena pelos Estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e vários Estados do Nordeste, voltadas para o despertar da consciência sanitária do povo (expressão da época). Apesar disso, alguns postos de profilaxia rural foram fechados por falta de recursos e, progressivamente, o movimento sanitário foi se esvaziando (SANTOS, 1985).

A crise se agravou com a quebra da Bolsa de Nova York gerando uma forte recessão no mundo ocidental. O desemprego, a inflação, as greves por melhores condições de saúde e trabalho, entre outros, levaram ao golpe de estado dado por Getúlio Vargas (24/10/1929) que depôs o então presidente Washington Luís e impediu a posse do presidente eleito Júlio Prestes. Estava terminada a República Velha e iniciado o período militar. Com as mudanças, vieram novas perspectivas para a saúde e para as relações entre trabalhadores e patrões, tanto para o bem quanto para o mal.


Continua...


Bibliografia

1. Castro, S. L. A. O pensamento sanitarista na primeira república: Uma ideologia de construção da nacionalidade. Revista de Ciências Sociais. 28(2):123-210, 1985. Biblioteca Virtual em Saúde (bvsalud.org)

2. Nunes, E. D. Sobre a história da saúde pública: ideias e autores. Ciência e Saúde Coletiva. 5(2): 251-264,  2000. https://www.scielo.br/pdf/csc/v5n2/7095.pdf

3. Junior, A. G. S. & Alves, C. A. Modelos Assistenciais em Saúde: desafios e perspectivas. In: Marosini M. V. G. C. & Corbo, A. D. Educação Profissional e Docência em Saúde: a formação e o trabalho do agente comunitário de saúde. Rio de Janeiro (RJ): FIOCRUZ; 2011.

4. Paim, J.; Travassos, C.; Almeida, C.; Bahia, L.; Macinko, J. O Sistema de Saúde Brasileiro: história, avanços e desafios. The Lancet. 6735(11): 60054-8, 2011.

5. Aguiar, Z. N. Antecedentes históricos do Sistema Único de Saúde (SUS): breve história da política de saúde no Brasil. In: Aguiar, Z. N. SUS Sistema Único de Saúde: antecedentes, percurso, perspectivas e desafios. São Paulo (SP): Martinari, 2011.

6. Cohn, A. O estudo das políticas de saúde: implicações e fatos. In: Campos, W. G. S.; et. alTratado de saúde coletiva. São Paulo (SP): Hucitec, 2006.

 

Midiateca

Mídia 1

Guerras no Brasil: A Revolução de 1930.

Descrição:

Contextualização histórica do Brasil pré e pós-revolução de 30.

Fonte:

https://www.youtube.com/watch?v=cH5HPE11qg4

 

Mídia 2

Lei Eloy Chaves: Cria as Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs)

Descrição:

Palestra sobre as CAPs instituída pela Lei Eloy Chaves. Primeiro ato de previdência social no Brasil.

Fonte:

https://www.youtube.com/watch?v=5BRa1GvlSqM

 

Mídia 3

Políticas públicas de saúde: Sistema Único de Saúde

Descrição:

Linha do tempo dinâmica com todas as políticas públicas de saúde desde 1923 até 2006.

Fonte:

https://www.unasus.unifesp.br/biblioteca_virtual/esf/2/unidades_conteudos/unidade04/p_01.htm#sample2

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