terça-feira, 30 de junho de 2009

A embriologia fractal do Mesozoico - o comportamento fractal.

Muitas pessoas não estão acostumadas com as macro escalas temporais das eras geológicas. Em qualquer situação ou em quase todas o tempo entre uma era e outra compreende um período de milhões de anos. Por exemplo, no post anterior foi sugerido que as gimnospermas apareceram primeiro que as angiospermas ao longo das eras geológicas. As eras geológicas são divisões da escala de tempo relacionadas à evolução geológica do planeta. Também são importantes para situar a idade e o surgimento das espécies vegetais e animais na terra. Assim, a evolução do planeta pode ser dividida em quatro eras, sendo elas: 1) Pré-Cambriano (4,5 bilhões até 570 milhões de anos atrás); 2) Paleozóica (545 milhões até 248 milhões de anos); 3) Mesozóica (245 milhões até 65 milhões de anos atrás) e 4) Cenozóica (65 milhões e 500 mil anos até o presente). Cada era é dividida em períodos. No quadro abaixo estão esquematizados os períodos da era mesozoica:
De acordo com este quadro, do mais antigo para o mais recente temos os períodos triássico, jurássico e cretáceo. Eu tenho especial predileção pela era mesozoica pois compreende os períodos em que floresceram e desapareceram os dinossauros. Tudo isso em mais ou menos 160 milhões de anos. 

Conforme havíamos dito, as angiospermas atuais (plantas com flores e sementes dentro de frutos) teriam surgido apenas no Cretáceo Inferior há cerca de 140 milhões de anos. Antes disso as florestas eram formadas predominantemente por cicadáceas (gimnospermas com folhas semelhantes às das palmeiras, tronco grosso mas nunca chegando à altura de uma árvore), coníferas (árvores e arbustos gimnospérmico chamados de pinheiros ou araucárias), além de pequenos pteridófitos arborescentes (samambaias). Um ambiente geral característico do jurássico é apresentado na imagem abaixo. A partir deste mundo primitivo, sem flores e frutos verdadeiros, surgiram as angiospermas (Cretáceo Inferior há cerca de 140 milhões de anos) e sua explosão de cores, formas e tamanhos. No rastro das flores e seus saborosos néctares, uma variedade enorme de insetos polinizadores em um processo de coevolução animal/vegetal jamais visto. Coincidência ou não, novas evidências fósseis, mas não moleculares, indicaram que o surgimento dos mamíferos modernos data do final do Cretáceo após a extinção dos dinossauros. Em fim, o cretáceo “é o cara”. Ou seja, a emergência dos vegetais e animais modernos tais como os conhecemos hoje. Na imagem abaixo, imaginamos uma geometria representativa da forma com que alguns vegetais ocupavam os espaços no Triássico:

  Ou seja, um mundo com vegetais pouco ramificados e imensos espaços entre eles, permitindo o deslocamento de animais de “grande porte” como no caso dos dinossauros. Com o passar das eras, este mundo se transformou e evoluiu para uma nova organização mais eficiente no seu pragmatismo em fixar carbono e crescer ocupando menos espaço, principalmente em regiões de clima temperado onde as florestas se tornaram mais densas. É o alvorecer de uma nova arquitetura natural, mais complexa e interativa. É a era das aves e pássaros e o fim dos pterossauros (répteis alados). É o surgimento da flexibilidade articular dos mamíferos frente a emergência dos espaços irregulares e profundamente curvos. É o período das ramificações emaranhadas, das redes biológicas que transformaram as florestas em uma malha interligada na qual passaram a transitar inúmeras espécies de insetos, seres alados e mamíferos de médio e pequeno porte. Nos estratos superiores das florestas, uma rede fractal interconecta por cima as copas das árvores e por baixo as raízes que também apresentam um padrão de formação autossimilar. A figura abaixo esquematiza a complexidade adquirida por estas florestas a partir do surgimento das angiospermas. O surgimento das angiospermas está relacionado com as profundas transformações ocorridas desde o período cretáceo. Entretanto, não posso afirmar que este padrão de desenvolvimento seja determinado por um gene embrião fractal que impulsione um comportamento autossimilar de crescimento e distribuição, embora tal hipótese me pareça plausível. O fato é que tanto nas monocotiledôneas quanto nas dicotiledôneas (as duas principais divisões das angiospermas), o crescimento ocorre por um tipo de brotamento no qual estruturas semelhantes (embriões fractais) aparecem como se saíssem umas de dentro das outras, semelhante à ilustração feita por Mariana Massarani exclusivamente para este blog (imagem no alto do texto). Nela, vemos indicado em uma bromélia, as futuras folhas que apresentam o mesmo aspecto geral da planta. Ufa! Por enquanto é só.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Um pouco de tudo e mais fractais

Algumas coisas ainda me deixam perplexo. Recentemente fui convidado de última hora para uma entrevista que tinha por objetivo confrontar a opinião de um cientista contra a de um teólogo a respeito da teoria da evolução. Tratava-se de uma monografia de final de curso de comunicação. Me surpreendi com a iniciativa uma vez que no próprio objetivo do projeto subtendia que “teoria da evolução” para muitos ainda era uma questão de crença baseada em opiniões próprias. Não é! Ainda estamos cometendo enormes equívocos por conta de um resquício de polêmica entre crença e conhecimento, e isto a epistemologia explica muito bem. A Teoria da Evolução é um fato sustentado por várias evidências científicas fornecidas pela paleontologia e geologia a partir de inúmeros achados fósseis e geológicos, todos devidamente datados por métodos cada vez mais sofisticados. E não para por aí! Áreas do conhecimento tais como genética, biologia molecular e anatomia comparada fornecem cada vez mais subsídios para a compreensão da evolução, algo que para cientistas e pessoas atentas não tem nada a ver com crença mas com conhecimento. O que eu estou querendo dizer? Que a ciência não pode ser contestada? Não é isso! A ciência pode e deve ser contestada pois este é um dos mecanismos do seu avanço. Entretanto, a ciência deve ser contestada com mais ciência, pois quando o conhecimento científico passa a ser encarado como uma crença irrefutável, intocável e imutável, torna-se dogmática e estabelesse-se aí as condições para o seu fracasso. É isso que se chama paradigma engessado (ver o livro pensamento sistêmico, pg. 33). O ideal é que as mudanças de paradigmas ocorram continuadamente. Vejamos um exemplo prático:

Voltando ao tema fractais
Para quem leu os últimos posts já sabe quase tudo sobre fractais. Para quem não leu fica aqui o convite para que o faça ou assista o vídeo apresentado pelo matemático espanhol Antonio Pérez Sanz. Durante a minha tese eu estava bem empolgado com o tema fractais e pedi a um aluno de iniciação científica que pesquisasse na internet algo interessante sobre esse tema. Ele me trouxe um artigo chamado “Caos e linguagem dos fractais”. Infelizmente o link que daria acesso ao artigo está corrompido, mas se você quiser saber mais sobre os autores do artigo “André Calixto Vieira” e “César de Oliveira Lopes” faça uma pesquisa na internet. Pois bem, junto com o artigo veio um conceito interessante chamado “embrião fractal”. Para Vieira e Lopes (2003), o embrião fractal é o elemento fundamental da figura, ou seja, aquele que se mostra repetitivo em qualquer escala (lembra-se do que falamos sobre autossimilaridade?). Então, se uma árvore possui ramos que se ramificam “infinitamente”, o embrião fractal, ou elemento fundamental da copa da árvore será uma imagem semelhante a uma forquilha. Concorda?

A ideia de um embrião fractal é ótima pois permite a visualização de uma estrutura fractal no tempo, isto é, dentro de um processo dinâmico de desenvolvimento e crescimento. Assim, mesmo formas da natureza que não se parecem com uma estrutura fractal podem ser classificadas como fractais por terem um comportamento fractal. Basta identificar o embrião fractal e verificar se durante o crescimento da estrutura ele aparece novamente, e assim por diante. Para exemplificar o que eu estou dizendo, vemos colocar os vegetais em termos de classificação e evolução.

Dos chamados vegetais superiores temos as Gimnospermas (plantas como as araucárias e pinheiros que possuem sementes sem frutos) e as Angiospermas (orquídeas, mangueiras, bananeiras e uma infinidade de outras plantas que possuem sementes dentro de frutos). Não se sabe ao certo se as angiospermas evoluíram das gimnospermas ou se ambas possuíram um ancestral comum (Crane 1988, Doyle et al. 1994, Price, 1996). O que se sabe é que, de acordo com os registros fósseis, o apogeu das gimnospermas ocorreu durante o baixo e médio Mesozóico (Triássico e Jurássico) e as angiospermas atuais teriam surgido apenas no Cretáceo Inferior há cerca de 140 milhões de anos . Veja a figura abaixo.

Neste momento nos interessa aprofundar o assunto apenas sobre as angiospermas. Estudaremos nas angiospermas os seus dois principais taxons (monocotiledôneas e dicotiledôneas) e as diferenças nas suas vasculaturas. Vamos fazer o seguinte, este post está ficando grande demais e não é a nossa intenção. Me comprometi em discutir a importância do conceito de embrião fractal, sua aplicação na biologia e na evolução das angiospermas e isso parece ter relação com o sistema vascular das monocotiledôneas e dicotiledôneas e outras coisas mais. Então, esperem mais uma semana, ou menos, e tudo isso ficará bem colocado. Grande abraço e até lá.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Fractais na Natureza


Fractais na Natureza


Prezado (a) amigo (a), se quiser utilizar o meu trabalho como referência para o seu trabalho, siga o modelo abaixo


ROMANHA, W. S. Fractais na natureza. 30 jun. 2009. Disponível em: < http://microsintonias.blogspot.com/2009/06/fractais-na-natureza.html>. Acesso em: 



No último post sugeri que as desordens encontradas nas interfaces entre sistemas biológicos poderiam ser entendidas utilizando o conceito de geometria fractal. Para que algo seja considerado fractal é necessário que se tenha uma propriedade fundamental denominada autossimilaridade. Apesar da ideia de fractais estar atrelada a um conceito estritamente matemático, inúmeras formas encontradas na natureza satisfazem as condições necessárias para que sejam consideradas fractais. Um bom exemplo é a copa das árvores. Em uma árvore típica, a formação da copa começa a partir das ramificações iniciais do tronco. De forma similar às primeiras ramificações, cada ramo principal sofre novas ramificações que se repetem até as ramificações terminais onde surgem as folhas. Observe o exemplo abaixo. Nesta árvore, a autossimilaridade está esquematizada ao lado.

No esquema acima, utilizando o modelo encontrado no livro de Mendelbrot (1977) e modificado por Goldberger (1987), resolví comparar uma imagem verdadeira de uma árvore sem folhas.  Ali podemos perceber os ramos “infinitos” de uma árvore. Observe que a cada vez que um dos ramos é ampliado, revela a presença de novos ramos, e assim por diante, sugerindo que o galho se ramifica por inúmeras gerações em escalas cada vez menores tendendo ao infinito. Isto é autossimilaridade! Qualquer estrutura em menor escala é similar a forma em maior escala. É como se a árvore fosse formada por milhares de pequenas árvores progressivamente menores (Mandelbrot, 1977, West & Goldberger, 1987).

Mesmo ao nível de uma folha podemos perceber a autossimilaridade tal qual observamos nos galhos da árvore. Genericamente, as folhas são divididas nas seguintes partes: bainha, pecíolo e limbo. O pecíolo surge das ramificações menores das árvores. Conforme a figura mostra, o pecíolo gera vários ramos que se ramificam posteriormente. O limbo nada mais é do que a parte verde da folha ou tecido vegetal formado por células fotossintetizantes. Assim, o pecíolo é a continuação de um sistema vascular que se origina na raiz da planta com o objetivo de transportar seiva bruta para as células da folha (o limbo). As ramificações desde o tronco até os ramos terminais dos pecíolos reproduzem um padrão também observado no sistema vascular dos mamíferos. Ou seja, as ramificações terminais dos pecíolos equivalem aos capilares sanguíneos que se originam das arteríolas do nosso corpo e nutrem as células na intimidade dos tecidos; ou as ramificações terminais da árvore brônquica (bronquíolos do pulmão) que ao nível dos sacos alveolares realizam as troas gasosas. Tanto as ramificações dos pecíolos dos vegetais quanto os capilares sanguíneos e os bronquíolos são pequenos e finos o suficiente para interagirem diretamente com as células de cada tecido correspondente, e todos eles reproduzem um padrão fractal.

Quando as folhas das árvores caem no solo de uma floresta úmida o limbo é a primeira estrutura a ser decomposta pelos microrganismos presentes. Como resultado, sobra apenas o esqueleto da folha formado pelas ramificações do pecíolo que pode ser encontrado no chão da floresta.

Assim, conforme demonstramos, o esqueleto da folha apresenta uma estrutura autossimilar que satisfaz todas as condições de uma estrutura fractal.

Então, como primeira conclusão, o estudo das formas fractais presentes na natureza corresponde a um tipo de geometria da natureza. Entretanto, é uma geometria que não tem nada a ver com as formas que estamos habitualmente acostumados tais como esferas, polígonos ou mesmo os sólidos platônicos (figura abaixo) que a partir dos quais Platão procurou explicar o universo.


Platão buscou nos sólidos regulares a explicação para a origem do universo. Da esquerda para a direita temos: octaedro, icosaedro, cubo (ou hexaedro), tetraedro e um dodecaedro.

Do ponto de vista do pensamento matemático antigo, alguns estudiosos importantes como Galileu e Descartes foram obcecados por encontrar nos resultados de suas pesquisas figuras geométricas ditas perfeitas como a parábola, a elipse e o círculo. Acreditavam que a natureza não tinha muita escolha na formalização dos seus fenômenos que não os traçados bem comportados descritos por Euclides (Revisado em Ricieri, A. P., 1990). Hoje, sabe-se que as formas da natureza não obedecem apenas a lógica da geometria clássica ou Euclidiana. O matemático Francês Benoit Mandelbrot, um dos pais da geometria fractal, havia percebido isto muito antes de 1983 quando declarou o seguinte no seu livro A Geometria Fractal da Natureza: “nuvens não são esferas, montanhas não são cones, linhas costeiras não são círculos, cascas de árvores não são suaves e nem o raio se propaga em linha reta”.


"Formas da natureza que não obedecem as leis matemáticas da geometria clássica ou Euclidiana"

Essas afirmações deixam claro que as formas ou a geometria da natureza respeitam outras leis geométricas. Estas não são definidas apenas pelas dimensões tradicionais, ou seja, a primeira (a reta), segunda (o quadrado) e terceira dimensões (o cubo), mas também pela dimensão dos fractais na qual a autossimilaridade é a principal propriedade (mas não a única).

Qual é a importância dos fractais em biologia? Segundo um cientista chamado Cross (1994), a dimensão fractal pode ser entendida como uma medida de complexidade. De fato, a função de vários órgãos do corpo dos mamíferos bem como a atividade das plantas está relacionada diretamente com a forma adquirida por eles ao longo da evolução. Nós aprendemos nos primeiro e segundo graus que as células do intestino possuem vilosidades e que estas por sua vez possuem microvilosidades. A análise dessas vilosidades mostrou que elas possuem um padrão fractal (microvilosidades que surgem de vilosidades, que surgem de dobras intestinais e que por sua vez surgem das alças curvas intestinas, e assim por diante). A disposição das microvilosidades intestinais potencializa o nível de absorção de nutrientes para o interior da célula devido ao aumento da área ou superfície de contato com os alimentos. Isto só ocorre porque a estrutura é fractal.

O mesmo acontece com as árvores. A disposição fractal da copa das árvores potencializa e maximiza a exposição de uma quantidade enorme de folhas ao sol, permitindo maior eficiência na captação de luz. A disposição fractal das árvores adultas também permite que elas lancem novos ramos durante todo o ano sem que o aumento do perímetro da copa seja perceptível. Então, uma estrutura fractal fornece o máximo de eficiência com o mínimo de ocupação de espaço. Veja o caso dos vasos sanguíneos dos animais.

No caso dos vasos sanguíneos, a natureza de suas ramificações é fractal e como tal tende a um crescimento infinito. Assim, apesar do sangue ocupar pouco espaço, não mais do que 5% do corpo, na maioria dos tecidos nenhuma célula está a uma distância de mais de três ou quatro células de um vaso sanguíneo (Gleick, 1989).

Para concluir, a propriedade fractal da uma determinada vegetação é determinante para o tipo de fauna existente ali. Quanto mais complexa a trama verde de uma floresta, mais favorável será para a presença de pequenos artrópodes e assim por diante. Se você quiser saber mais sobre fractais veja o seguinte site: http://math.rice.edu/~lanius/frac/ ou baixe o programa WINFRACT para windows e divirta-se.

Grande abraço e até a próxima.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Interface Fractal

Interface Fractal


Prezado (a) amigo (a), se quiser utilizar o meu trabalho como referência para o seu trabalho, siga o modelo abaixo


ROMANHA, W. S. Interface Fractal. 30 jun. 2009. Disponível em: Editor de postagem: visualização (blogger.com) Acesso em: 


Durante o meu doutoramento na Fundação Oswaldo Cruz, participei do desenvolvimento de uma técnica com físicos e matemáticos para definir os limites da interface biológica entre dois tipos de tecido animal. O conceito de interface, segundo Pierre Lévy, remete a uma superfície de contato, ou  de tradução, ou até mesmo de articulação entre dois espaços, que também podem ser duas espécies ou duas ordens de realidades diferentes. Este conceito serve muito bem à biologia uma vez que ultrapassa o caráter reducionista da física ou da matemática. Para nós, interface biológica é um lugar de fronteira que apresenta características dos dois sistemas. Nas interfaces não se reconhece culturas distintas, ecossistemas bem configurados ou soluções homogêneas. O que existe é uma mistura de culturas, de ecossistemas ou de soluções. É comum na fronteira entre países não se falar nem uma língua nem outra, mas um dialeto emergente, como o “portunhol” falado na divisa entre as cidades de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, na fronteira entre o Brasil e Paraguai.

Em ecologia, o termo utilizado para interface é Ecótono. Nos livros sobre ecologia, ecótono é uma transição entre biomas diferentes, geralmente representada por uma área significativamente menor que as áreas dos próprios biomas adjacentes. A comunidade do ecótono pode conter organismos vegetais e animais de cada uma das comunidades que se entrecortam, bem como possuir outros que só existem lá, como é o caso dos ecótonos sul amazônicos na transição entre o sertão e a floresta amazônica, onde foram registrados endemismos até de primatas como os saguis Mico melanurus e o Mico intermedius.

Ao utilizar um modelo da minha tese de doutorado em patologia experimental, percebi que a "desordem" na interface entre sistemas biológicos poderia ser medida matematicamente para ajudar na sua classificação e compreensão de sua complexidade ou gravidade. Exemplo hipotético: Se pudermos visualizar uma interface entre dois sistemas a partir de uma distância relativa a uma foto de satélite ou por imagens obtidas por um drone, veremos um sistema do tipo A de um lado, um sistema do tipo B do outro e uma zona de transição C entre eles (como uma região de transição entre o cerrado e a floresta amazônica, ou mesmo a transição entre um tecido tumoral e um tecido normal de animais doentes fotografado em microscopia). Nessa imagem perceberemos componentes dos dois sistemas na interface. Para facilitar a visualização, poderemos atribuir cores para cada um dos componentes dos diferentes sistemas. Por exemplo, vermelho para os componentes de A e preto para os de B. Com base nessas cores, desenharemos uma linha de uma extremidade a outra ligando os componentes de A e B presentes no ecótono, e separando o que é só de A em um lado e o que é só de B no outro. O resultado fornecerá uma traçado de trajetória sinuosa e irregular pois representará as diversas maneiras com que sementes de vegetais se dispersam na interface entre os dois biomas. Com base nos resultados inferidos hipoteticamente, a dispersão das sementes relacionada provavelmente com as correntes de vento ou mesmo com o transporte das mesmas feito por aves e mamíferos, definirá um traçado de trajetória irregular representativo da interface entre os sistemas biológicos. Este traçado se assemelhará com a trajetória feita por pequenas partículas em meio líquido, chamada de Movimento Browniano (ver primeira figura acima).

Em ciência, coisas que aparentemente não tem nada a ver umas com as outras às vezes se encaixam perfeitamente a ponto de fornecer respostas para um determinado problema. A trajetória irregular da linha obtida na experiência anterior é semelhante à trajetória que um grão de pólen faz quando suspenso em água. Esse movimento foi observado e descrito pela primeira vez em 1827 pelo Botânico Escocês Robert Brown e ficou conhecido como Movimento Browniano. A partir daí, vários trabalhos foram publicados, culminado com um artigo publicado em 1905 pelo então desconhecido Albert Einstein.

Uma das coisas mais interessantes no Movimento Browniano é que ele possui uma propriedade que os cientistas chamam de autossimilaridade. Isto é, em qualquer aumento (ou escala) a curva parece sempre do mesmo jeitão. Ou seja, à medida em que se observa a curva em diferentes aumentos, ela repete o padrão irregular dos aumentos anteriores (clique na figura abaixo para visualizar em maior aumento). Hoje em dia, uma curva com esse tipo de propriedade é chamada de "fractal".



Assim, a linha irregular traçada entre os sistemas A e B do nosso experimento hipotético descreve uma curva fractal.

A minha interpretação é que essa linha fractal representa o grau de inter-relação entre os sistemas. Ou seja, quanto mais sinuosa ou irregular for essa linha, maior o grau de interação dinâmica entre os sistemas A e B (novas espécies, novos dialetos, florestas típicas, diferentes tipos de solos, etc.). Essa determinação de ser mais ou menos irregular é dada por um cálculo no qual o grau de irregularidade de uma curva fractal pode ser medido através de um índice numérico fracionado que varia entre um e dois. Essa técnica é utilizada em Física e em Biologia para a determinação da dimensão fractal de determinadas interfaces e será discutida aqui mais adiante.

Vou continuar falando sobre fractais no próximo post e tenho certeza de que este conceito ficará cada vez mais claro. Abraços e até lá.

terça-feira, 12 de maio de 2009

O problema da forma


Por que os organismos vivos possuem as formas que possuem? A pergunta é pertinente já que o sucesso dos seres vivos depende de pelo menos três aspectos básicos: 1) a conservação da organização da vida; 2) a dinâmica do processo de existir (no sentido de desenvolvimento, movimento/deslocamento e atividade biológica); 3) e a morfologia 3D na interação com o meio ambiente.

As formas adquiridas pelos seres vivos são determinantes para suas funções ou atividades e é condição de sobrevivência dentro da topografia ambiental (relevo). Se você for redondo poderá rolar bem ou mal no chão, a depender do relevo geral do ambiente. Mas se você não for redondo, não rolará.

Ao se observar as primeiras formas de vida, ou seja, aquelas mais primitivas e que são primeiramente descritas nos livros de zoologia de invertebrados, percebemos que a maioria é assimétrica, com padrões de crescimento irregulares, podendo ser sésseis (que não se desloca voluntariamente) ou rastejantes tais como as esponjas marinhas e o Trichoplax adhaerens, respectivamente. As esponjas são organismos sésseis provavelmente por serem, na sua maioria, animais irregulares com padrões diversificados de crescimento (eretos, incrustantes ou ramificados). O Trichoplax adhaerens é um metazoário rastejante de corpo achatado e assimétrico, feito de um agregado de uns poucos milhares de células de quatro tipos diferentes que se organizam em três diferentes locais. É considerado o organismo de menor conteúdo de DNA de todo o reino animal (até o momento). Pois bem, de alguma maneira, a partir daí, a evolução animal seguiu no sentido da simetria radial e /ou bilateral. Os desenhos dos corpos de muitos animais com simetria bilateral apresentam proporções entre comprimento e largura conhecidas como Proporção Aurea. A proporção áurea, também denominada phi (φ), é um número irracional igual a 1,618 obtido a partir da seguinte igualdade: φ = (a+b) : a = a : b. Então, considerando o esquema dado na figura abaixo,
o resultado da equação algébrica será igual ao número phi (φ). Como já foi dito, esta proporção tem sido encontrada em várias partes do corpo humano e de outros animais, bem como em alguns tipos de sementes vegetais ou mesmo em padrões de crescimento de conchas de moluscos ou populações de coelhos, entre outros, e inspirou Leonardo da Vinci a fazer o seu Homem Vitruviano (figura ao lado) e, segundo alguns, a própria Monalisa. Entretanto, muito antes disso, foi utilizada na Grécia antiga em uma das obras mais orgânicas da antiguidade: o Parthenon.

Se retornarmos um pouco mais no tempo geológico, mais especificamente há 1800 milhões de anos atrás, no pré-cambriano, em plena emergência dos primeiros fito flagelados (organismos unicelulares autotróficos) ou das primeiras células fotossintetizantes, perceberemos claramente que em grande parte desses organismos a evolução se deu não no sentido da simetria bilateral, da qual extraímos a proporção áurea, mas no sentido das irregularidades, das assimetrias, das ramificações e incrustações aparentemente desajeitadas. Estamos falando da evolução dos vegetais como contraponto à evolução animal. Se por um lado uma grande parte dos animais são simétricos e móveis, por outro os vegetais são assimétricos e obrigatoriamente sésseis. Ambos extremamente relacionados, pois o veneno de um (dióxido de carbônico) é o “combustível” do outro.

Então, parece que a evolução no seu sentido mais amplo teve como característica principal o paradoxo das formas. Ou seja, a regularidade simétrica dos animais gerando o movimento, no sentido de deslocamento do ponto A para o ponto B, e a irregularidade assimétrica e séssil dos vegetais. Ambas sempre em consonância com a topologia ambiental. Esta aparente contradição gerou uma pressão ambiental sobre os ancestrais do homem que levou ao desenvolvimento de articulações capazes de realizar movimentos precisos entre espaços mínimos, como foi o caso dos australopitecus, presos entre o “bipedismo” terrestre e a vida nas árvores. Assim, configurou-se duas geometrias da natureza: uma das formas regulares e proporcionais, como é o caso da geometria euclidiana, e a outra das formas irregulares e descontínuas, com é o caso da geometria dos fractais de Mandelbrot. E é exatamente sobre a geometria dos fractais aplicada à forma dos seres vivos que pretendo me aprofundar nos próximos posts.
Grande abraço e até lá.

domingo, 26 de abril de 2009

Voltando ao tema "o que é vida?"


Desde que montei esse blog nunca fiquei tanto tempo sem postar. Entretanto o motivo é compreensível já que perder doze dias pensando no que seja a vida significa tentar sintetizar o que muitos vem pensando há décadas. Bom, a leitura deste texto não está completamente condicionada a leitura da postagem anterior, mas para quem leu, pode ter tido a impressão de que estava tentando acentuar divergências entre Maturana e Darwin. Não se tratava disso, até porque o meu interesse nas teorias de Maturana é pontual. Por outro lado, não podemos desejar que a biologia seja reduzida a um único pensamento e que todas as respostas se encerrem na questão da seleção natural pois nem mesmo Darwin considerava essa última como a única explicação para a diversidade biológica. Também acho importante grifar que falar de Maturana implica em algo que pode ser complementar a Darwin pois "origem das espécies" é diferente do que seja "o que é vida". Então, estamos falando de dois domínios diferentes. Um que obrigatoriamente se situa no fluxo do tempo e portanto é dependente dele. Ou seja, um tempo filogenético no qual a adaptação deriva de um processo. O outro que, da forma como entendo, é independente do tempo pois de acordo com Maturana, organizações vivas não se modificam ou se adaptam, apenas se conservam tal como são, apesar de seus contextos ontogenéticos (nascimento e morte de um organismos) e filogenéticos (evolução). Então, Maturana estaria preocupado com o que é a vida independente do seu ciclo, e esse parece ser um dos seus pontos de partida: a vida é.

Se você está achando que eu estou dizendo que a vida é atemporal, é exatamente isso. Se pensarmos como Maturana só poderemos chegar a essa conclusão. Neste contexto, estar vivo independe do tempo. Não tem nada a ver com relatividade ou coisa parecida. Uma tartaruga de 200 anos está tão viva quanto uma de 200 segundos pois a vida para Maturana é uma organização fechada. Se for mudada ela se desintegra e morre. Para continuarmos esse pensamento seria interessante uma breve contextualização histórica, mas não sem antes dizer que o componente atemporal da vida que quero discutir aqui só faz sentido quando iluminado pelo pensamento de Maturana e Varela.

Em 1920, o Biólogo austríaco Ludwing von Bertalanffy estava incomodado com o enfoque mecanicista, dado pela física, atribuído às teorias e pesquisas biológicas. Ele achava que ao adotar o enfoque mecanicista desprezava-se na biologia exatamente o que era essencial ao fenômeno da vida: a organização, ou seja, “interações fortes e não triviais entre as partes que a compõem” (Bertalanffy, 1968). Bertalanffy ao elaborar a “teoria geral dos sistemas” em 1968, distinguiu duas vertentes teóricas das “ciências dos sistemas”. Uma mecanicista e outra organicista. A organicista estava relacionada com a teoria geral dos sistemas (proposta por ele mesmo) e a mecanicista com a cibernética, do matemático Americano Norbert Wiener. Assim, a Teoria Cibernética seria mecanicista por sua associação com as máquinas, ou sistemas artificiais, e a Teoria Geral dos Sistemas seria organicista por sua associação com os organismos vivos ou sistemas naturais, quer fossem biológicos ou sociais.

Nessa época, Bertalanffy não dispunha de um conceito sobre organização dos seres vivos, mas apenas indicava algumas características comuns a essas organizações, tais como: crescimento, diferenciação, e ordem hierárquica. O aparecimento do conceito de organização dos seres vivos como uma teoria bem configurada se deveu a Humberto Maturana em 1960.

Maturana entende como “ser vivo” toda rede de interações moleculares que produz a si mesma e especifica os seus próprios limites (Maturana & Varela, 2002). Assim, Maturana introduz o conceito de “organização autopoiética” como o tipo de organização que caracteriza os seres vivos (Maturana & Varela, 2002). Autopoiese significa autoprodução ou autocriação. Segundo Emmeche e El-Hani (2000) trata-se de um termo para organização circular de um sistema vivo. Exemplo: Pense em uma célula. Seu limite é dado pela membrana biológica que forma um compartimento separado do meio externo. No interior deste compartimento todos o processos metabólicos ocorrem. Por outro lado, esse limite, ou fronteira, como no caso de uma membrana celular, é um produto do metabolismo do próprio sistema, sem o qual ele não existiria. Assim, a membrana existe por causa do metabolismo. Por outro lado, essa mesma membrana é parte intrínseca do sistema, sem a qual não poderia haver metabolismo. Cada um é determinante para a existência do outro, caso contrario se perderia a unidade do sistema que se desintegraria (figura organização circular, em baixo).
Éssa é a idéia da organização circular como atributo definidor dos sistemas vivos. Se por um lado temos uma rede de interações capaz de criar limites (membranas), por outro, esse limite se torna uma condição obrigatória para a operação da própria rede, caracterizando um tipo de complexidade circular. Têm-se aí dois aspectos de um mesmo fenômeno que gera uma unidade autopoiética autônoma, pois toda a sua dinâmica se dará dentro dos seus próprios limites, criando uma unidade distinta e separada dos processos que ocorrem além de suas fronteiras.

Acho que agora, se lermos com toda a tenção, poderemos entender as palavras de Maturana: “sistemas vivos são constituídos como unidades ou entidades discretas, com dinâmicas circulares fechadas de produções moleculares abertas ao fluxo de moléculas através delas, nas quais tudo pode mudar, exceto sua dinâmica circular fechada de produções moleculares”. Então, segundo Emmeche e El-Hani (2000), não se trata de negar a importância do intercambio entre sistema vivo e ambiente. A rede de componentes que corresponde ao sistema vivo é fechada em termos organizacionais mas aberta em termos materiais e energéticos, ou seja, ela está sempre trocando material e energia com o ambiente externo.

O tipo de organização de diferentes sistemas determina diferentes classes de sistemas (sistemas abertos ou fechados). Considerando que os seres vivos caracterizam-se por produzirem de modo contínuo a si próprios, as espécies de seres vivos se distinguem por terem estruturas distintas (tais como os gatos, cachorros, peixes, etc.), mas se igualam por terem organizações iguais, ou seja, organizações autopoiéticas (Maturana & Varela, 2002). Para Maturana, um sistema vivo e dinâmico possui organização circular, atuando como uma rede de processos fechado sobre si mesma. Entretanto, tal sistema existirá como tal enquanto sua organização se conservar ao longo das mudanças estruturais geradas pela troca com o meio externo (alimento, calor, etc).


Segundo Vasconcellos (2003), Maturana diferencia um sistema aberto de um fechado com base no fluxo de informações ou instruções que o sistema pode receber de fora. Ou seja, sistemas cujo comportamento é determinado por um input são sistemas artificiais e, portanto, sistemas abertos, pois o fluxo de componentes de fora para dentro determina o seu comportamento posterior (output), como é o caso de jogos de computador e programas geradores de imagens, no qual ao serem inseridos dados, mudam suas estruturas e organizações (figura ao lado).

No caso dos seres vivos, os sistemas apresentam um fechamento estrutural, ou seja, são fechados à informação. De acordo com esse princípio, seu comportamento não pode ser determinado de fora, por qualquer informação que seja, e o ambiente não pode ter com esses sistemas uma interação instrutiva, sendo considerado um sistema fechado.

Para concluir, os sistemas autopoiéticos não consideram o tempo como um parâmetro relevante. Segundo Letelier e colaboradores (2003), sistemas autopoiéticos são atemporais e intrinsecamente relacionais, o que os torna diferenciados e descolados das teorias que consideram o tempo como uma variável independente e enquadram os fenômenos biológicos na linguagem das equações diferenciais. Segundo Casti (1988), em certas circunstâncias, o tempo pode ser incorporado para certos modelos ou formulações, pois os sistemas vivos trocam rotineiramente de componentes dentro de uma dinâmica de destruição e criação estrutural durante a ontogenia (nascimento, aprendizado, desenvolvimento motor e morte de um ser vivo). Entretanto, na medida em que essas mudanças estruturais ocorrem, a organização do sistema se mantém inalterada, pois é atemporal. Ou seja, a estrutura muda com o tempo, mas a organização do sistema permanece inalterada (Kampis, 1991).

Sob esse aspecto, um sistema autopoiético pode ser descrito como um sistema complexo dentro das prerrogativas de Demo (2002) e Gell-man (1996), no sentido de que se trata de uma estrutura dinâmica e emergente, ou seja, muda irreversivelmente de estado ao longo do tempo sem perder a sua organização, pois essa é atemporal. Nesse contexto podemos enxergar os seres humanos. Nascem, se desenvolvem, amadurecem, envelhecem e morrem. Ou seja, mudam de estado por períodos determinados. Entretanto, não podem estar meio vivos. Ou estão vivos ou não. Grande abraço e até a próxima.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

O que é a vida?



Olá! Estamos todos conscientes de que os tópicos abordados aqui são baseados em evidências científicas até então irrefutáveis. Ou seja, 1) foi demonstrado que genes responsáveis pela formação de dentes em aves existem mas apenas em estado não funcional; 2) o Dictyostelium discoideum é um organismo unicelular que pode se organizar como um organismo multicelular, tal como os metazoários, a depender das condições ambientais; 3) tanto os genes dos colágenos quanto os das moléculas de adesão possuem sequências de pares de bases altamente conservadas, estando presentes praticamente em todas as espécies de vertebrados e invertebrados conhecidos; 4) o processo evolutivo é um fato científico e não uma questão de fé, tal qual demonstrado no estudo das inúmeras variedades de espécies animais e vegetais, domésticos e /ou selvagens, bem como por evidências fósseis, anatômicas e moleculares fartamente apresentadas pelos cientistas.

Entretanto, conceitos tais como moléculas fósseis funcionais e não funcionais podem ser entendidos como possíveis convenções de caráter didático e hipotético. Essa é a nossa intenção, atualizar dados sobre a evolução e criar hipóteses com base nesses dados. Em fim: biologia teórica. Estou escrevendo isso apenas para lembrar o que já foi escrito aqui em postagens anteriores e para introduzir um pensamento que se tornou um dos mais importantes paradigmas da biologia teórica. Trata-se da “organização e estrutura dos seres vivos” tal qual Maturana e Varela (1884) elaboraram com base em experimentos em neurobiologia.

É consenso que a adaptação de um ser vivo surge primeiro no domínio microscópico dos genes (genótipo) para depois se expressar no nível micro ou macroscópico (fenótipo) dessa mesma individualidade. Mas é na totalidade do ser, aquilo que Maturana chama de fenótipo ontogênico, que se insere uma das grandes questões dos neurobiólogos Maturana e Varela. A organização da vida. Como ela se distingue daquilo que não é vivo e se mantém de forma distinta como uma individualidade, plenamente adaptada, durante todo o seu ciclo biológico.

O mais interessante sobre a noção do que seja a vida em Maturana e Varela é que ela nos “iguala” a qualquer outro ser vivo do ponto de vista de sua organização. Darwin já havia nos igualado a outras espécies do ponto de vista evolutivo. Ou seja, somos todos descendentes de um ancestral comum, mas por acúmulos de variações sucessivas devido a infinitas recombinações genéticas, adquirimos formas (fenótipos) diversificadas. Em Maturana, o princípio da evolução é aceito, entretanto para ele o organismo não se adapta mas apenas conserva a sua adaptação sem nunca a perder. A sistemática com base na genética demonstrou que o que nos torna mais ou menos próximos em termos de grau de parentesco é a homologia gênica. Por exemplo, dados mais pessimistas dizem que a homologia gênica entre o chipanzé e o homem é de 94%. Assim, chipanzé e homem diferem em apenas 6% geneticamente. Em Maturana as espécies são iguais do ponto de vista das suas organizações e diferentes do ponto de vista estrutural. Se Darwin pensasse na vida sob a ótica “meta-neo-pós-modernista” dos sistemas complexos adaptativos, não sei se entenderia a vida como um sistema aberto. Já em Maturana a vida é um sistema fechado no qual... Vamos fazer o seguinte, uma pausa para leituras importantes e embasamentos necessários para que a coisa fique bem amarrada sem deixar muitos “filósofos” de cabelo em pé. Até muito breve.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Pensamentos e hipóteses em Dictyostelium discoideum


Continuando a postagem anterior, o D. discoideum é um exemplo de organização multicelular derivada de um organismo unicelular. Então, como ele vive? Durante sua fase unicelular pode ser encontrado sob a forma de amebas solitárias vivendo em ambientes repletos de matéria orgânica em decomposição e alimentando-se de bactérias. Há quem acredite que, na sua forma multicelular, o D. discoideum possa viver e se alimentar durante várias semanas de resíduos orgânicos em decomposição presentes nas florestas ou bosques, ou até mesmo em jardins residenciais em dias claros e úmidos, semelhantes aos que encontramos nas estações de verão/outono. O seu aspecto parece o de uma substância de cor amarelo/avermelhada cobrindo alguns centímetros de, por exemplo, uma madeira apodrecida. Essa massa se move pelo chão vagarosamente, mas seu movimento só pode ser percebido quadro a quadro, ou seja, a partir de imagens capturadas com uma máquina digital durante vários dias pois o seu deslocamento é muito lento. A reprodução na fase unicelular é assexuada e se dá por fissão binária, onde cada célula replica-se gerando clones de si mesma.

A passagem da forma unicelular para a multicelular inicia-se quando os recursos alimentares são exauridos. A partir daí, grupos individuais de amebas secretam um fator chamado de AMPc (adenosina monofosfato cíclico) que faz com que centenas ou milhares dessas amebas migrem em direção a um ponto central. Ali, elas se agrupam umas sobre as outras formando uma estrutura cônica fortemente aderida. Na parte mais alta deste cone forma-se uma ponta que, lentamente, se curva para frente. Agora o D. discoideum se parece com uma lesma (também chamada de pseudo-plasmódio) e passa a se movimentar como tal. O tempo transcorrido até este momento é de 14 horas. De um modo geral, o movimento do D. discoideum ocorre em ambientes com pouca luz e úmidos. Quando ele alcança locais iluminados, a migração é interrompida e inicia-se um processo de diferenciação celular no qual o organismo desenvolve um corpo de frutificação composto por um talo ou pedúnculo, semelhante a um cogumelo. Na parte superior formam-se vacúolos no qual se desenvolvem esporos. Vinte e quatro horas após a formação do corpo de frutificação, os esporos são dispersos e cada um deles se transforma em uma nova mixamoeba de vida livre.

Vários são os mecanismos envolvidos nesse processo. O certo é que, diferente das outras amebas, o D. discoideum possui no seu genoma (conjunto de todos os genes de um organismo) os genes responsáveis pela sua diferenciação. Isto confere a ele uma vantagem adaptativa enorme, pois, em épocas de escassez de alimentos, quando a maioria dos micro-organismos morrem, ele produz esporos resistentes que permanecem “dormentes” até que as condições ambientais se tornem novamente favoráveis, levando cada esporo a se transformar em uma mixamoeba unicelular de vida livre novamente.

Alguns aspectos devem ser levados em consideração nesse ponto: 1) Os mecanismos que fazem com que organismos unicelulares se agreguem e diferenciem em pelo menos dois tipos celulares distintos são dependentes da expressão de moléculas de adesão na superfície de suas membranas. Isto sugere que, por ser o D. discoideum um organismo primitivo, as moléculas de adesão devem ter sido um dos primeiros caracteres surgidos na evolução que permitiram a transição dos organismos unicelulares para multicelulares. Esse raciocínio é facilmente dedutível quando se estuda Biologia do Desenvolvimento ou Embriologia Comparada. Muitos dos mecanismos apresentados aqui, tais como: Migração celular, expressão de moléculas de adesão e diferenciação celular, também ocorrem no desenvolvimento embrionário de todos os vertebrados de uma maneira muito semelhante ao que ocorre com o D. discoideum, ao menos nas fases iniciais do desenvolvimento embrionário. 2) O comportamento do D. discoideum evidencia uma importante característica dos seres vivos que é a sua propriedade emergente, ou seja, os seres vivos se auto-organizam a partir de certas condições iniciais, que no caso do D. discoideum está representada pela escassez de alimentos, gerando uma novo estado que lhe confere maior capacidade adaptativa do ponto de vista evolutivo, ou maior plasticidade biológica, diferente de adaptação evolutiva (comunicação pessoal por Henrique Leonel Lenzi), do ponto de vista ontogenético ou até mesmo social. E não somos todos nós assim? Opa, isso pode ser um bom tópico para uma outra postagem. Até a próxima.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Genes Fósseis e o Dictyostelium discoideum


Caros amigos, entendo que ao longo da evolução das espécies, vários caracteres se desenvolveram e outros deixaram de existir, tais como diferentes órgãos, membros, tipos de proteínas e coisas afins, tornando as espécies melhor adaptadas para o seu meio. Tudo isso é possível ver nos registros fósseis encontrados pelos Paleontologistas. Todos esses caracteres são produtos de genes presentes no núcleo das células dos organismos vivos. Moléculas fósseis se originam de genes que surgiram nos primórdios da origem da vida. Mas o próprio gene também pode ser uma molécula fóssil. Acredito que podemos considerar moléculas fósseis não só aquelas encontradas preservadas nas rochas , mas também genes não funcionais encontrados em organismos atuais cuja função é conhecida apenas em outra espécie, como é o caso dos genes do dente da galinha, que não são funcionais nas aves mas são funcionais nos mamíferos. Então poderíamos pensar também em genes fósseis funcionais. Ou seja, aqueles genes que foram conservados desde a origem dos primeiros seres vivos e permaneceram funcionais na maioria dos seres até hoje, como é o caso do gene do colágeno que confere firmeza à pele dos mamíferos. Vou tentar elaborar melhor esse pensamento apresentando o Dictyostelium discoideum no contexto da origem evolutiva dos metazoários (organismos pluricelulares).

O Dictyostelium sp. pertence ao reino Protista e ao Filo Unikonta, do qual fazem parte as amebas. Entretanto, é chamado de myxamoebae ou ameba social devido a sua capacidade de formar agregados celulares semelhantes a organismos multicelulares, inclusive apresentando tecido diferenciado com divisão de trabalho. As outras espécies de amebas permanecem solitárias durante todo o seu ciclo de vida. Trata-se de um organismo extraordinário, primitivo e misterioso, que conserva no seu comportamento, os mecanismos que, provavelmente, levaram à evolução dos metazoários.

Nos primórdios da evolução, há aproximadamente 3,5 bilhões de anos, a vida na Terra era exclusivamente unicelular e todos os seres estavam perfeitamente adaptados às condições ambientais existentes. Não havia pensamento, desejo ou intenção. Apenas tentativa e erro na longa evolução molecular impulsionada por forças eletromagnéticas das moléculas presentes no “caldo primordial” que resultariam na primeira célula viva, com metabolismo próprio, capaz de se auto manter e replicar-se de forma autônoma. Foram aproximadamente três bilhões e meio de anos de vida unicelular até o aparecimento dos metazoários.

Vários eventos foram fundamentais para o aparecimento dos metazoários, incluindo: 1) O surgimento da Matriz Extra Celular (MEC) e; 2) o aparecimento das Moléculas de Adesão (MA). 1) A MEC é uma complexa rede de macromoléculas que preenche os espaços extracelulares dos tecidos dos vertebrados e invertebrados permitindo que as células fiquem aderidas ali. Fazem parte dessa rede algumas moléculas fibrosas como os colágenos, entre muitas outras. Isto mesmo! o colágeno da pele do homem é derivado de um gene muito antigo e conservado durante a evolução, que sofreu pouca modificação ao longo das eras geológicas e está presente nos mamíferos, répteis (incluindo dinossauros) e muitos invertebrados, desde vermes e crustáceos até as esponjas marinhas. Daí entende-se que este gene surgiu e se diversificou a partir de um ancestral comum das esponjas e de outros animais, como foi proposto por Morris em 1992. Por estes motivos, o gene do colágeno poderia ser considerado uma molécula fóssil funcional.

2) As Moléculas de Adesão são receptores presentes na membrana das células e permitem a adesão entre as células e entre as células e o colágeno, levando à formação dos tecidos dos metazoários. Existem vários tipos de MA. Entre eles as Integrinas. As integrinas podem se ligar aos colágenos e formar camadas de tecido sobre uma rede de fibras. Os genes das integrinas foram altamente conservados durante a evolução e estão presentes atualmente em uma ampla variedade de espécies, incluindo mamíferos, aves, anfíbios, insetos, fungos e esponjas (Marcantonio & Hynes, 1988). Portanto, o genes dos colágenos e das integrinas são como fósseis moleculares funcionais. Bom! e o Dictyostelium discoideum com essa história toda? Isso fica para a próxima postagem. Grande abraço e até lá.

quinta-feira, 19 de março de 2009

O dente da galinha


Atualmente tenho estado muito influenciado pelos pensamentos de Darwin. Não por acaso comemoramos este ano o seu bicentenário (1809-1882/2009) e os 150 anos de “Origem das Espécies”. Apesar de Darwin não ter construído no Rio de Janeiro os pontos mais quentes da sua teoria, é admirável o seu encanto pela exuberância das nossas matas e o seu indiscreto repúdio com a condição política do Estado Brasileiro até 1832, em plena escravocracia, ano em que esteve no Rio de por três meses. 

Fig. 1 - Bico de fóssil de pelicano com com projeções
semelhantes a dentes.
Me pergunto se no domínio dos escravocratas, o Capitão Fitz Roy, comandante do HMS Beagle, navio hidrográfico da marinha real britânica, no qual Darwin fez a sua viagem como naturalista convidado, sofreu alguma sanção do império brasileiro devido a sua passagem de exploração pela costa brasileira. Aqui, o capitão mapeou toda a costa litorânea com requinte que só os cartógrafos reais podiam fazer. Era o início do "nosso" complexo de vira-lata. Também me chamou a atenção na releitura do seu diário (Darwin, C., 1871), a ausência de notações sobre índios no Rio de Janeiro. É surpreendente que já em 1832 todos houvessem sido exterminados.

Políticas a parte, acredito que Darwin ficaria bem feliz com as novas descobertas científicas que tem sustentado cada vez mais a sua teoria. No caso específico do nosso tema, “o dente da galinha”, o campo é fértil. Vejamos um membro da extinta família Pelagornithidae, pertencente à Ordem dos Pelecaniformes, cujo membro foi descoberto no Peru, mais exatamente no deserto da região Ica (Figura 1). Trata-se de uma ave marinha fóssil, extinta a 10 milhões de anos. Nela é possível ver nitidamente os dentes, ou melhor, um crânio de 40cm cujo bico tem projeções ósseas semelhantes a dentes. 

Vamos nos situar melhor! É consenso entre os paleontólogos que as aves evoluíram de ancestrais dinossauros, particularmente do grupo dos Terópodes. Os Terópodes pertencem a Superordem Dinosauria que também agrega outros grupos de dinossauros como os Saurópodes, Anquilossauros, Estegossauros, Ceratopsídeos, Ornitópodes e Paquicefalossauros. De todos esses grupos, apenas os Terópodes e os Paquicefalossauros são bípedes, como são também as aves. Entretanto, só os Terópodes possuem fúrcula, um tipo de osso leve, cheio de ar, em forma de forquilha, que nada mais é do que a clavícula. Entretanto, estas são soldadas ao esterno. Para os apreciadores de carne de galinha, a fúrcula é conhecida como osso da sorte. Isto mesmo, tal qual os terópodes, as aves modernas herdaram filogeneticamente este caractere, da mesma forma que também herdaram um comportamento típico e único dos terópodes que é o cuidado com os filhotes e a capacidade de ensinar métodos de caça e sobrevivência. Cabe lembrar que evidências fósseis mostraram que uma espécie de terópode, o Velociraptor mongoliensis, possuía penas. No mais, todos os dinossauros botavam ovos. Pois bem, essas maravilhosas descobertas aproximaram ainda mais as aves dos dinossauros como um grupo parafilético, colocando-as como seus verdadeiros descendentes. É importante dizer que os primeiros fósseis de dinossauros conhecidos datam de 235 milhões de anos e pertencem ao gênero Eoraptor. Segundo os paleontólogos, o eoraptor se parece com o antepassado comum de todos os dinossauros, sugerindo que os primeiros dinossauros foram predadores pequenos, provavelmente bípedes. Assim, podemos suspeitar que os dinossauros e as aves, no mínimo, tiveram um ancestral comum a partir do eoraptores, e o que é melhor, eles tinham dentes. Segundo a literatura especializada, os dentes das aves desapareceram há 70-80 milhões de anos. Poderíamos fazer uma pergunta nesse ponto: Se novas espécies derivam de outras, será que teríamos um registro molecular, semelhante aos registros fósseis, que comprovariam tais evidências? Sim! Foi demonstrado que genes responsáveis pela formação de dentes em répteis e mamíferos também estão presentes nas aves (veja o link).

Na epiderme de embriões de aves aparece, durante o desenvolvimento da epitélio mandibular, um espessamento tecidual semelhante ao que ocorre em camundongos durante a formação da lâmina dental (Chen, Y., 2000). Entretanto, esta estrutura regride e a invaginação (dobra do tecido) associada com a formação dos dentes não ocorre. Por outro lado, se for feito um enxerto com tecido embrionário de camundongo (ectomesênquima oral) no mesmo epitélio mandibular de aves descrito anteriormente, o tecido adquire a capacidade de produzir dentes (Kollar & Fisher, 1980). Isto sugere que existe um programa genético dormente que confere à epiderme mandibular das aves a capacidade latente de desenvolver dentes, mas que foi reprimido por seleção natural durante o processo evolutivo. Em 2006, Harris e colaboradores mostraram que os mesmos genes responsáveis pelo desenvolvimento dos dentes em vertebrados (shh, fgf8, bmp4 e ptix2) estão presentes em embriões de galinha. Ele acredita, conforme trabalhos realizados com embriões selvagens de galinha e em embriões mutantes (ta2), que o desaparecimento dos dentes nas aves foi devido a perda da justaposição direta entre os dois tecidos formadores de dentes na cavidade oral da aves, ou seja, o ectoderma e o mesênquima oral dos embriões. Estes deveriam estar alinhados durante o desenvolvimento embrionário, permitindo que os genes sinalizadores fgf8, bmp4 e shh, ativassem o mesênquima da cavidade oral e o capacitasse novamente a formar dentes, como ocorre nos répteis. Mas isso não é mais possível devido ao desalinhamento tecidual observado.

Colocando claramente. A presença de genes de dentes nas aves, e sua reativação em laboratório, é forte evidência, junto com achados fósseis e demais descobertas, de que os ancestrais das aves (a galinha do título) já tiveram dentes e os perderam ao longo do seu processo evolutivo. Assim, tirando as explicações morfológicas e moleculares que eventualmente tornam o texto difícil de ser entendido, não faria sentido a presença de genes de dentes nas aves se estes não tivessem sido utilizados em algum momento durante a transição evolutiva dos répteis para as aves. Isto não é fantástico?
Abraços e até a próxima.
 
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