sábado, 6 de janeiro de 2024

Políticas Públicas de Saúde (Capítulo 3/1): A burocracia Crescente da Era Vargas.

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Prezado (a) amigo (a), se quiser utilizar o meu trabalho como referência para o seu trabalho, siga o modelo abaixo.


ROMANHA, Waldemiro de Souza. A criação do Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP) e a reforma administrativa de Vargas. In: ROMANHA, Waldemiro de Souza. Políticas Públicas de Saúde. Rio de Janeiro: UVA, 2021. p. 45 – 60. E-book: ISBN 978-65-5700-108-0.   Disponível em: https://www.blogger.com/blog/post/edit/preview/8502128735235054609/8218808020476524554 



Introdução

A saúde no Brasil evoluiu a partir de duas vias: A  primeira estava relacionada a um ideário sanitarista de saúde pública gratuita e acessível para toda a população e cuja representação era o Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP), criado em 1930. A segunda se desenvolveu no contexto da medicina assistencial previdenciária, atrelada às políticas partidárias do então Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC). A Era Vargas foi marcada pela indefinição quanto ao tipo de política de saúde a ser seguida. Se por um lado o sistema previdenciário favorecia as empresas privadas, por outro, os segurados deste mesmo sistema sofriam com atendimentos desumanizados e assistência médica precarizada. A unificação das Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAPs) em Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs) apenas agravou o problema e agregou outros novos. A centralização dos recursos nas mãos do governo fez com que a saúde pública ficasse subfinanciada devido ao desvio de finalidade das verbas públicas. Neste contexto ocorreu a reforma do MESP como resposta a estas distorções. O resultado de todo esse processo foi o esvaziamento do movimento sanitarista que se ressentiu com a falta de verba e de apoio governamental. Só bem depois da era Vargas é que foram realizadas reformas mais robustas, tal como a criação do INAMPS que, junto com os movimentos pela Reforma Sanitária e Psiquiátrica, deram contornos para uma política de saúde mais racional e eficiente. Boa leitura!


A burocracia crescente da era Vargas


Nos capítulos anteriores ficou claro que o desenvolvimento das políticas públicas de saúde, no contexto sanitarista, e suas bifurcações baseadas em demandadas específicas e subjetivas, não morreram completamente. O aparente fracasso do movimento sanitarista atribuído à máquina burocrática do Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP), criado em 1930, foi responsável pela desmobilização política do movimento e, consequentemente, pelo seu esvaziamento. Entretanto, na atualidade é possível verificar vários indícios de que a semente do sanitarismo outrora plantada germinou e, mesmo desidratada, as remanescentes de suas raízes favoreceram o seu ressurgimento.

Por exemplo: Em qualquer localidade do território nacional houve-se falar em vacinas. As mães estão sempre preocupadas com a carteirinha do SUS e as datas em que seus filhos deverão ser vacinados.

As campanhas são amplas e o serviço público é completamente gratuito para quem se utiliza dele. Se por um lado o movimento sanitarista conseguiu, parcialmente, inserir no imaginário público um mundo cuja vacinação faz parte da realidade cotidiana, por outro, ainda não foi possível estabelecer um consenso entre a população sobre a real importância das vacinas. Uma possível explicação para a resistência de uma parte da população pode estar relacionada com teologias radicais e apocalípticas que associam os avanços científicos a conceitos como: “anticristo” e o “fim do mundo”. Neste contexto, as vacinas representam uma versão moderna do “marca da besta” (Apocalipse 13:18), a qual todos são obrigados a receber para terem direitos de comprar ou vender. 

Um caso emblemático foi a nova revolta da vacina ocorrida em 17 de janeiro 2021, quando se iniciou a campanha de vacinação contra a Covid-19, juntamente com medidas  sanitárias que obrigavam a utilização de máscaras nos espaços públicos, e a restrição da circulação de parte da população (quarentena) para contenção da incidência viral. No período de vigência da quarentena, a apresentação da carteira de vacinação era obrigatória para que o contribuinte pudesse ter acesso a certos serviços essenciais, incluindo viagens nacionais e internacionais, entre outros. 

Para melhor entendimento, é preciso esclarecer que em 2020, o Brasil e o mundo passaram por uma grave crise sanitária acometida pela manifestação de um vírus mutante responsável por um tipo de síndrome respiratória aguda grave (Sars),  que se espalhou com intensidade e letalidade severa por todos os continentes deixando um rastro de morte, morbidade e pânico: O Covid-19. 

Foram tomadas medidas sanitárias para conter esta pandemia de acordo com aquelas definidas na I Conferência Sanitária Internacional (1851), em que o isolamento e a quarentena aparecem na linha de frente para contenção primária da incidência viral. A contenção surge como estratégia mitigadora enquanto são testadas as eficácias de algumas vacinas experimentais.  Entretanto, a mistificação irracional da pandemia por grupos extremistas e anticiência, liderados pelo Presidente Jair Bolsonaro (2019 - 2022), empreendeu uma forte campanha anti-sanitária reforçada por fundamentalismos religiosos que facilitou a propagação do vírus, levando à morte mais de 600.000 brasileiros em apenas um ano. Uma mortalidade maior do que a mortalidade somada por HIV, Dengue, Vírus Zica e a chikungunya durante todo o período de suas incidências.

Como se não bastasse, o movimento antivacina veio acompanhado de uma campanha irracional a favor de medicamentos comprovadamente ineficazes contra o Covid-19 e cientificamente testados como prejudiciais para o portador com comorbidades, como a Cloroquina e a Hidroxicloroquina. 

Portanto, no período entre 2020 a 2022, o Brasil passou por uma pandemia de proporções medievais e um apagão cognitivo assustador que fomentou a desinformação e o discurso de ódio, demandando medidas de segurança e sanitárias severas e emergenciais. 

Bolsonaro governou até 2022 quando, finalmente, foi derrotado por uma frente ampla, democrática e suprapartidária liderada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003 - 2011).

A sua derrota deveu-se em grande parte à: 1. má gestão durante a pandemia; 2. discurso de ódio contra as minorias (mulheres, negros,  índios, LGBTs); 3. inúmeras tentativas de golpe militar; 4. recursivas afrontas ao Supremo Tribunal Federal (STF); 5. forte apelo armamentista, facilitando o acesso a armamentos de grosso calibre para os auto intitulados “cidadãos de bem”. 

Infelizmente, as contingências pelas quais o Brasil passou desde 2016 até a derrota de Bolsonaro em 2022, levaram a uma queda da cobertura vacinal que deixou a população vulnerável a uma série de doenças que haviam sido erradicadas, tais como: Sarampo, Poliomielite, Difteria e Rubéola.

 É necessário que existam oposicionistas à ciência para que se possa calibrar com precisão o grau de racionalidade das políticas púbicas de Saúde e Educação.

Cabe salientar que foi apenas a partir de 1930, durante o governo provisório de Vargas (1930 – 1934), que uma política nacional de saúde pública tomou forma com a instalação dos aparelhos necessários para a sua efetivação. Entre eles destacaram-se a criação do MESP (1930) e dos institutos de aposentadoria e pensões IAPs (1933).

Com os IAPs, a medicina previdenciária adquiriu robustez e progrediu. Entretanto, pela força histórica de suas próprias idiossincrasias assumiu um caráter restrito em termos de cobertura nacional. Neste sentido, ela contribuiu de forma importante para a consolidação da instalação de um Estado “burguês” dentro de um Estado paupérrimo. O termo burguês aqui é utilizado como uma alusão ao poder aquisitivo de uma sociedade emergente formada por uma minoria de novos-ricos que, por egoísmo e desinformação, passou a agir como as oligarquias do passado ainda que no domínio de seus micros poderes.

Em 1968 o grande educador e filósofo Paulo Freire, Patrono da Educação no Brasil, escreveu:

 

            “Seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse às classes dominadas perceberem as injustiças sociais de maneira crítica” (Paulo Freire, 1968).

Sua fala reflete em cheio a realidade do que foi a acomodação política ajustada entre Getúlio Vargas e o coronelismo frente as aspirações sanitaristas. A convergência das verdadeiras oligarquias ia apenas até os pontos onde as ações de higienização contribuíam para o aumento da força de trabalho. Fora isso, a política dos coronéis não tinha interesse em uma educação emancipadora uma vez que igualdade de direitos e equidade não representavam projetos compatíveis com o lucro fácil advindo da exploração da mão de obra humana. Hoje, estes trabalhadores explorados não são representados apenas por empregados domésticos, rurais ou operários, mas também por bancários, advogados, engenheiros, professores, e muitos outros que atuam no ramo liberal ou não. A Saúde no Brasil evoluiu junto com um liberalismo distorcido em que as minorias detentoras do poder resistiram e resistem até hoje em “dividir o bolo” mesmo à custa de tensão social permanente.

O financiamento dos IAPs era tripartite, pois se tratava de um filão muito grande para ser administrado apenas por empregados e empregadores como no tempo do CAPs. Portanto, o Estado se juntou a eles assumindo o controle e centralizando recursos financeiros e ações. Uma das formas de controle dos IAPs se deu a partir da nomeação de seu presidente pelo Presidente da República Getúlio Vargas, e a nomeação dos representantes dos trabalhadores e patrões, pelos sindicados atrelados ao poder executivo.

Do ponto de vista dos sindicatos, a nomeação dos representantes dos trabalhadores ocorria por meio de eleição direta para que houvesse uma defesa representativa dos seus direitos. Sob a gestão do Estado, a nomeação dos presidentes dos IAPs representava o interesse do Governo por recursos oriundos das contribuições que, aos poucos, foram sendo utilizados em outras áreas. Tal política gerou um problema crônico que perdura até os dias atuais, ou seja, a falta de recursos para financiar aposentados e pensionistas devido ao desvio de finalidade.

Portanto, a série histórica das políticas de saúde até aqui mostra que houve um reforço na dualidade entre as ações públicas na área de saúde, onde:

  • ·  As ações de caráter coletivo e campanhista ficaram a cargo do MESP.
  • ·  As ações individuais e curativas permaneceram vinculadas aos IAPs.

Para as pessoas que possuíam recursos, a medicina liberal era a alternativa mais viável, enquanto que para a maioria da população sem vínculo previdenciário restavam apenas as práticas populares semelhantes aquelas praticadas no Brasil colônia ou, quando muito, em hospitais de caridade.

Neste Brasil de saúde precária e assistência elitizada, as reformas administrativas de Vargas favoreceram o deslocamento do polo econômico do Interior para os centros urbanos em função do investimento maciço no setor industrial centro-sul.


Essa política promoveu o êxodo rural da Região Nordeste para Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, contribuindo para uma urbanização precária com formação de grandes favelas nas metrópoles, tornando ainda pior as condições de saúde das populações.

Continua...

Referências

1. CASTRO-SANTOS, Luíz Antonio; FARIA, Luíz. Os primeiros centros de saúde nos Estados Unidos e no Brasil: um estudo comparativo. Teoria e Pesquisa. Rio de Janeiro: v. 40, n. 41, p. 137-181, 2002.

Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_nlinks&ref=000037&pid=S0102-311X200900090002300006&lng=en. Acesso em: 20 de fev. 2021. 

2. JUNIOR, Aluisio Gomes da Silva; ALVES, Carla Almeida. Modelos Assistenciais em Saúde: desafios e perspectivas. In: MAROSINI, Marcia Valéria; CORBO, Anamaria D’Andrea (org.). Modelo de atenção e a saúde da família. Rio de Janeiro: FIOCRUZ. 2007. p. 1– 5. Disponível em: https://app.uff.br/riuff/bitstream/1/8459/1/modelosassistenciaisemsa%C3%Bade.pdf. Acesso em: 20 de fev. 2021. 

3. ESCOREL, Sarah. As Origens do Movimento Sanitário. In: ESCOREL, Sarah. Reviravolta na saúde: origem e articulação do movimento sanitário. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1999. p. 19-51. Disponível em: https://static.scielo.org/scielobooks/qxhc3/pdf/escorel-9788575413616.pdf. Acesso em: 20 de fev. 2021.

4. PAIM, Jairnilson; TRAVASSOS, Claudia; ALMEIDA, Celia.; BAHIA, Ligia; MACINKO, James. O Sistema de Saúde Brasileiro: história, avanços e desafios. Salvador: The lancet. v. 6735, n. 11, p. 60054-60058, 2011. Disponível em: https://actbr.org.br/uploads/arquivo/925_brazil1.pdf, Acesso em: 20 de fev. 2021. 

5. HAMILTON, Wanda; FONSECA, Cristina. Política, atores e interesses no processo de mudança institucional: a criação do Ministério da Saúde em 1953. Rio de Janeiro (RJ): Hist. cienc. saude-Manguinhos. v. 10, n. 3, p. 791-825, 2003. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702003000300002&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 20 de fev. 2021.

6. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro (RJ). Paz & Terra, 1968. Disponível em: https://cpers.com.br/wp-content/uploads/2019/10/Pedagogia-do-Oprimido-Paulo-Freire.pdf. Acesso em: 20 de fev. 2021.

7. AGUIAR, Zenaide Neto. SUS. Sistema Único de Saúde: antecedentes, percurso, perspectivas e desafios. São Paulo: Martinare, 2011. Disponível em: Biblioteca Pearson. Acesso em: 20 de fev. 2021.

8CORDOBA, Elisabete. SUS e ESF: Sistema Único de Saúde e Estratégia Saúde da Família. São Paulo: RIDEEL, 2013. Disponível em: Biblioteca Pearson. Acesso em: 20 de fev. 2021.

9. BUSATO, Ivana Maria Saes; GARCIA, Lavana de França; GARCIA, Izabelle Crstina. SUS: estrutura organizacional, controle, avaliação e regulação. Curitiba: Intersaberes, 2019. Disponível em: Biblioteca Pearson. Acesso em: 20 de fev. 2021.

10. PONTE, Carlos Fidelis; FALLEIROS, Ialê. Na corda bamba de sombrinha: a saúde no fio da história. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2010. Disponível em:  https://www.epsjv.fiocruz.br/publicacao/livro/na-corda-bamba-de-sombrinha-a-saude-no-fio-da-historia?fbclid=IwAR27drgpe3QCLjst9GT1a_Xn-MEscaNoGmLJOW70o2--zuVzte1mJFTsyY0

Midiateca

Mídia 1

Era Vargas: o Estado Novo (1937-1945) 

Descrição/Sinopse da mídia:

Características gerais do período chamado de Estado Novo. 

Fonte da mídia:

https://www.youtube.com/watch?v=Gxrh6YoMT50.

 

Mídia 2

Questões políticas do segundo governo Vargas contribuíram para a criação do MS, há 60 anos. 

Descrição/Sinopse da mídia:

A criação do Ministério da Saúde em 1953. 

Fonte da mídia:

https://agencia.fiocruz.br/quest%C3%B5es-pol%C3%Adticas-do-segundo-governo-vargas-contribu%C3%Adram-para-cria%C3%A7%C3%A3o-do-ms-h%C3%A1-60-anos. 

 

Mídia 3 

O golpe de 1964. 

Descrição/Sinopse da mídia:

Reportagem sobre a ditadura militar, suas causas e consequências. 

Fonte da mídia:

https://www.youtube.com/watch?v=VZBgoV9HFFs.

 

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