A Criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS)
Prezado (a) amigo (a), se quiser utilizar o meu trabalho como referência para o seu trabalho, siga o modelo abaixo.
ROMANHA, Waldemiro de Souza. A criação do Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP) e a reforma administrativa de Vargas. In: ROMANHA, Waldemiro de Souza. Políticas Públicas de Saúde. Rio de Janeiro: UVA, 2021. p. 45 – 60. Disponível em:
A partir da proclamação da república (1889), as políticas públicas de saúde no Brasil adquiriram uma dinâmica acelerada de transformações que culminaram em um modelo hegemônico mesmo após o fim da Era Vargas. A medicina científica ou biomedicina ainda era o modelo predominante após o suicídio de Vargas em 1954 – suicídio este motivado por um novo golpe de estado. O modelo médico de assistência era voltado exclusivamente para os aspectos individuais e biológicos, formatado em uma matriz hospitalocêntrica e progressivamente dependente de tecnologias de alto custo. Esta matriz serviu também como molde para a organização de hospitais estaduais e universidades. Os IAPs se expandiram agregando novas categorias profissionais que dispunham de uma rede de ambulatórios e hospitais, por instituto, voltada para a recuperação dos trabalhadores (e dependentes) e sua força de trabalho.
Em relação às políticas verticalizadas do Ministério da Educação e Saúde (MES), ocorreram novos investimentos em centros e postos de saúde ampliando ainda mais a presença estatal no território nacional (Junior & Alves, 2007).
Apesar do avanço das políticas públicas de saúde representadas pelos MES e MTIC, o perfil epidemiológico do Brasil na década de 1950 ainda era caracterizado pelo predomínio de doenças típicas da pobreza ou Doença Infecciosas da Pobreza (DIP), tais como malária, cólera, sarampo, difteria, entre outras, causadas pela fome, desnutrição infantil, água poluída, redes de saneamento praticamente inexistentes, e todo o tipo de iniquidade produzida por um Estado injusto e preocupado quase que unicamente com o desvio de verbas e ganhos de capitais para uma oligarquia centenária e de mentalidade escravista que se perpetuava no poder.
Por outro lado, apesar da extrema miséria e da inercia do governo em apresentar soluções definitivas, o Brasil começava a sofrer com o aparecimento progressivo de doenças relacionadas à modernidade. A industrialização tardia, porém vigorosa, impulsionada pela CSN após a guerra, trouxe consigo um conjunto de patologias até então pouco percebidas tais como a enxaqueca, transtornos cardíacos, obesidade, insônia, dores articulares, distúrbios endócrinos e muito mais. Eram as doenças da modernidade.
AMPLIANDO O FOCO
Cabe ressaltar que o quadro de decadência da saúde e a desmobilização do movimento sanitarista estão atrelados com o modelo econômico vigente que regulava as relações econômicas entre o Brasil e os países centrais. O Brasil vinha acumulando uma grande dívida com a Inglaterra desde o período colonial. Após a segunda guerra mundial, esta relação se alterou a partir do financiamento da CSN pelos Estados Unidos por 20 milhões de dólares. Tais países lucravam com os juros abusivos que eram pagos de forma submissa e sem questionamentos. O alto endividamento, o subfinanciamento da saúde e o descaso das oligarquias se constituíram em fatores determinantes para a deterioração da saúde pública no Brasil.
Em 1953 foi criado o Ministério da Saúde (Lei nº 1.920) a partir do desmembramento do então Ministério da Educação e Saúde em dois ministérios: Saúde (MS) e Educação e Cultura (MEC). A criação do MS era uma antiga reivindicação dos sanitaristas que precedia a Primeira Conferência Nacional de Saúde (1941).
Basicamente, o novo MS passou a executar as atividades do Departamento Nacional de saúde Pública (DNSP). O MS fazia parte de um grande projeto nacional do qual também incluía a criação da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), ambos assinados pelo então presidente Getúlio Vargas, agora eleito por um processo democrático, um ano antes do seu suicídio. Do ponto de vista estrutural não houve mudança significativa. Na prática, os sanitaristas sequer participavam da escolha do novo ministro, evidenciando um caráter muito mais político/partidário do que um alinhamento ideológico do presidente com as questões reais do sanitarismo nacional (Hamiltom & Fonseca, 2003).
AMPLIANDO O FOCO
Na década de 1960, o Brasil sofreu grandes mudanças. A capital da república havia sido transferida para Brasília, uma cidade projetada por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer e recentemente inaugurada pelo então presidente da república Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956 -1961). A nova cidade também era denominada A Capital da Esperança, símbolo de modernização e integração nacional. Entretanto, o endividamento advindo de sua construção acentuou as desigualdades sociais e favoreceu a formação de novos latifúndios, além de ampliar a dívida externa brasileira.
A industrialização do Brasil tomou grande impulso a partir de 1945, significando um aumento progressivo da demanda por atenção à saúde em todos os IAPs, e levando a uma ampliação da rede de serviços de saúde previdenciária. Como resposta, em 1960, o poder público uniformizou os serviços de saúde a que todos os segurados tinham direito, independente do instituto a que estivessem filiados, a partir da promulgação da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS). Entretanto, a uniformização dos benefícios não foi seguida pela unificação dos IAPs e nem pela universalização da atenção à saúde. Como consequência, o processo de prestação de serviços se tornou um tanto quanto irracional, ao mesmo tempo em que a população não previdenciária permanecia sem direitos de assistência médica.
Com a instauração da ditadura militar em 1964 por meio de um golpe de Estado contra o presidente João Goulart, ocorreram novas mudanças na saúde com favorecimento claro da medicina liberal privada. Em 1966, os IAPs foram unificados no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Entretanto, o INPS manteve o foco na assistência à saúde individual, expandindo o modelo biomédico de atendimento a partir do financiamento direto e compras de serviços para os hospitais privados. Com estes incentivos, o setor privado de clínicas, hospitais, equipamentos e medicamentos, experimentou um grande crescimento sem que para isso houvesse uma melhora significativa na assistência à saúde (Junior & Alves, 2007).
Neste período, o Brasil experimentou uma política claramente privatista dos serviços de saúde. O caráter promíscuo da parceria público/privada evidenciou sua iniquidade diante da impossibilidade de gerir os processos obscuros que se davam por detrás de tantos incentivos. Cada paciente era um “cheque em branco” uma vez que a previdência era obrigada a pagar as faturas que chegavam oriundas dos “tratamentos” realizados. Afinal, quem discutiria se o paciente precisava ou não de Raio-X, de cirurgia, de três ou dez consultas etc.? Sem falar que os custos do sistema aumentavam progressivamente, e a forma de compra de serviços, chamada de Unidades de Serviço (US), que em geral valorizava os procedimentos mais especializados e sofisticados, era suscetível a fraudes. Assim, a capacidade gestora do sistema foi erodida por dentro, reforçando a sua irracionalidade.
O Brasil vivia o auge da medicina curativa. A política de saúde hegemônica era a da mercantilização da medicina sob o comando da Previdência Social. Em 1974 foi criado o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), desmembrado do Ministério do Trabalho e Previdência Social. Logo de início ficou clara a preponderância do novo ministério sobre o Ministério da Saúde. O MPAS era o segundo maior orçamento da União, apenas superado pelo da própria União. O movimento sanitário acolhido no Ministério da Saúde era contra-hegemônico e aspirava a transformação do sistema vigente que, como sabemos, era caracterizado pela dicotomia das ações de saúde pelas estatais. Dentre suas principais distorções, destacava-se a corrupção normatizada pela forma de pagamento conhecida como Unidade de Serviço (US) (Escorel, 1999).
Este quadro se manteve parcialmente inalterado até 1975. Posteriormente foi instituído o Sistema Nacional de Saúde (SNS) pela Lei nº 6.229, de julho de 1975, visando superar a descoordenação imperante no campo das ações de saúde. Infelizmente, o SNS não foi capaz de fazer frente aos problemas apontados devido a sua restrição burocrática desprovida de real poder disciplinar. Finalmente, em 1977 foi criado o Sistema Nacional de Assistência e Previdência Social (SINPAS), e dentro dele o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). A criação do INAMPS surgiu em função das dificuldades de reduzir os custos da atenção médica, em face do modelo privatista e curativo vigente.
O projeto autárquico consistia em:
- Utilizar o SNS para articular as ações de saúde entre si.
- Coordenar, através do SINPAS, o conjunto das políticas de proteção social, e articular tais políticas com o SNS.
Esperava-se que o INAMPS, sendo uma autarquia vinculada aos dois sistemas, atuasse como braço assistencial do SNS e como braço da saúde do sistema de proteção social. A mesma lei que instituiu o SNS, também atribuiu ao Ministério da Saúde a responsabilidade de formulação de políticas em saúde e execução das ações de interesse coletivo, e ao SINPAS, através do INAMPS, as ações médico assistenciais individualizadas. Ou seja, do ponto de vista estrutural não havia ocorrido grandes mudanças. Em termos práticos, o INAMPS passou a ser o órgão prestador da assistência médica à custa de compra de serviços médico-hospitalares e especializados do setor privado.
Como resultado de toda esta panaceia, os subsídios diretos dados a empresas privadas para a oferta de assistência médica a seus empregados foram substituídos por descontos no imposto de renda, levando à expansão da oferta de serviços médicos e ao crescimento de planos de saúde privados. Como era de se esperar, os resultados da política de saúde do INAMPS, associados à recessão econômica da década de 1980, geraram uma crise de financiamento na previdência que alimentou os anseios por uma reforma sanitária (Paim, 2010).
Resumo do Capítulo 3
Em 1930, durante o governo provisório, o Brasil alcançou a condição necessária para a efetivação de uma política nacional de saúde pública. Os principais aparelhos estatais foram: MESP (1930) e o MTIC (1933). Nesta época, o Governo Vargas se estruturou como um Estado nacional, centralizador e intervencionista, capaz de responder com políticas sociais aos conflitos urbanos por meio do MTIC e do MESP. As ações de caráter coletivo e campanhista ficaram a cargo do MESP, e as ações individuais e curativas permaneceram vinculadas aos MTIC. Em 1937, após intensa reestruturação, o MESP passou a ser chamado de Ministério da Educação e Saúde (MES). A estrutura do MES era constituída pelo Departamento Nacional de Educação (DNE) e pelo Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP). As principais características da reforma foram o estabelecimento de quatro eixos orientadores: educação, saúde pública, assistência social e cultura. Na saúde pública foram criadas as Delegacias Federais de Saúde (DFS), os Serviços Nacionais de Saúde (SNS) e as Conferências Nacionais de Saúde (CNS). Apesar de todo o aparato burocrático o quadro epidêmico e sanitário brasileiro ainda era dramático. Com a instauração da ditadura militar em 1964, os IAPs foram unificados no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que passou a subsidiar com financiamentos diretos os hospitais privados, levando a uma expansão do setor privado de clínicas, hospitais, equipamentos e medicamentos, sem que houvesse uma melhora significativa na assistência à saúde. A política do INPS não foi capaz de conter os gastos crescentes da previdência e nem as fraudes cometidas na parceria público/privado. Em 1977, foi criado o Sistema Nacional de Assistência e Previdência Social (SINPAS), e dentro dele, o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). A criação do INAMPS surgiu em função das dificuldades de reduzir os custos da atenção médica em face do modelo privatista e curativo vigente. Na prática, o INAMPS passou a ser o órgão prestador da assistência médica à custa de compra de serviços médico-hospitalares e especializados do setor privado. A política do INAMPS gerou uma crise de financiamento na previdência que alimentou os anseios por uma reforma sanitária.
1. CASTRO-SANTOS, Luíz Antonio; FARIA, Luíz. Os primeiros centros de saúde nos Estados Unidos e no Brasil: um estudo comparativo. Teoria e Pesquisa. Rio de Janeiro: v. 40, n. 41, p. 137-181, 2002.
Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_nlinks&ref=000037&pid=S0102-311X200900090002300006&lng=en. Acesso em: 20 de fev. 2021.
2. JUNIOR, Aluisio Gomes da Silva; ALVES, Carla Almeida. Modelos Assistenciais em Saúde: desafios e perspectivas. In: MAROSINI, Marcia Valéria; CORBO, Anamaria D’Andrea (org.). Modelo de atenção e a saúde da família. Rio de Janeiro: FIOCRUZ. 2007. p. 1– 5. Disponível em: https://app.uff.br/riuff/bitstream/1/8459/1/modelosassistenciaisemsa%C3%Bade.pdf. Acesso em: 20 de fev. 2021.
3. ESCOREL, Sarah. As Origens do Movimento Sanitário. In: ESCOREL, Sarah. Reviravolta na saúde: origem e articulação do movimento sanitário. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1999. p. 19-51. Disponível em: https://static.scielo.org/scielobooks/qxhc3/pdf/escorel-9788575413616.pdf. Acesso em: 20 de fev. 2021.
4. PAIM, Jairnilson; TRAVASSOS, Claudia; ALMEIDA, Celia.; BAHIA, Ligia; MACINKO, James. O Sistema de Saúde Brasileiro: história, avanços e desafios. Salvador: The lancet. v. 6735, n. 11, p. 60054-60058, 2011. Disponível em: https://actbr.org.br/uploads/arquivo/925_brazil1.pdf, Acesso em: 20 de fev. 2021.
5. HAMILTON, Wanda; FONSECA, Cristina. Política, atores e interesses no processo de mudança institucional: a criação do Ministério da Saúde em 1953. Rio de Janeiro (RJ): Hist. cienc. saude-Manguinhos. v. 10, n. 3, p. 791-825, 2003. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702003000300002&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 20 de fev. 2021.
6. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro (RJ). Paz & Terra, 1968. Disponível em: https://cpers.com.br/wp-content/uploads/2019/10/Pedagogia-do-Oprimido-Paulo-Freire.pdf. Acesso em: 20 de fev. 2021.
7. AGUIAR, Zenaide Neto. SUS. Sistema Único de Saúde: antecedentes, percurso, perspectivas e desafios. São Paulo: Martinare, 2011. Disponível em: Biblioteca Pearson. Acesso em: 20 de fev. 2021.
8. CORDOBA, Elisabete. SUS e ESF: Sistema Único de Saúde e Estratégia Saúde da Família. São Paulo: RIDEEL, 2013. Disponível em: Biblioteca Pearson. Acesso em: 20 de fev. 2021.
9. BUSATO, Ivana Maria Saes; GARCIA, Lavana de França; GARCIA, Izabelle Crstina. SUS: estrutura organizacional, controle, avaliação e regulação. Curitiba: Intersaberes, 2019. Disponível em: Biblioteca Pearson. Acesso em: 20 de fev. 2021.
10. PONTE, Carlos Fidelis; FALLEIROS, Ialê. Na corda bamba de sombrinha: a saúde no fio da história. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2010. Disponível em: https://www.epsjv.fiocruz.br/publicacao/livro/na-corda-bamba-de-sombrinha-a-saude-no-fio-da-historia?fbclid=IwAR27drgpe3QCLjst9GT1a_Xn-MEscaNoGmLJOW70o2--zuVzte1mJFTsyY0
Midiateca
Mídia 1
Era Vargas: o Estado Novo (1937-1945)
Descrição/Sinopse da mídia:
Características gerais do período chamado de Estado Novo.
Fonte da mídia:
https://www.youtube.com/watch?v=Gxrh6YoMT50.
Mídia 2
Questões políticas do segundo governo Vargas contribuíram para a criação do MS, há 60 anos.
Descrição/Sinopse da mídia:
A criação do Ministério da Saúde em 1953.
Fonte da mídia:
Mídia 3
O golpe de 1964.
Descrição/Sinopse da mídia:
Reportagem sobre a ditadura militar, suas causas e consequências.
Fonte da mídia:
https://www.youtube.com/watch?v=VZBgoV9HFFs.